quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Triangulação de importações

Algo de muito estranho está ocorrendo no comércio exterior brasileiro. Países dos quais o Brasil pouco importava passaram, de repente, a figurar entre nossos maiores fornecedores. É, por exemplo, o caso de Taiwan, de onde o Brasil importou US$ 1,41 bilhão no primeiro semestre deste ano, 43,54% a mais que no mesmo período de 2009. Causam espanto também os aumentos das importações da Tailândia (US$ 828,71 milhões, mais 69,31%), da Malásia (US$ 828,54 milhões, aumento de 74,83%) e da Indonésia (US$ 657,06 milhões, mais 52,22%) na primeira metade deste ano, sempre em comparação com igual período de 2009. Como tais países não são grandes exportadores de manufaturados, o crescimento súbito das importações deles procedentes pode ser resultado da triangulação, ou seja, eles podem estar sendo usados para exportar produtos que, na verdade, são originários de um terceiro país, como forma de burlar as leis antidumping.

Não se trata apenas de uma conjectura. Na semana passada, Roberto Giannetti da Fonseca, diretor da Fiesp, encaminhou ao Ministério da Fazenda um estudo comprovando que países asiáticos estão utilizando uma técnica batizada com o neologismo de circunvenção para exportar para o Brasil produtos fabricados na China.

Isso ocorre porque o governo ainda não regulamentou a lei que impede o uso de terceiros países para contornar restrições a importações a preços artificiais, que atuam em detrimento da produção nacional. Como noticiou o jornal Valor (2/8), a Fazenda prefere não se manifestar por enquanto porque está criando um grupo de trabalho para estudar o assunto.

O obstáculo mais forte no Brasil é sempre a burocracia. Como assinala a Fiesp, diversos países, entre os quais a própria China, já adotaram legislações contra a triangulação e têm o direito reconhecido pela OMC de fazê-lo, depois de procederem a investigações relativas a cada produto. Nos Estados Unidos, por exemplo, normas para evitar esse tipo de distorção se aplicam até mesmo a componentes importados para a produção final em território americano e, dependendo das circunstâncias, podem estar sujeitos a direitos compensatórios. A União Europeia adota política semelhante.

Não se trata de protecionismo, mas de legítima defesa comercial. O governo reconheceu, pela Lei 9.019/95, alterada em setembro de 2008, que "as medidas antidumping e compensatórias poderão ser estendidas a terceiros países, bem como a partes, peças e componentes dos produtos objeto de medidas vigentes, caso seja constatada a existência de práticas elisivas (sic) que frustrem a sua aplicação". Mas, passados quase dois anos, falta esclarecer o que são "práticas elisivas" ou lesivas, bem como os procedimentos a adotar em uma investigação.

Como resultado, barrou-se a entrada de produtos chineses vendidos a preços baixíssimos e muitas vezes de qualidade inferior, mas permaneceu aberta a porta para outros países, que podem funcionar como simples entrepostos chineses. A Câmara de Comércio Exterior (Camex), por exemplo, aprovou a cobrança de uma sobretaxa de US$ 12,47 sobre cada par de calçados importado da China, para restabelecer uma concorrência em condições normais com o similar nacional, mas as importações não cessaram, só tiveram de dar uma voltinha. As compras de sapatos da Malásia aumentaram de 11 mil pares no primeiro semestre de 2009 para 2,5 milhões nos primeiros seis meses de 2010. As compras do produto procedente do Vietnã aumentaram 109% e da Indonésia, 55%.

A triangulação não se restringe a bens de consumo, mas atinge também aparelhos, máquinas e equipamentos diversos. Os empresários não defendem a instituição de nada parecido com o certificado de existência de similar nacional ou de licença de importação. Antes de impor sobretaxas, pedem uma investigação para apurar se os preços dos bens importados são condizentes com os praticados no mercado internacional. E que isso seja feito de acordo com regras criteriosas e transparentes, as quais, inexplicavelmente, ainda estão por definir.

(aspas)

?Fonte : Jornal “O Estado de S. Paulo”, 8 de agosto de 2010

 

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