O presidente Lula disse que a reunião do Mercado Comum do Sul (Mercosul) desta semana foi a "melhor cúpula" do grupo dos seus dois mandatos. Lula tem razão. A 39 ª reunião do Mercosul foi, na realidade, a mais importante desde 1994, quando o Mercosul, criado três anos antes, selou o protocolo que transformou o bloco em união aduaneira, com tarifa externa comum (TEC) para bens importados de fora da região. Depois disso, os avanços do grupo foram poucos e erráticos. Nos últimos sete anos, a crise argentina barrou praticamente qualquer progresso.
Na cidade argentina de San Juan, aos pés da Cordilheira dos Andes, onde a última cúpula foi realizada, o Mercosul deu, porém, um passo decisivo para a retomada das negociações com a União Europeia. Lula, que acaba de assumir a presidência rotativa do Mercosul por seis meses, gostaria de fechar o acordo até o fim do ano, para engordar seu cacife político e marcar o fim do seu mandato.
O prazo é exíguo. Mas as negociações ganharam condições reais de progredir com as decisões tomadas em San Juan. Os países do bloco - Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai - decidiram adotar um código aduaneiro comum, que deverá harmonizar normas e procedimentos alfandegários adotados pelos quatro sócios. Além disso, concordaram com o fim gradual da dupla cobrança da TEC para mercadorias importadas de terceiros países que circulam dentro do Mercosul, o que sempre foi motivo para se acusar o bloco de não ter uma união aduaneira de fato.
Uma máquina comprada pelo Brasil da Europa, posteriormente vendida no Paraguai, por exemplo, paga imposto de importação nos dois países. O acordo fechado nesta semana vai acabar gradualmente com isso: a partir de janeiro de 2012, não haverá mais a cobrança dupla da TEC para produtos acabados; a partir de janeiro de 2014, entram na lista produtos com tarifas baixas (de 2% a 4%); e, a partir de janeiro de 2019, todos os bens serão beneficiados.
Parte do Paraguai a maior resistência ao fim da cobrança dobrada da TEC e alguma compensação tem que ser negociada entre os parceiros. Cerca de 60% da receita fiscal do Paraguai vem das tarifas de importação e, como não tem litoral, boa parte dos produtos que importa passa antes por outro país do bloco.
O presidente Lula reúne condições de levar adiante o acordo, especialmente por causa das boas relações com um dos principais focos de resistência do lado europeu, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, apoiado por outros nove países. O principal motivo da objeção do presidente francês é o impacto na Europa de um acordo de livre comércio com países fortes na agropecuária como a Argentina e o Brasil. Nada menos de 82% da carne bovina importada pela União Europeia vem do bloco do Cone Sul e 64% no caso da carne de frango. Dos € 2,3 bilhões em carnes exportadas pela região no ano passado, o Brasil ficou com €1,5 bilhão.
A crise na zona do euro tornou o problema mais crítico. Mas um sinal de distensão foi dado em maio passado, em uma reunião em Madri, quando Mercosul e a União Europeia retomaram as conversações.
O estabelecimento de um acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia é um sonho acalentado desde 1995. As conversações estagnaram em 2004 e foram atropeladas pela crise internacional, que deixou os dois lados retraídos.
A negociação passou a ser prioritária para dar uma nova dimensão ao bloco, que até agora tem feito acordos apenas com outros países em desenvolvimento. Em San Juan, foi fechado um acordo com o Egito, o segundo fora da América do Sul, depois do acertado com Israel. Na América Latina, são associados ao Mercosul a Bolívia (desde 1996), Chile (1996), Peru (2003), Colômbia e Equador (2004). Há ainda um protocolo de adesão da Venezuela, assinado em 2006, já aprovado pelos congressos da Argentina, Brasil e Uruguai, mas dependente do sinal verde do congresso paraguaio.
Há um elevado risco de a presidência de Lula à frente do Mercosul resultar em maior ênfase na ação política do bloco, como já ficou patente nas entrevistas do presidente brasileiro após o encerramento da cúpula de San Juan. Lula quer, por exemplo, ver a Venezuela no Mercosul e, no seu sonho de líder internacional, tentará aplainar as diferenças desse país com a Colômbia. Esses temas estarão com certeza em pauta na visita que fará hoje ao presidente Hugo Chávez; no jantar de despedida de álvaro Uribe da presidência da Colômbia , no mesmo dia; e na posse do novo presidente colombiano, Juan Manoel Santos, no sábado.
(aspas)
Fonte : Jornal Valor Econômico, 06/08/2010
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