Os quatro sócios do Mercosul chegaram ontem a um acordo que vinha sendo adiado desde 2004 e permitirá acabar com uma das principais aberrações para o funcionamento do bloco como uma união aduaneira. Contornando a resistência do Paraguai, assumiram o compromisso de eliminar a dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) para produtos extra-Mercosul que circulam dentro do bloco. Definiram três fases para implementar o acordo e datas fixas a cada uma delas.
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, aproveitou o clima de entendimento para fazer uma crítica incomum ao Mercosul e cobrar mais empenho dos sócios para diminuir a quantidade de produtos excluídos das obrigações da TEC - ou seja, em que um país aplica uma alíquota diferente, contrariando a essência de uma união alfandegária. É o caso, por exemplo, da exceção feita pela Argentina aos bens de capital. "É uma deficiência no nosso trabalho."
Amorim avaliou que o acordo fortalecerá a posição do Mercosul nas negociações comerciais com outros parceiros, como a União Europeia. Uma das queixas da UE é que, embora conversem como um bloco único, os países do Mercosul têm tarifas diferentes entre si. "Se quisermos ter força nas negociações internacionais, temos que provar sermos quem dizemos que somos", afirmou o chanceler, durante a 39ª cúpula do bloco.
Hoje, mercadorias provenientes de fora do Mercosul pagam a TEC ao entrar no Brasil, por exemplo. Mas a tarifa comum volta a incidir sobre esses produtos caso eles sejam "re-exportados" para outros países do bloco. É o que ocorre com frequência com o Paraguai. Há resistência do governo local em eliminar a dupla cobrança da TEC, porque cerca de 20% de sua arrecadação de tributos tem origem nas tarifas de importação.
O acordo prevê que, a partir de janeiro de 2012, termine a dupla cobrança para todos os produtos acabados. É o caso, por exemplo, de automóveis ou computadores - sempre que não houver nenhuma complementação industrial ou agregação de valor dentro do bloco.
"Isso terá como efeito a integração e a modernização das aduanas", explicou o diretor do departamento de Mercosul do Itamaraty, Bruno Bath. "Haverá a necessidade de adotar padrões técnicos, como o acompanhamento das operações de um país por outro país, em tempo real."
No início de 2014, o bloco terá o desafio de implementar a segunda fase do acordo, que se estenderá a mercadorias com tarifa de 2% e de 4%. Essa etapa exigirá um mecanismo de partilha das receitas alfandegárias, que ainda não foi definido. Por último, a partir de 2019, a eliminação da dupla cobrança da TEC seria estendida a todos os bens.
"Avançar nessa matéria é fundamental para melhorar as condições de circulação das mercadorias entre nossos países e resolve obstáculos recorrentes e de longa data observados por terceiros (países) em nossas negociações externas", disse o secretário de Comércio e Relações Econômicas Internacionais da Argentina, Alfredo Chiaradía.
Para Amorim, a dupla cobrança "emperra a engrenagem" do Mercosul. "Também sabemos dos problemas que pode causar ao Paraguai, mas encontraremos as soluções justas", prometeu.
O Brasil obteve ainda aprovação dos demais sócios para conceder descontos nas alíquotas de importação (preferências tarifárias) a produtos têxteis do Haiti. A medida é considerada inexpressiva, do ponto de vista da balança comercial brasileira, e está sendo tomada para ajudar a economia haitiana e contribuir com a sua reconstrução.
Hoje, após a cúpula do Mercosul, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner terão uma reunião para avaliar questões bilaterais e a possibilidade de novas parcerias, inclusive na área nuclear, com o desenho conjunto de um reator atômico para a fabricação de radiofármacos. Eles também deverão conversar sobre a situação de Honduras e os últimos desdobramentos das tensões entre Venezuela e Colômbia
(aspas)
Por : Daniel Rittner, de San Juan (Argentina), para o Jornal “Valor Econômico”, 03/08/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário