É muito difícil entender como tudo o que é ligado ao transporte se passa no Brasil. Em todos os modos de transporte temos sérios problemas, o que faz da logística brasileira uma das piores do mundo. Sem nenhum favor ao catastrofismo (sic). É pura realidade. E não é só no transporte, mas envolve a operação portuária, longe de padrões aceitáveis.
No transporte marítimo, temos a felicidade de poder desfrutar de uma costa de 7.500 quilômetros. Mas o modo como a usamos é estarrecedor. É algo que dói até o fundo da alma. A cabotagem, um excelente substituto do transporte rodoviário, chegou a morrer. Começou a renascer na década de 90, há poucos anos. Tem um potencial absolutamente fantástico e esperamos que ele se realize. Temos de sair desse marasmo do transporte rodoviário que domina o transporte de carga no País. Tanto na distribuição de carga, quanto no seu uso para a intermodalidade e a multimodalidade.
O Brasil já foi, e agora pouca gente sabe disso, o segundo maior produtor de navios do mundo. O nosso transporte de comércio exterior chegou a ser de 30% em navios de bandeira brasileira. Hoje está beirando a 0%. Nossos estaleiros também morreram, e vêm renascendo nos últimos anos. Deveremos ter dezenas deles. Mas não vemos chance de recuperar a extraordinária posição perdida. Não diante de China, Coreia do Sul, Taiwan etc., que hoje estão em posição de destaque. É uma pena.
Nosso transporte fluvial é quase nulo. E dizer que temos 43.000 quilômetros de rios. Segundo se sabe, 16.000 são hidrovias, e apenas 8.000 são utilizados. E esse modo responde por apenas 2% do transporte brasileiro, segundo se noticia. Mais uma humilhação. Em especial quando vemos a sua importância nos EUA, na Europa, para o Porto de Roterdã. Uma pena, uma vez mais. Já que ele é o meio de transporte mais barato que existe.
Sobre o transporte ferroviário, notamos que representa 26% da carga transportada. E isso depois da privatização e retirada do Estado - ainda bem. Que antes era de 18%, e cheio de problemas. Não que já não os tenhamos, mas estão menores com os da iniciativa privada. Que investiu cerca de 25 bilhões no período entre 1996 e 2009. E em lugar dos prejuízos do Estado, pagou a ele mais de 10 bilhões de reais em concessão e impostos. E o Estado devolveu a ele, em investimento, menos de 10%. Uma lástima, mas normal no Brasil.
Mesmo o rodoviário, que queremos reduzir a cerca de 30%. Hoje é de 60%. Já que somos um país rodoviarista, deveríamos ter estradas adequadas e em condições de uso. Mas 70% delas são ruins ou péssimas. Não dá para entender. Se esse é nosso modo de preferência, ele tem de ser tratado como rei.
E tem mais. Se o rodoviário é nosso modo, temos de ter uma quantidade de estradas coerente, mesmo que não sejam lá essas coisas. No entanto, ao vermos quanto temos de estradas, nos deparamos com a seguinte situação: 1,5 milhão de quilômetros, e apenas cerca de 170.000 asfaltados. Nos EUA, em que o trem é o modo preferido, não o caminhão, é dito que há 5 milhões de quilômetros de estradas. E todas asfaltadas. Não se entende como as coisas se passam assim. Tem de haver um mínimo de coerência. E não parece haver este artigo na prateleira do transporte e da logística do País.
Os portos são outro mau exemplo. Queremos trazer para cá, para Santos, navios de cerca de 7.000 TEU (twenty-foot equivalent unit, contêiner de 20 pés ou equivalente; um pé mede 30,48 cm). No entanto, a dragagem do porto continua uma miragem. Fala-se muito e se faz pouco. E ele continua com máximo de 13 metros de profundidade. Muito pouco para o calado (medida entre a linha de água e a quilha do navio, aquilo que ele precisa de profundidade do porto) desse gigante dos mares. E olha que hoje os navios já estão em 14.000 TEU.
Os portos continuam feudos políticos. Todos sabem que o porto tem de ter administração técnica, profissional. A economia do País não é para se ficar brincando. Mas sério é uma palavra um pouco forte no País, e preferimos reduzir o nível de cobrança. O que reduz, obviamente, toda exigência para o País, que continua à espera de um futuro. E sempre como o país do futuro. E ninguém sabe até quando.
(aspas)
Por : Samir Keedi, para o Jornal “DCI”, 05/08/2010
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