sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Saldo em manufaturas é o pior desde 1997

Só duas categorias ainda têm superavit; analistas culpam a valorização do real e a perda de competitividade do país

Setor mais intensivo em alta tecnologia registra um deficit comercial de US$ 16,8 bilhões de janeiro a junho de 2010

 

A balança comercial do setor de manufaturas brasileiro teve no primeiro semestre de 2010 seu pior desempenho desde 1997, início da série histórica do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).

Levantamento do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), que classificou os produtos manufaturados em quatro categorias segundo o nível tecnológico, mostrou que todas amargaram piora em seu saldo comercial.

As duas categorias que ainda exibem superavit -que são as mais intensivas em mão de obra pouco qualificada- viram o mesmo encolher significativamente.

Já as outras duas, que são intensivas em mão de obra qualificada e tecnologia mais avançada, amargaram forte aumento em seus deficit.

"Esses dados mostram que a piora do desempenho no setor de manufaturas já é generalizada", diz Júlio Gomes de Almeida, economista do Iedi responsável pelo levantamento, que usou metodologia da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) para classificar os produtos.

A primeira categoria, que inclui produtos como couro, calçados e vestuário, teve queda de 33% em seu saldo, para US$ 600 milhões no primeiro semestre de 2010.

No segundo caso, que abrange ligas e chapas de ferro e aço, houve recuo ainda mais dramático, de 62,5%, do saldo -que também alcançou US$ 600 milhões entre janeiro e junho deste ano.

Produtos como veículos, tratores e máquinas agrícolas pertencem à terceira categoria listada pelo Iedi, que chegou a registrar superavit entre 2004 e 2007. Mas, desde então, o deficit desse grupo mais do que dobrou, atingindo US$ 10 bilhões no primeiro semestre de 2010.

A quarta categoria, mais intensiva em alta tecnologia, que inclui de cosméticos a instrumentos médicos, teve deficit de US$ 16,8 bilhões entre janeiro e junho deste ano -alta de 60% em relação ao mesmo período em 2009.

 

VALORIZAÇÃO DO REAL

A deterioração dos saldos comerciais das diferentes categorias de produtos manufaturados é resultado de uma mesma tendência: crescimento de importações em ritmo bem mais forte que a expansão das exportações.

A valorização do real diante de outras moedas explica em parte essa tendência. Analistas de várias vertentes concordam nesse ponto, ainda que discordem se seria apropriado ou não adotar medidas para frear o fortalecimento da moeda nacional.

Já as outras possíveis causas estão longe de gerar consenso. Há economistas que veem a piora no saldo do setor de manufaturas como efeito natural da demanda mais fraca de países avançados, somada à forte recuperação do consumo interno.

"Não existe um processo de encolhimento da indústria. Há uma combinação de câmbio forte, renda doméstica alta e demanda fraca de países desenvolvidos", diz André Sacconato, coordenador de projetos da consultoria Tendências.

Outros analistas creditam os resultados da balança comercial dos produtos manufaturados a um processo de perda de competitividade e parcial desindustrialização.

"Não estamos exportando mais porque estamos perdendo competitividade. Esse problema é anterior à crise, que simplesmente o trouxe à tona", diz Almeida, do Iedi. Com a perspectiva de continuação dessa tendência, esse debate deverá ganhar fôlego nos próximos meses.

 

País perde peso em 13 setores da indústria global

O Brasil ainda é um importante produtor mundial de manufaturas. Mas seu peso no setor global provavelmente caiu em consequência de um ritmo de crescimento da indústria mais lento que o de outros emergentes, como China, Índia e Rússia em anos recentes.

Esse foi o cenário revelado pelo último anuário de estatísticas internacionais da Onudi (Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial), divulgado recentemente.

Segundo dados da Onudi, compilados pelo Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), o valor adicionado pela indústria brasileira (medida do que o setor de fato produz, descontados custos de insumos) cresceu a uma taxa média de 3,5% entre 2005 e 2008.

O número perde de longe para as taxas no mesmo período de China (12,9%), Índia (8%) e Rússia (6,9%), que, com o Brasil, formam os Brics.

Apesar do crescimento fraco, o Brasil ainda figurava em 2008 entre os 15 maiores produtores mundiais em 21 de um total de 22 setores mais importantes da indústria de transformação.

Mas, considerando 20 desses setores (para os quais há dados da Onudi disponíveis tanto para 2000 como para 2008), a participação do país na geração de valor agregado da indústria mundial encolheu em 13 e ficou estagnada em um deles.

Recente tese de doutorado do economista Alexandre Comin, professor licenciado da PUC-SP, defende que o Brasil passa por um processo parcial de desindustrialização.

Em linha com os dados da Onudi, ele mostra, por exemplo, que 21 dentre 23 setores da indústria de transformação tiveram perda de densidade entre 1996 e 2006.

Ou seja, a proporção do que é produzido de fato (descontando, por exemplo, insumos importados ou não industriais) vem caindo.

"A produção industrial cresce na ponta, mas com uma maior proporção de componentes importados", afirma Comin. 

(aspas)

 

 

Por : Érica Fraga, de São Paulo, para o Jornal Folha de S. Paulo, 04/08/2010

 

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