Raphael Ulian Avelar*
Em 10/8/09, foi publicado no DOU, a lei 12.016 (clique aqui), disciplinando o rito do Mandado de Segurança individual e coletivo, revogando, dentre outras normas, a lei 1.533/51 (clique aqui).
Observando a nova norma sob a ótica do direito aduaneiro, já observamos algumas ilegalidades e, porque não dizer, inconstitucionalidades. O mais preocupante é observado no art. 7º, III e §§ 2º e 5º, veja-se:
"Art. 7º Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
(...)
III - que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido, quando houver fundamento relevante e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja finalmente deferida, sendo facultado exigir do impetrante caução, fiança ou depósito, com o objetivo de assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.
(...)
§ 2º Não será concedida medida liminar que tenha por objeto a compensação de créditos tributários, a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior, a reclassificação ou equiparação de servidores públicos e a concessão de aumento ou a extensão de vantagens ou pagamento de qualquer natureza.
(...)
§ 5º As vedações relacionadas com a concessão de liminares previstas neste artigo se estendem à tutela antecipada a que se referem os arts. 273 e 461 da lei 5.869, de 11 janeiro de 1973 - CPC (clique aqui)."
É sabido que, no comércio exterior brasileiro, não é raro os Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil - AFRFB quererem enquadrar algumas mercadorias importadas em classificação fiscal NALADI diversa daquela declarada pelo importador, ou ainda, podendo se dizer, 'procurando pelo em ovo', levantar irregularidades no procedimento administrativo de importação e, assim, criar empecilhos para a liberação ou remeter a mercadoria para perdimento, inclusive perecíveis, nos termos do art. 68 da MP 2.158—35/2001 (clique aqui), do art. 23 do DL 1.455/1976 (clique aqui) e da IN 228/02.
Fica o questionamento no ar de que fim levou o direito da propriedade previsto no art. 5, XXII CF/88 (clique aqui). Obviamente não esta sendo respeitado, observando em conjunto as normas legais citadas.
Ademais, caso o AFRFB observe qualquer indício de irregularidade referente ao recolhimento de tributos, sendo classificação equivocada da mercadoria ou com preço declarado abaixo do real, visando a economia de tributos (evasão fiscal), comumente conhecido como mercadorias subfaturadas, este pode simplesmente lançar a diferença que acredita devida com os devidos encargos legais, conforme previsto no art. 142 do CTN (clique aqui) e, se acreditar que tenha ocorrido crime contra a ordem tributária, informar as autoridades competentes para instauração de inquérito policial e, caso seja o caso, de ação penal.
Ao redigir o inciso III, conforme viu-se acima, observa-se claramente o entrave que o Poder Público cria em torno do comércio exterior, ao facultar o julgador de requerer a prestação de garantia para concessão da liminar.
Referida exigência, observo, ser uma afronta ao princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição, conforme previsto no art. 5º, XXXV da CF/88, não obstante, a vedação constitucional da privação dos bens das pessoas naturais e jurídicas, previsto no art. 5º, LIV da CF/88.
De toda sorte, referido inciso guarda consonância com o disposto no art. 7º da IN 228/2002, que prevê o rito de fiscalização, quando encontrado "indícios" de irregularidades no comércio exterior. Observa-se a norma legal:
"Art. 7º. Enquanto não comprovada a origem lícita, a disponibilidade e a efetiva transferência, se for o caso, dos recursos necessários à prática das operações, bem assim a condição de real adquirente ou vendedor, o desembaraço ou a entrega das mercadorias na importação fica condicionado à prestação de garantia, até a conclusão do procedimento especial.
§ 1º. A garantia será equivalente ao preço da mercadoria apurado com base nos procedimentos previstos no art. 88 da MP 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, acrescido do frete e seguro internacional, e será fixada pela unidade de despacho no prazo de dez dias úteis contado da data da instauração do procedimento especial."
Assim sendo, viu-se que o único remédio que o importador observava para se defender de atos ilegais cometidos pelas autoridades alfandegárias, esta lhe sendo retirado.
Frisa-se que o pretório excelso, ao redigir a súmula 547 (clique aqui), já decidiu no sentido de que é vedado ao Poder Público proibir o despacho de mercadorias em alfândegas. Em outra oportunidade, ao redigir a súmula 323 (clique aqui), entender que é inadmissível a apreensão de mercadorias para o pagamento de tributos. Ou seja, o judiciário, concedendo a liminar ou a tutela antecipada, é o único remédio para garantir que o entendimento do Supremo permaneça sobre as autoridades administrativas que tanto poder possuem nas mãos.
Ainda, viu-se que, além do importador ter de pagar os tributos incidentes sobre a importação que, diga-se de passagem, não são poucos, ainda se vê obrigado a prestação de garantia do valor de sua própria mercadoria? Não bastaria o recolhimento dos tributos e o lançamento da diferença pela autoridade administrativa? Infração ao direito da propriedade claramente ofendido. O único remédio constitucional que o importador obtinha para se contrapor a estas ilegalidade, lhe foi retirado. Assim, opera-se o confisco pelo Poder Público, vedado pelo art. 150, IV da CF/88.
Em tempo, é sabido que a via probatória do MS é estreita, devendo o Impetrante se ater, em síntese, a fatos ilegais munido de prova documental clara.
Assim sendo, poderia o importador se socorrer de uma ação declaratória, por exemplo (apesar da natureza declaratória do Mandado de Segurança), para aumentar seus meios probatórios e, poder então, o julgador analisar o mérito da problemática entre o Poder Público e o importador. Ou ainda, se esquivar da restrição imposta no § 2º.
Contudo, o legislador se assegurou desta forma, ao redigir o § 5º, estendendo ao disposto no art. 7º do novo normativo ao instituto da tutela antecipada.
Extraindo o conceito jurídico da tutela antecipada, bem como da liminar, acredito não ser adequado a previsão do § 5º, tendo em vista a redação do inciso I do art. 273 do CPC. Isto porque, por muitas vezes, a carga pode ser perdida com o armazenamento por tanto tempo, principalmente quando são perecíveis, visto assim, a difícil reparação prevista na lei processual.
Desta maneira, caso me deparasse diante de uma situação como esta, ingressaria com o Mandado de Segurança e, na petição inicial, requereria a declaração incidental de inconstitucionalidade, conforme previsto no art. 97 da CF/88, da parte do § 2º que menciona "a entrega de mercadorias e bens provenientes do exterior".
Por fim, entendo que o judiciário, por meio do controle concentrado ou difuso, deve manifestar-se, quando provocado, no sentido de declarar a inconstitucionalidade de referido normativo.
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*Advogado do escritório Pedraza, Maximiano, Kawasaki, Assolini - Advogados Associados
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