Cidade paraguaia é a principal conexão dos fabricantes de produtos e medicamentos falsos com Brasil
Foz do Iguaçu — Os remédios e produtos médicos de mentira circulam no Brasil em volume cada vez maior. Apenas nos sete primeiros meses do ano, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) apreendeu durante operações de rotina 551.400 medicamentos contrabandeados. O número é maior que o confiscado nos 12 meses de 2008 e cresce ano a ano. Na segunda reportagem da série Cura Falsificada, o Correio/Estado de Minas mostra que as portas do país estão escancaradas para a entrada de falsificados em sua fronteira mais cosmopolita. No Paraguai, é possível encomendar não apenas grandes quantidades de comprimidos e ampolas de remédios sem efeito, mas também termômetros, medidores de pressão e até estetoscópios. Somente em uma ação de repressão na região, realizada pela Assessoria de Segurança Institucional da Anvisa em abril, foram apreendidos 21 mil comprimidos de diversos medicamentos, além de equipamentos.
O vaivém de turistas pelas ruas apertadas e cobertas de camelôs de Ciudad del Leste — município paraguaio fronteiriço com o Brasil — esconde uma face mais cruel do que a apresentada àqueles que a conhecem em busca de bugigangas. Responsável por 80% dos produtos pirateados que invadem o comércio nacional, de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Pirataria, Ciudad del Leste é também a grande fornecedora de medicamentos falsificados e equipamentos médicos sem registro. Um negócio que encontra em mil quilômetros de fronteiras — seca e de portos clandestinos no Lago Itaipu e Rio Paraná — todas as facilidades para prosperar.
Diferentemente de organizações criminosas especializadas no tráfico de drogas e no contrabando de mercadorias importadas, o comércio ilegal de medicamentos e equipamentos médicos não tem uma estrutura formal. Pior. É usado o esquema de transporte de outros grupos criminosos para fazer aumentar o cruel negócio. Essa fatia de comércio não tem um grande controlador e pode ser abocanhada por qualquer um, de acordo com o chefe da Delegacia de Polícia Federal, José Alberto Iegas. Medicamentos como o Pramil — o Viagra paraguaio — são produzidos em fabriquetas de fundo de quintal nas proximidades de Ciudad del Leste, que podem desaparecer num piscar de olhos e reabrir em outro local.
As facilidades, no entanto, não param por aí. A apenas 20km de Ciudad del Leste — terceira maior zona franca do mundo, atrás apenas de Miami e Hong Kong —, no município de Minga Guazú, está localizado o imponente Parque Industrial de Taiwan (PTI). Todo em estilo oriental, num terreno imenso com 500m de frente e mais de 1km de profundidade, o complexo industrial é apontado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) — responsável pelo controle da venda de medicamentos e equipamentos médicos no país — como centro de montagem de equipamentos importados, entre eles o aparelho de pressão à mostra nas ruas da cidade paraguaia.
Para entender melhor a falta de interesse na repressão a esse crime no país vizinho, é preciso estender a imaginação à estreita relação entre o Paraguai e Taiwan. A ilha se tornou ao longo dos anos o maior credor daquele país, o único da América Latina e um dos 23 no mundo que não reconhece a existência da República da China. A importância do Paraguai para Taiwan fica clara também com a visita, em agosto do ano passado, do presidente taiwanês Ma Ying-Jeou, que ofereceu mais ajuda ao país ao então eleito bispo Fernando Lugo. O bispo disse durante sua campanha à presidência que pretendia rever suas relações com a China, o que poderia significar o fim de uma aliança de mais de 51 anos com Taiwan.
Ações inócuas
A partir da análise do terreno fértil em que se prolifera a pirataria, fica fácil entender também porque as operações policiais na região da fronteira são tão inócuas quanto os remédios falsos comercializados. Com representantes de organizações infiltradas nas estruturas do Estado, o vazamento de informação impede o sucesso. De acordo com o chefe substituto da PF em Foz do Iguaçu (PR), Ricardo Schneider, os contrabandistas operam na mesma frequência dos rádios da polícia, e integrantes da Marinha do Paraguai se encarregam de fazer a escolta de embarcações dos criminosos que atravessam o lago com os produtos ilegais. “Em 2007, foi montada uma operação durante a noite. Para nossa surpresa, fomos atacados a tiros de fuzis que partiram do território da Marinha paraguaia”, conta Schneider.
Não bastasse a grande extensão da fronteira e a escolta oficial, cerca de 80 mil veículos cruzam a Ponte da Amizade por dia, sendo que apenas um mototáxi pode fazer até 20 deslocamentos, segundo a Polícia Rodoviária. Para realizar a travessia, o custo é de R$ 2 na moto, e para transportar remédios falsificados, os motoqueiros não cobram mais de R$ 200.
Levantamento da Anvisa revela ainda que a capacidade de fiscalização da Receita na Ponte da Amizade não ultrapassa 5% do número de veículos. Ali, a agência não faz vistoria nos carros, só atua na análise de mercadorias já apreendidas pelo fisco. Para tentar tornar mais eficaz a repressão, por meio da Assessoria de Inteligência Institucional da Anvisa, são montadas operações especiais periódicas.
A facilidade de invasão no território nacional pode ser vista pelos números. Apesar de a Anvisa contabilizar a comercialização de mais de 300 toneladas de remédios falsificados e sem registro, nos dois últimos anos, em operações de rotina da PRF, em Foz do Iguaçu, foram apreendidas 74 mil unidades de Viagra, Reumazin, Pramil, Citotec, em 18 ocorrências, no ano passado. Este ano, até julho, foram sete ocorrências com apreensão de 43,1 mil unidades dos medicamentos. A maior delas, este ano, aconteceu no dia 19, quando remédios eram transportados para Maringá (PR), dentro de computadores e brinquedos. Apenas o motorista foi preso. Ele receberia R$ 500.
(aspas)
Fonte: Correio Braziliense, edição de 10/08/2009
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