sexta-feira, 21 de agosto de 2009

O direito recuperar contêineres retidos irregularmente

Ver autoresPor Marcelo Ruiz Rodrigues dos Santos

Os principais portos do país acumulam cerca de cinco mil contêineres com cargas abandonadas pelos importadores por razões como falência, falta de documentação exigida pela Receita Federal e agências reguladoras. Ou ainda porque a transação deixou de ser lucrativa devido à variação cambial.

Aliás, o real continua se destacando como a moeda mais instável do mundo, desorganizando a economia e prejudicando o planejamento das empresas. Evidentemente, no mundo em crise não é só a volatilidade do real que justifica o recuo do comércio exterior.

Os armadores reclamam da morosidade da Receita Federal para se desfazer da carga e acabam batendo na porta do Poder Judiciário para recuperar seus contêineres. Nos termos do Decreto 4.543/06, uma carga é considerada abandonada ou "em perdimento" quando não é reclamada após 90 dias da chegada e determina que a Receita Federal faça o leilão, doação ou destruição dos produtos. Em caso de falsificações, por exemplo, a carga é encaminhada para destruição.

A Receita Federal alega que as caixas podem ser retiradas após 90 dias, mas retarda a liberação por não ter pessoal suficiente para dar conta do volume de contêineres que estão nos portos. Uma solução prática seria a terceirização deste serviço como ocorre nos leilões realizados pela Justiça Federal e do Trabalho, em que um leiloeiro juramentado realiza as ofertas e presta contas posteriormente. Ademais, a missão da Receita Federal não é ser leiloeira oficial do país e sim exercer a administração tributária e o controle aduaneiro, com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em benefício da sociedade.

A maior parte das cargas abandonadas ficam entre seis meses e um ano aguardando uma solução, causando problemas não só pela ocupação de áreas nos pátios dos terminais privados, mas também impedindo a reutilização dos contêineres, um ativo de propriedade dos armadores e que por isso não pode ser usado irregularmente como armazém.

Em média os contêineres simples de 20 e 40 TEUs ou cerca de 18 e 36 toneladas, custam em torno US$ 2 mil e US$ 3,5 mil, respectivamente e ultrapassam US$ 35 mil para os refrigerados. Porém, o maior custo para os armadores é a sua imobilização e eventual paralisação dos negócios.

No cenário jurídico, a Lei 6.288/75 conceitua o container da seguinte forma:

Art. 3º O container, para todos os efeitos legais, não constitui embalagem das mercadorias, sendo considerado sempre um equipamento ou acessório do veículo transportador.

Parágrafo único. A conceituação de container não abrange veículos, acessórios ou peças de veículos e embalagens, mas compreende seus acessórios e equipamentos específicos, tais como trailers, boogies, racks, ou prateleiras, berços ou módulos, desde que utilizados como parte integrante do container.

Art. 4º O container deve satisfazer as condições técnicas e de segurança previstas pelas convenções internacionais existentes, pelas normas legais ou regulamentares nacionais, inclusive controle fiscal, e atender as especificações estabelecidas por organismos especializados.

E o Decreto 80.145/77, acrescenta:-

Art. 4º O container é um recipiente construído de material resistente, destinado a propiciar o transporte de mercadorias com segurança, inviolabilidade e rapidez, dotado de dispositivos de segurança aduaneira e devendo atender às condições técnicas e de segurança previstas pela legislação nacional e pelas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

Ademais, o ingresso do container no país é disciplinado pela Lei 9.611/98, que dispõe:-

Art. 24 – Para os efeitos desta lei, considera-se unidade de carga qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas. Sujeitas a movimentação de forma indivisível em todas as modalidades de transporte utilizadas no percurso.

Parágrafo único – A unidade de carga, seus acessórios e equipamentos não constituem embalagem e são partes integrantes do todo.

Art. 25 – A unidade de carga deve satisfazer aos requisitos técnicos e de segurança exigidos pelas convenções internacionais reconhecidas pelo Brasil e pelas normas legais e regulamentares nacionais.

Art. 26 – É livre a entrada e saída, no País, de unidade de carga e seus acessórios e equipamentos, de qualquer nacionalidade, bem como a sua utilização no transporte doméstico.

O Novo Regulamento Aduaneiro (Decreto 6.759/09) resolveu reconhecer no seu art. 39, que a entrada no território nacional do container é livre. Frise-se que no regulamento anterior tais unidade eram sujeitas a controle desde a entrada até a saída. Eis o que diz o regulamento:-

Das Unidades de Carga

Art. 39. É livre, no País, a entrada e a saída de unidades de carga e seus acessórios e equipamentos, de qualquer nacionalidade, bem como a sua utilização no transporte doméstico (Lei no 9.611, de 19 de fevereiro de 1998, art. 26).

§ 1o Aplica-se automaticamente o regime de admissão temporária ou de exportação temporária aos bens referidos no caput.

§ 2o Poderá ser exigida a prestação de informações para fins de controle aduaneiro sobre os bens referidos no caput, nos termos estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

A princípio a unidade de carga estaria livre do despacho aduaneiro. Entretanto, a Receita Federal entende necessário o despacho aduaneiro do container, submetendo-o ao regime de admissão temporária e automático. Na admissão temporária ocorre o fato gerador e seu pagamento é suspenso, até que o bem retorne ao exterior. No caso pontual da caixa, esta não precisa voltar ao exterior, pois lhe é permitida a utilização no transporte doméstico no Brasil, inclusive sem data de retorno.

O Poder Judiciário pacificou o assunto e vem reiteradamente decidindo que o container não se confunde com a mercadoria tranportada, vejamos:-

ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE CARGA ABANDONADA. RETENÇÃO DE CONTAINER. LEIS 6.288/75 E 9.611/98.

1. Segundo o artigo 24 da Lei 9.611/98, os containers constituem-se em equipamentos que permitem a reunião ou unitização de mercadorias a ser transportadas, não podendo ser confundidos com embalagem ou acessório da mercadoria transportada.

2. Inexiste amparo jurídico para a apreensão de containers, os quais, pela sua natureza, não se confundem com a própria mercadoria transportada.

3. Recurso especial improvido.

STJ/2ª TURMA - RESP 908890 - Processo: 200602677491/SP

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA. PERDIMENTO DE MERCADORIA. APREENSÃO DO CONTÊINER (UNIDADE DE CARGA). ALEGADA VIOLAÇÃO DO ART. 24, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 9.611/98. NÃO-OCORRÊNCIA. INEXISTE RELAÇÃO DE ACESSORIEDADE ENTRE O CONTÊINER E A MERCADORIA NELE TRANSPORTADA. EXEGESE DO ART. 92 DO CÓDIGO CIVIL. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.

1. A questão controvertida consiste em saber se o contêiner utilizado no transporte de carga é acessório da mercadoria nele transportada e, por conseqüência, deve sofrer a pena de perdimento aplicada à mercadoria apreendida por abandono.

2. O Tribunal a quo entendeu que o contêiner não se confunde com a mercadoria nele transportada, razão pela qual considerou ilícita sua apreensão em face da decretação da pena de perdimento da carga. A recorrente, em vista disso, pretende seja reconhecido o contêiner como acessório da carga transportada, aplicando-se-lhe a regra de que o acessório segue o principal.

3. "Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente; acessório, aquele cuja existência supõe a do principal” (CC/02, art. 92).

4. Definido, legalmente, como qualquer equipamento adequado à unitização de mercadorias a serem transportadas e não se constituindo embalagem da carga (Lei 9.611/98, art. 24 e parágrafo único), o contêiner tem existência concreta, destinado a uma função que lhe é própria (transporte), não dependendo, para atingir essa finalidade, de outro bem juridicamente qualificado como principal.

5. Assim, a interpretação do art. 24 da Lei 9.611/98, à luz do disposto no art. 92 do Código Civil, não ampara o entendimento da recorrente no sentido de que a unidade de carga é acessório da mercadoria transportada, ou seja, que sua existência depende desta.

Inexiste, pois, relação de acessoriedade que legitime sua apreensão ou perdimento porque decretada a perda da carga.

6. Recurso especial conhecido e desprovido.

STJ – 1ª TURMA - RESP 526767 - Processo: 200300727870/PR

Portanto, o armador tem legitimidade e direito de pleitear administrativa e judicialmente, inclusive em caráter de urgência, a liberação de suas unidades de carga (contêineres) retidos irregularmente pelas autoridades nos portos brasileiros.

 

Marcelo Ruiz Rodrigues dos Santos é advogado

Conjur

 

 

 

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