quinta-feira, 22 de julho de 2010

PORQUE LEIGOS LAVRAM REPRESENTAÇÃO FISCAL PARA FINS PENAIS ?

Diz o “Michaelis - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa”, que leigo é “pessoa não versada em algum ramo de conhecimento ou arte”.

 

Começo mencionando isso porque recentemente estive na Polícia Federal com um cliente que deveria ser ouvido em Inquérito Policial originado de representação fiscal para fins penais sobre matéria aduaneira e, abismado com o pobre teor da peça redigida, resolvi ententer a origem do documento e por qual razão estava tão mal embasado.

 

A representação fiscal para fins penais está disciplinada no art. 83 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e abrange fatos que configurem crime contra a ordem tributária tipificado no art. 1º ou 2º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990, ou crime de contrabando ou descaminho.

 

A legislação que trata da matéria diz que “O Auditor-Fiscal do Tesouro Nacional formalizará representação fiscal, para os fins do art. 83 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, em autos separados e protocolizada na mesma data da lavratura do auto de infração, sempre que, no curso de ação fiscal de que resulte lavratura de auto de infração de exigência de crédito de tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda ou decorrente de apreensão de bens sujeitos a pena de perdimento, constatar fato que configure, em tese: I - crime contra a ordem tributária tipificado nos arts. 1.º ou 2.º da Lei n.º 8.137, de 27 de dezembro de 1990;  II - crime de contrabando ou descaminho.”

 

Ela é lavrada pela autoridade fiscal federal e encaminhada posteriormente ao Ministério Público Federal após proferida a decisão final, na esfera administrativa.

 

Normalmente transforma-se em inquérito policial federal para apuração dos fatos ocorridos no decorrer do despacho aduaneiro.

 

O grande problema das aludidas representações é que a grande maioria delas, que viram inquéritos policiais, não vinga, ou seja, são arquivadas a pedido do próprio Ministério Público Federal por falta de tipificação legal que, em síntese, significa que aquele fato sobre o qual a Receita Federal representou não configura crime.

 

E porque todo o gasto de energia, tempo e dinheiro impulsionando os órgãos federais para apuração de fatos que na verdade não são crimes?

 

Simplesmente porque algumas das autoridades fiscais que lavraram os autos e as representações fiscais correlatas são leigas. Não possuíam conhecimento jurídico suficiente para poderem avaliar quando que um fato ocorrido em um despacho aduaneiro poderia configurar –- ao menos em tese –- crime contra a ordem tributária, contrabando ou descaminho.

 

É notório que para ser Auditor Fiscal da Receita Federal não é preciso ser Advogado ou ter formação jurídica, basta ter nível superior (Decreto-Lei Nº 2.225, de 10 de janeiro de 1985).

 

Então imaginemos a angústia de um auditor fiscal com nível superior em educação física, engenharia civil ou quiçá administrador de empresas no afã de tentar enquadrar determinado acontecimento no despacho com um dos crimes que mencionei anteriormente, obedecendo sempre as regras para tipificação penal com base no princípio da legalidade.

 

Garanto que bacharel em educação física entenderá tanto da matéria quanto eu de “ginástica funcional”.

 

O resultado dessa combinação bizarra “leigo x lei” transforma qualquer fatura em “falsidade documental”, qualquer preço baixo de um produto chinês em “falsidade ideológica” e todo importador em “bandido”,“criminoso”, “sonegador”, etc., sem contar que normalmente estes processos andam de mãos dadas com procedimentos especiais de investigação que fecham ou engessam empresas da noite para o dia, acabando com arrecadação e empregos de mihares de pessoas.

 

Quando a inocência ficar provada daí já será tarde e os prejuízos emocionais e financeiros não serão mais revertidos.

 

Isso tudo porque não se exige que a autoridade fiscal que lavra a representação fiscal tenha formação em Ciências Jurídicas e Sociais.

 

Já é o momento de se mudar esta sistemática para que se salvem os bons importadores e não se sobrecarregue com besteiras tanto o Ministério Público Federal quanto a Polícia Federal.

 

Autor:

ROGÉRIO ZARATTINI CHEBABI

ADVOGADO RESPONSÁVEL PELA ÁREA DE DIREITO ADUANEIRO DO ESCRITÓRIO EMERENCIANO, BAGGIO E ASSOCIADOS – ADVOGADOS

E-MAIL: ROGERIO.CHEBABI@EMERENCIANO.COM.BR

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