Estão sendo fiscalizadas não só instituições financeiras como também empresas que contrataram câmbio
Empresas e corretoras estão caindo de bruços em caixas de papel e ressuscitando "arquivos mortos" para confirmar operações cambiais e recolhimentos de tributos a partir de 2006. Nesse ano, a fiscalização sobre algumas operações de câmbio foi transferida do Banco Central para a Receita Federal.
Estão sendo fiscalizadas não só instituições financeiras como também empresas que contrataram câmbio. A ideia é verificar se os contratos de câmbio condizem com as operações concretas e com os tributos recolhidos. A Receita tem fiscalizado ingressos de moeda estrangeira em operações de comércio exterior e também remessas para pagamento de mútuo e compra de ativos, por exemplo.
A ação da Receita, segundo tributaristas, já começou a gerar autuações que tendem a ser pesadas. Quando uma remessa para pagamento de juros em mútuo, por exemplo, não é comprovada pela empresa, pode ser considerada como "pagamento sem causa". Nesse caso, há cobrança de 35% de Imposto de Renda na fonte e o valor dos juros deixa de ser dedutível como despesa, o que significa outros 34% de cobrança de IR e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido. Se a Receita considerar que houve intenção de fraude, a multa pode chegar a 150%. "Mas há também a repercussão por conta do registro da operação de câmbio", diz o tributarista Igor Nascimento de Souza. As multas do BC podem chegar a 200% do valor da operação. Ele diz que acompanha cinco casos de fiscalização nessa linha e em um deles já houve autuação.
A ofensiva da Receita não agita apenas tributaristas. Ante a dificuldade de lidar com uma papelada em tempos digitais, as empresas estão pedindo socorro às corretoras. Há algumas semanas, uma grande companhia não hesitou em recorrer à equipe de especialistas de uma das maiores corretoras de câmbio do país para vasculhar papéis com a determinação de mostrar a lisura de suas operações no mercado internacional.
As fiscalizações da Receita, porém, são apenas parte de uma operação maior, batizada dentro do órgão de "projeto de controle cambial", que inclui proposta de mudanças em normas tributárias.
Receita estuda mudanças para a fiscalização de operações cambiais
As fiscalizações da Receita Federal que têm mobilizado empresas e instituições financeiras para levantar operações cambiais principalmente desde 2006 prometem ser apenas o começo de uma nova linha de ação. Segundo Francisco Labriola, titular da Delegacia Especial de Instituições Financeiras (Deinf), desde o fim do ano passado a Receita tem elaborado propostas de mudanças dentro do que se chama internamente de "projeto de controle cambial".
O projeto, explica Labriola, inclui todo o órgão e não somente a área de instituições financeiras. A ideia é criar novas ferramentas para subsidiar a Receita Federal na fiscalização sobre as operações cambiais. Estão incluídas mudanças de legislação e aumento do volume de informações devidas pelos contribuintes.
"Nós ganhamos essa atribuição de fiscalizar algumas operações de câmbio, mas não recebemos um novo sistema de dados", diz. Isso tem gerado necessidade de levantar cada uma das operações do passado para confrontar com o tributo recolhido. A Receita quer facilitar e acelerar isso.
Entre as medidas que estão sendo estudadas, a mais polêmica é a ampliação da quebra de sigilo bancário. Segundo Labriola, a fiscalização ainda enfrenta muita dificuldade e restrição quando quer verificar a movimentação dos clientes das entidades financeiras. Essa mudança, porém, necessita de lei e a proposta deverá ser levada à frente no início de 2011. "O que preocupa quando começa a se discutir ampliação de quebra de sigilo é a legalidade. A garantia do sigilo é cláusula pétrea da Constituição Federal ", diz Alessandro Fonseca, sócio do escritório Mattos Filho.
O que a Receita ainda quer ver funcionando até o fim do ano é o aumento de obrigações acessórias. Com isso, os contribuintes prestarão um volume maior de informações. Labriola exemplifica com mudanças que devem ser propostas à Declaração de Informações sobre a Movimentação Financeira (Dimof). Hoje esse documento é entregue pelos bancos, que informam à Receita as operações financeiras de pessoas físicas com movimentação superior a R$ 5 mil em um semestre e de empresas que movimentam valores acima de R$ 10 mil.
A Receita Federal, diz Labriola, vai propor que a Dimof, hoje semestral, seja entregue com frequência maior, que pode chegar a ser mensal. Além disso, explica, o Fisco exigirá que as operações sejam detalhadas individualmente. Outra mudança, diz o delegado, está na elaboração de um convênio para acesso maior da Receita às informações do Banco Central, que ainda é o responsável pelo registro das operações de câmbio. Ele diz que a troca de dados já existe, mas não no nível desejado pelo Fisco.
A Receita Federal tem pressa para ver algumas mudanças em curso. O órgão passou a fiscalizar operações de câmbio desde 2006 e corre contra o tempo porque há prescrição de cinco anos para a exigência de tributos que deixaram de ser recolhidos. Ou seja, o prazo acaba a partir de 2011.
(aspas)
Por : Angela Bittencourt e Marta Watanabe, de São Paulo, para o Jornal “Valor Econômico”, 05/07/2010
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