O objetivo é que o imigrante transfira conhecimento ao trabalhador local e retorne a seu país de origem
As concessões de visto de trabalho a estrangeiros no Brasil crescem a uma taxa média anual de 17%. Atraídos pelo bom momento da economia, por altos salários e oportunidades em áreas onde há evidente carência de mão de obra qualificada, quase 180 mil profissionais dos cinco continentes aportaram no país nos últimos cinco anos, de acordo com levantamentos produzidos pela Coordenação Geral de Imigração (CGI) do Ministério do Trabalho.
Das 11.530 autorizações de trabalho concedidas no primeiro trimestre deste ano - um volume recorde para o período -, 60% foram direcionadas a estrangeiros com diploma universitário, mestrado, doutorado e até PHD. Além disso, 80% dos vistos eram vinculados a funções técnicas ou a projetos de transferência de tecnologia. A mão de obra é importada principalmente para atuar em setores que vêm recebendo grandes volumes de investimento e demandam alto nível de conhecimento técnico, como petróleo e gás, energia e indústria.
O norueguês Lennart Nordby, 48 anos, passou a morar, a partir deste ano, parte do tempo no seu país e parte no Brasil. Ele comanda uma tripulação de 15 homens, dez brasileiros e cinco noruegueses em uma embarcação offshore que opera no apoio às plataformas de petróleo. O boliviano Daniel Colque, que viveu cinco anos ilegalmente no Brasil e agora espera a documentação que vai torná-lo um imigrante legal, representa o outro lado da mão de obra estrangeira no país, a barata e não especializada. A maioria desse segundo grupo de trabalhadores, porém, ainda está fora das estatísticas do Ministério do Trabalho.
Titular da Coordenação Geral de Imigração, Paulo Sérgio de Almeida explica que a maior parte das autorizações para trabalho no país é emitida em caráter temporário, por dois anos, com direito a renovação. O objetivo é que o imigrante transfira conhecimento ao trabalhador local e retorne a seu país de origem.
País atrai trabalhador estrangeiro qualificado
Mais de 90% dos profissionais que conseguiram visto nos últimos cinco anos têm alta especialização
Mais de 90% dos quase 180 mil estrangeiros que receberam, ao longo dos últimos cinco anos, algum tipo de visto de trabalho para atuar em terras brasileiras têm diploma universitário, ensino médio completo ou algum grau de especialização técnica, destaca o relatório "Trabalhadores Estrangeiros e Qualificação Profissional", publicado pela Coordenação Geral de Imigração (CGI) do Ministério do Trabalho.
"É imprescindível que a mão de obra nacional esteja preparada para competir com os estrangeiros", alerta o texto.
O dado revela não só a escassez de pessoal especializado para atender à forte demanda atual do mercado de trabalho nas áreas de indústria, infraestrutura, energia, petróleo e gás, infraestrutura e energia. A importação de trabalhadores estrangeiros também demonstra que a educação no país apresenta dificuldades para acompanhar as necessidades de desenvolvimento do país, como argumenta André Portella, professor de economia do trabalho da Fundação Getulio Vargas (FGV).
"Essa demanda por trabalhadores mais bem qualificados é uma tendência, e como o nosso sistema educacional não reage na velocidade exigida pelo mercado, obviamente as empresas vão querer satisfazer suas demandas importando mão de obra", opina o acadêmico.
Titular da CGI, Paulo Sérgio de Almeida explica que o forte aumento do número de vistos concedidos a cidadãos de outros países - em um ritmo de 17% ao ano - está associado à necessidade de "mão de obra bastante específica", à importação de equipamentos e máquinas modernas e também à chegada de novas empresas de capital estrangeiro ao Brasil.
"Isso demanda a vinda de profissionais especializados para a supervisão da transferência de tecnologia e montagem e execução das etapas mais sensíveis da implantação desses equipamentos", diz.
Almeida acrescenta que a maior parte das autorizações é emitida em caráter temporário, por um prazo de até dois anos com direito à renovação. De 2005 até 31 de março deste ano, foram concedidos 164,9 mil vistos de trabalho provisórios e 12,5 mil definitivos. O objetivo dessa diferenciação é estimular a transferência de conhecimento entre imigrante e trabalhador local.
"O setor de petróleo e gás, por exemplo, implica a vinda do exterior de equipamentos sofisticados, como navios-sonda para coleta de dados geofísicos e unidades de perfuração. Esses barcos ingressam no Brasil com estrangeiros a bordo e gradualmente vão incorporando profissionais brasileiros às tripulações", relata Almeida, explicando que essas autorizações de trabalho são concedidas com base em resoluções normativas do Conselho Nacional de Imigração (CNIg).
"As decisões são tomadas por consenso entre os três blocos que compõem o conselho: o governo federal, que participa com nove ministérios, as cinco centrais sindicais mais representativas do país e confederações de entidades empresariais."
De acordo com o Ministério do Trabalho, no primeiro trimestre deste ano, dos 11.530 vistos de trabalho concedidos a estrangeiros, 45% foram para profissionais "embarcados" do setor petrolífero, aqueles que trabalham a bordo de navios ou plataformas e desempenham variadas funções: marinheiro de convés, técnico e engenheiro mecânico de embarcações, técnico de perfuração, oficial de navegação, agente de manobra e docagem, ajustador naval, entre outros.
Juan Quirós, presidente do grupo Advento e vice-presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e das Indústrias de Base (Abdib), conta que um soldador de navios com nível técnico tem salário inicial de R$ 12 mil. "Quantos cursos de engenharia naval ou mesmo de técnico em solda para navios você conhece?", pergunta Quirós.
Segundo ele, além da transferência de conhecimento profissional pelos trabalhadores estrangeiros, é urgente fazer um mapeamento, por setor, das necessidades de mão de obra e criar cursos técnicos para evitar um "apagão de mão de obra". "É o caminho mais rápido, o Brasil tem que verificar onde está a concentração dessa importação de trabalhadores e preparar cursos técnicos de dois anos para jogar o cara no mercado, torná-lo experiente e capaz", completa.
Com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Petrobras, o governo federal oferece, desde 2003, cursos de nível básico, médio, técnico e superior a cerca de 80 mil trabalhadores de 185 categorias e planeja qualificar outros 207 mil até 2013. As ações fazem parte do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp).
Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que 81% dos profissionais qualificados pelo Prominp estão no mercado de trabalho formal, com carteira assinada.
Empresa alemã trouxe 600 chineses para obra de usina
O caso dos 600 chineses que foram trabalhar nas obras da coqueria do complexo siderúrgico controlado pelo grupo alemão ThyssenKrupp, em Santa Cruz, no Rio, é um dos que chamaram mais a atenção quanto à participação de mão de obra estrangeira no país. Atualmente existem apenas 150 técnicos chineses da Citic, uma gigante multinacional da China construtora de coquerias, no local.
O contrato original entre o grupo alemão e a Citic, para edificação da Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), foi assinado em novembro de 2006 e continha cláusula de sigilo por envolver tecnologia própria. O documento envolvia compra de equipamentos, no valor de US$ 425 milhões à época, além de ter a originalidade de prever importação de mão de obra para trabalhar na instalação das três baterias de coque da usina.
O plano inicial era trazer para o Brasil 2 mil chineses para morar e trabalhar em Santa Cruz. Depois de intensas negociações com autoridades brasileiras, esse número foi reduzido para 600, a maioria engenheiros, que começaram a chegar ao Brasil no início de 2007.
A vinda desses trabalhadores que só falavam mandarim foi alvo de protestos do Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura (Crea) carioca. A siderúrgica teve que apresentar ao Conselho Nacional de Imigração uma comprovação de que não conseguiu mão de obra especializada no país para executar o serviço. Segundo Agostinho Guerreiro, presidente do Crea, a preocupação da entidade foi preservar a mão de obra local.
O cronograma da CSA previa a conclusão da unidade de coque em novembro de 2008, mas as obras atrasaram. Em meados do ano passado, circularam rumores da existência de problemas de qualidade na construção da coqueria. Estariam surgindo rachaduras nas paredes de tijolos refratários vindos da China. Os chineses argumentaram que os atrasos decorreram da insuficiência de pessoal próprio para fazer o serviço.
Para solucionar essas dificuldades, a CSA contratou, no fim do ano passado, outra empresa, a UTC, para dar suporte aos chineses, cujo número foi reduzido para 200 técnicos. Agora, eles são apenas 150.
(aspas)
Por : Luciano Máximo, Francisco Góes e Vera Saavedra Durão, de São Paulo e do Rio, para o Jornal “Valor Econômico”, 19/07/2010
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