quinta-feira, 15 de julho de 2010

Nova regra dificulta ainda mais importação científica

CNPq quer que universidades cuidem do processo, mas falta estrutura

 

Cientistas dizem que eles mesmos terão de cuidar da burocracia, que inclui até pagar despachante aduaneiro

 

O programa de importação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), chamado Importa Fácil, está dificultando a vida de quem precisa de material de fora do país para fazer pesquisa, argumentam cientistas.

O programa existe desde 2004, mas agora o CNPq começou a transferir às universidades e institutos de pesquisa a responsabilidade pelo processo de importação.

O problema é que as universidades não têm estrutura para fazer isso. Resultado: a burocracia acaba nas costas do próprio cientista, que precisa cuidar até do pagamento do despachante aduaneiro - cuja conta pode representar até um terço do valor do material importado.

"Pode-se ter atrasos de seis meses na pesquisa. Nos EUA e Europa, o suprimento de novos insumos leva um ou dois dias", afirma Jorge Kalil, imunologista da USP.

Kalil teve recentemente um pedido de importação devolvido pelo CNPq. A instituição afirmou que não fará mais importações. "Quem as fará? Eu?" -questiona.

A diretora de administração e financiamento do CNPq, Nívia Wanzeller, explica que a ideia do CNPq é que o processo de compra de material importado seja feito pela universidade ou instituição do cientista.

 

TREINAMENTO

"Se for preciso, o CNPq oferece treinamento técnico sobre o processo para universidades e instituições de pesquisa", afirma Wanzeller.

O CNPq é a principal instituição nacional que cuida dos trâmites de importação de material de pesquisa. Além dele, as fundações de amparo à pesquisa dos Estados também podem ajudar.

A Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) tem uma equipe que cuida dos processos de importação previstos nos auxílios à pesquisa.

"Nos Estados sem essa estrutura, não imagino como se faz pesquisa", diz a geneticista Mayana Zatz, diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP.

As dificuldades aumentam no caso de animais vivos (como ratos para experimentos), material biológico (como DNA) e de material que precisa de refrigeração.

"Chegamos a devolver material genético que recebemos como doação no final do ano passado, tamanha foi a burocracia para entrada no país", lembra Zatz.

Conforme o valor do produto importado cresce, os obstáculos também se tornam maiores, e a espera pode chegar a seis meses.

Os reflexos dos entraves na importação são piores na área da saúde. De acordo com Zatz, para que as pesquisas não sejam interrompidas, muito material é importado com antecedência, o que atrapalha o armazenamento.

"São meses para conseguir trazer material para pesquisa. Quando chega, não sabemos se está em boas condições", reclama ela.

 

AGÊNCIA PRÓPRIA

Zatz e Kalil estão liderando um grupo de cientistas que quer propor mudanças nas condições de importação. A ideia é tratar dos entraves, das regras da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e da criação de estrutura nas universidades para coordenar os pedidos.

"Cada instituição deveria ter algo como as atuais agências de inovação das universidades estaduais paulistas, para cuidar da captação e administração dos recursos para importação", analisa Zatz. "É o que existe em todas as universidades americanas."

(aspas)

Por : Sabine Righetti, para o Jornal “Folha de São Paulo”, 03/07/2010

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