Peso de bens industrializados cai de 74% para 54% em dez anos; ferro e soja representam 25% das vendas externas
Concentração crescente de exportação brasileira em alguns poucos produtos primários preocupa analistas
A voraz demanda chinesa por commodities foi a principal causa de uma transformação radical no perfil do comércio exterior brasileiro. O peso das matérias-primas nas exportações totais do país praticamente dobrou ao longo da última década, saltando de 22,8% no primeiro semestre de 2000 para o recorde de 43,4% (o equivalente a US$ 38,7 bilhões) no mesmo período deste ano.
A contrapartida dessa tendência é que a participação dos bens industrializados (semimanufaturados e manufaturados) caiu de 74,4% para 54,4% do total, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior levantados pela Folha.
É quase consenso hoje que o apetite chinês por commodities agrícolas e metálicas veio como um bilhete premiado para o país. Contribuiu para o acúmulo de significativas reservas internacionais que hoje somam US$ 255 bilhões e ajudou a sustentar o bom desempenho da economia em anos recentes.
"O Brasil tem o privilégio de produzir o que a parte mais dinâmica do mundo, a Ásia, quer comprar", diz Octavio de Barros, diretor de estudos e pesquisas econômicas do Bradesco. Mas, dada a concentração crescente das exportações e a perda de competitividade externa da indústria nacional, há um risco de que o bilhete premiado do passado recente se transforme em ônus.
"A pauta de exportação brasileira ainda é bastante diversificada, o que é muito positivo. Mas tem havido uma concentração crescente em poucos produtos primários", diz Júlio Gomes de Almeida, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial. Dados do ministério corroboram o que diz Almeida.
O peso do minério de ferro na pauta de exportações bateu recorde em junho: 13,6% do total e mais do que o dobro do registrado em 2000.
Juntos, minério de ferro e soja representaram mais do que 25% das exportações totais em junho, ante cerca de 10% no início de 2000.
CONCENTRAÇÃO
O processo de concentração das exportações se acentuou desde 2008. A demanda por produtos industrializados caiu, já que os tradicionais compradores dos mesmos -os países desenvolvidos- foram fortemente afetados pela crise global. Já alguns emergentes asiáticos, liderados pela China, cresceram de forma relativamente robusta mesmo durante a crise e, desde então, se recuperaram fortemente.
Segundo Ruben Damião, sócio da Galeão Serviços de Investimentos, a China quadruplicou o volume importado de soja em menos de dez anos para atender à demanda crescente de sua população por alimentos. No mesmo período, diz Damião, o país asiático multiplicou por dez sua importação de minério de ferro para viabilizar seus níveis altíssimos de investimentos em estrutura e maquinário pesado.
"Isso beneficiou o Brasil porque era o produtor com mais capacidade de atender essa demanda explosiva."
Economistas afirmam que é preciso mudar
Especialistas discordam sobre o tempo que levará para a demanda chinesa por commodities brasileiras cair significativamente. Alguns falam de um futuro próximo, outros, em mais uma década.
Mas é consenso que esse dia chegará e que a intensidade do efeito negativo disso sobre o Brasil vai depender em grande parte de reformas e medidas para melhorar a competitividade da indústria.
O peso dos produtos manufaturados (produtos industrializados de maior tecnologia e valor agregado) nas exportações brasileiras despencou nos últimos anos: de 59% no primeiro semestre de 2000 para 40,5% no mesmo período deste ano.
Na China e em asiáticos como o Japão, os manufaturados representam cerca de 90% das exportações, e, nos EUA e na União Europeia, eles rondam 75%.
Economistas dizem que a tendência em si não é alarmante porque a demanda doméstica aquecida está compensando a quedas nas exportações.
"Deveríamos aproveitar o bom momento para melhorar a produtividade da nossa indústria", diz Fernando Sarti, da Unicamp.
O risco é que a indústria não tenha ganhos significativos de produtividade e se torne pouco competitiva, levando a aumento cada vez maior das importações de manufaturados.
REFORMA
É longa a lista dos fatores que hoje prejudicam o setor manufatureiro: câmbio apreciado, alta carga tributária, excesso de burocracia, custo elevado do crédito e deficiências de infraestrutura.
E economistas enfatizam a necessidade de reformas para atacar esses problemas. O economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, ressalta que não ocorreram reformas significativas no Brasil nos últimos seis anos.
Ele e outros especialistas chamam a atenção para o fato de que a maior parte das reformas consideradas necessárias tampouco figura como ponto central do debate eleitoral.
Queda no preço do ferro pode afetar contas externas do Brasil
A conjuntura econômica mundial pós-crise de 2008 tem sido fundamental para o desempenho relativamente positivo da balança comercial brasileira.
Mas economistas afirmam que esses ventos podem mudar, levando a uma forte deterioração das contas externas do país.
Cálculos feitos pelo Itaú Unibanco mostram que, desde o primeiro trimestre de 2009, a média dos preços dos produtos exportados pelo Brasil aumentou 20%.
Durante o mesmo período, os preços da pauta importadora subiram apenas 2%.
Isso compensou o fato de o volume de importações ter dado um salto de 50%, ante aumento de 20% das quantidades exportadas (as contas do banco levam em consideração variações sazonais).
"Há um descompasso entre o crescimento de países desenvolvidos e emergentes. Com isso, a demanda por manufaturados caiu, e a por primários seguiu forte", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do Itaú Unibanco.
A grande pergunta é: até quando o Brasil vai continuar se beneficiando da robusta demanda chinesa por suas commodities?
Ruben Damião, sócio da Galeão Serviços de Investimentos, acredita, por exemplo, que os preços do minério de ferro possam sofrer queda significativa nos próximos dois anos, à medida que maturarem importantes investimentos chineses em curso.
Isso teria efeito negativo sobre as contas externas do país porque a atual fase de crescimento brasileira, sustentada por consumo doméstico e investimentos, manterá em alta a demanda por produtos importados.
As projeções do deficit em conta-corrente (que contabiliza o balanço das transações do país com o exterior) para 2010 oscilam em torno de 2,5% do PIB (Produto Interno Bruto), aumentando para cerca de 3% em 2011.
Segundo economistas, se esse número se aproximar de 4% do PIB, o país poderá encontrar maior dificuldade para financiar o deficit, o que forçaria um ritmo de crescimento econômico menor.
(aspas)
Por : Érica Fraga, de São Paulo, para o Jornal “Folha de São Paulo”, 11/07/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário