terça-feira, 3 de março de 2009

FUNDAP E O FISCO PAULISTA - Aquisição, por contribuinte paulista, de mercadoria importada por contribuinte de outro Estado e por este remetida do local de desembarque e/ou desembaraço diretamente para o estabelecimento do destinatário paulista

Fonte: Livro “Guia do ICMS no Comércio Exterior”, do brilhante Dr. Valim de Camargo.

Resposta à Consulta nº 1.152/91, de 20 de novembro de 1991

2 Sobre o assunto ver Respostas às Consultas nºs 864/97 e 865/97.
3Sobre o assunto "local da operação",.ver Resposta à Consulta nº 277/98: "Importador paulista que desembaraça mercadoria neste Estado sem promover o ingresso fisico no seu estabelecimento Revenda para contribuinte de outro Estado: definição do sujeito ativo da operação de importação e da revenda.

01. Expõe a consulente que, no âmbito de suas atividades, procede habitualmente a importação de matérias-primas de outros países, face a inexistência de similares no mercado interno. Tratando-se de produtos sujeitos ao ICMS, a consulente efetua o recolhimento do referido tributo em favor do erário do Estado de São Paulo, "sendo irrelevante, inclusive, o porto e aeroporto de descarga das mercadorias importadas."

E aduz, ainda:

"4. Ocorre, todavia, que é pretensão da Consulente, fazer suas importações, através de empresas sediadas no Estado do Espírito Santo, agregadas ao FUNDAP, onde constaria a Consulente na Guia de Importação como IMPORTADORA e a empresa Capixaba constaria na qualidade de CONSIGNATÁRIA.

5. Assim, far-se-ia a importação através do Estado Capixaba, para onde inclusive recolher-se-ia o ICMS, não obstante proceder-se o desembaraço aduaneiro em porto ou aeroporto Paulista e as mercadorias transitarem acobertadas por nota fiscal de emissão da empresa CONSIGNATÁRIA no Estado do Espírito Santo.

6. Porém, protocolo firmado em 05 de junho: de 1985, o qual questiona-se sua validade e eficácia, entre os Secretários de Estado das Fazenda do Estado do Espírito Santo e de São Paulo, preceitua em sua Cláusula Primeira: "O Governo do Estado do Espírito Santo se absterá de cobrar o Imposto de Circulação de Mercadorias relativo às operações de importação que, independentemente de qualquer motivo forem realizadas por empresas estabelecidas no Espírito Santo, mas introduzidas no País através do porto ou aeroporto localizado no Estado de São Paulo e entregues a empresas paulistas sem que haja ocorrido, antes, a entrada efetiva e real das mercadorias no estabelecimento importador localizado no Espírito Santo."

7. Verifica-se contudo que o protocolo, mesmo que juridicamente encontre-se válido e eficaz, não há que produzir efeitos perante contribuintes, pois apenas obriga ao Estado Capixaba à abstenção da cobrança do ICMS em importações por empresas locais de produtos destinados a empresas Paulistas, sem que aludidos produtos tenham efetivamente circulado por aquele estado.

9. Em resumo, questiona a Consulente se à luz da douta e elevada hermenêutica dessa respeitável consultoria tributária é lícita e legal a operação proposta, ou seja, a importação pela Consulente de matérias primas, através de consignatária sediada no Espírito Santo, desembaraçando-se as mercadorias em portos ou aeroportos Paulistas, sem circulação real e efetiva por território do Espírito Santo, acobertando a operação com nota fiscal de emissão da CONSIGNATÁRIA e recolhendo-se o imposto para o Estado do Espírito Santo." (os grifos são nossos). Analisando os fatos apresentados pela consulente impõe-se, preliminarmente, definir a posição, do ponto de vista tributário, da empresa estabelecida no Espírito Santo, a qual assumiria o papel de consignatária na operação descrita pela consulente. A inclusão da figura do consignatário na Guia de Importação - que é o documento representativo da mera permissão dada pelas autoridades competentes para o ingresso no País de determinado produto - é resultante do permissivo dado pelo DECEX (antiga CACEX) especificamente a empresas integrantes do sistema FUNDAP.

02.1. O FUNDAP - Fundo para o Desenvolvimento das Atividades Portuárias, criado pela Lei n° 2.508, de 22 de maio de 1970, no Estado do Espírito Santo, destinou-se desenvolver as atividades do Porto de Vitória, propiciando benefícios fiscais ou financeiros a contribuintes importadores estabelecidos naquele Estado. O propósito de tais benefícios é gerar a redução, parcelamento, postergação de pagamento, ou, de qualquer maneira, a redução da carga tributária do imposto estadual incidente nas importações realizadas pelas empresas capixabas integrantes do FUNDAP. Tais medidas destoam daquelas preconizadas pela Lei Complementar n° 24, de 7/1/75, que disciplina a concessão de benefícios fiscais pelos Estados mediante convênio. Com efeito, ao revender, no mercado interno, a mercadoria estrangeira, o importador capixaba repassa para o adquirente os referidos benefícios, resultando em real prejuízo para o Fisco da unidade da Federação onde se acha estabelecido o adquirente ou destinatário da mercadoria. Ao longo dos anos as importações deixaram, inclusive, de ser desembaraçadas no Porto de Vitória, mas os favores fiscais e financeiros persistem no tempo, beneficiando importadores capixabas os quais figuram originalmente, na Guia de importação, como consignatários, para, posteriormente, quando do desembaraço, assumirem a posição de importadores, como forma de viabilizar o gozo daqueles benefícios.

02.2. Ocorre que a circunstancia de a empresa capixaba figurar na Guia de Importação como consignatária é totalmente irrelevante do ponto de vista tributário, haja vista que, numa operação de importação, o documento que identifica o importador, sujeito passivo das obrigações tributárias do âmbito federal e estadual é a Declaração de Importação, registrada quando do despacho aduaneiro. E, nesses casos, é a pessoa do consignatário que consta daquele documento como sendo, para todos os efeitos, o importador. A figura que, antes, na Guia de Importação, se apresentava como importador, no caso a consulente, sequer é mencionada na Declaração de Importação. Aliás, é entendimento antigo desta Consultoria Tributária que "a figura do importador há que ser identificada na operação, à vista da documentação que a preside.

" 02.3. Essa posição é corroborada, na órbita federal, pelas conclusões do Parecer CST/DAA n° 3057, de 24.10.80 da Secretaria da Receita Federal que, nos principais tópicos, diz:

"Sem embargo de que, nos aspectos comerciais, o interveniente, como consignatário, na operação de importação de mercadorias assuma importância, tal figura deve ser obliterada no despacho aduaneiro respectivo, visto que a lei considera importador "qualquer pessoa que promova a entrada de mercadoria estrangeira no território nacional" (Art. 31, I do Decreto Lei n° 37/1966);

Tem-se, como corolário, que, no plano dos tributos aduaneiros, é totalmente irrelevante o consignatário. Indo além, diríamos que mesmo no plano cambial; uma operação de importação - a título definitivo é supérfluo considerar-se o consignatário, vez que a CACEX define como importador a "entidade ou pessoa que adquire a mercadoria no exterior." Pelo exposto, conclui-se, desde logo, que é incorreto enfocar-se a operação descrita na consulta, como sendo uma importação de matérias-primas efetuada pela Consulente. Ante a informação de que a aquisição do produto importado dar-se-á "através de empresas sediadas no Espírito Santo", o objeto da presente resposta versará sobre o tratamento tributário aplicável à operações distintas, decorrentes da importação e aquisição, no mercado interno, de mercadoria importada por contribuinte do Estado do Espírito Santo e por ele remetida, do local de desembarque e/ou desembaraço, diretamente para o estabelecimento de destinatário paulista.

03. A presente manifestação objetiva equacionar o problema suscitado na consulta buscando extrair, da legislação aplicável à matéria, qual a unidade da Federação com competência para exigir o ICMS incidente na operação. Trata-se de assunto a respeito do qual esta Consultoria Tributária firmou posição já ao tempo do ICM, anos antes do advento do ICMS, entendimento esse seguidamente reiterado, em respostas a consultas, entre as quais destacamos a de n° 52/88 (publicada no Boletim Tributário n° 434, página 15).

03.1. Referido entendimento harmonizava-se com a posição então firmada pelo Poder Judiciário deste Estado sobre a matéria. Com efeito, à míngua de disposição expressa sobre o assunto na Constituição Federal então vigente e na legislação do ICM, entendeu o Judiciário que deveria prevalecer o local da situação da mercadoria no momento da transmissão da propriedade, para o fim de determinar-se o sujeito ativo da relação tributária em tais casos. E, na supra citada resposta à consulta n° 52/88 destacou-se decisão a que, anos antes, chegou o Egrégio Tribunal de Alçada Civil deste Estado (apelação N° 240.990), quando houveram por bem os Eméritos Julgadores negar agasalho à pretensão do fisco paulista de cobrar o ICM de contribuinte deste Estado que efetuara a transmissão da propriedade de mercadoria que adquirira no território do Estado do Paraná e que nunca saíra fisicamente daquele Estado. Da referida decisão extraímos o seguinte texto:

Ora, o ICM como imposto estadual sobre circulação de mercadorias, cabe a cada Estado, sobre a circulação ocorrida dentro de cada respectivo território. Esta é uma regra preambular da competência do poder tributário de cada Estado. Na espécie dos autos...."omissis".... nunca a mercadoria, em nenhuma vez entrou ou saiu do Estado de São Paulo. Vale dizer nunca circulou dentro do território paulista. Essa mercadoria, portanto, jamais poderia ser alcançada pela competência tributária do Estado de São Paulo....." Posteriormente, o Terceiro Grupo de Câmaras do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo manteve a supra citada decisão em Embargos Infringentes, assim se manifestando:

"imposto sobre circulação de mercadorias incide no local onde a mercadoria circula. No caso em foco, ela circulou no Estado do Paraná e nessas consições não cabe ao Estado de São Paulo exigir esse tributo. É exato que a Nota Fiscal da operação foi emitida em Campinas, neste Estado; mas não se cuida de imposto sobre contratos, mas sim, de circulação de mercadorias." Consoante referida orientação, esta Consultoria entendia que o desembaraço de mercadoria estrangeira em porto, aeroporto ou repartição aduaneira localizados no Estado de S. Paulo e subseqüente alienação desta, partindo daqueles locais diretamente para um estabelecimento de contribuinte paulista, resultava na obrigação imposta ao importador de outro Estado, de recolher, aos cofres do fisco paulista, o ICM devido nas operações de importação e na posterior alienação, eis que ambas ocorreram neste Estado.

03.2. Observe-se que a referida diretriz é, "mutatis mutandis", similar àquela da redação da Cláusula Primeira do Protocolo de 5.6.85, firmado pelos Senhores Secretários de Fazenda dos Estados de São Paulo e do Espírito Santo, parcialmente reproduzido na Consulta. A propósito do mesmo, na medida em que, o posicionamento desta Consultoria Tributária relativamente ao problema antecede cronologicamente a postura firmada na Cláusula Primeira atrás citada, uma vez que, resulta do cumprimento, pelo Fisco Paulista, de decisão dos nossos tribunais e que, atualmente, o enfoque da questão encontra-se, como se verá, firmemente embasado em dispositivos constitucionais vigentes, torna-se despiciendo estender-se sobre a discutível validade do indigitado Protocolo.

03.3. Por outro lado, no que se refere à sistemática do ICMS incidente nas operações de importação, realizadas nas circunstancias acima descritas, a Constituição Federal de 1988 acrescentou-lhe contornos mais amplos e, também, mais definidos. De um lado, porque o tratamento dado a tais operações pelo legislador constituinte alcança, inclusive, as importações desembaraçadas fora da unidade da Federação onde se acha estabelecido o importador e, de outro lado, porque permite apontar o sujeito ativo da obrigação tributária, definindo a unidade da Federação com competência para cobrar o imposto incidente na importação cuja mercadoria seja remetida do local de desembarque e/ou desembaraço diretamente para o estabelecimento destinatário, que pode não ser o do importador. Assim é que a Constituição Federal vigente estabelece, na alínea "a" do inciso IX do § 2° do artigo 155, o seguinte:
    "IX - incidirá também:
        a) sobre a entrada de mercadoria importada do exterior, ainda quando se tratar de bem destinado a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, assim como sobre serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do serviço." (grifamos)

Assim fazendo, procurou o legislador constituinte pôr em destaque o aspecto finalístico da operação de circulação de mercadoria importada. E, nestas condições, a definição do sujeito ativo da obrigação passou a depender da configuração do local onde a referida circulação é concluída, ou seja, o local do estabelecimento ao qual a mercadoria real e fisicamente se destina após o seu desembaraço pelas autoridades aduaneiras.

03.4. E, com base no autorizado pelo artigo 34, § 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, os Secretários de Fazenda e de Finanças das Unidades da Federação, por meio do Convênio ICM 66/88, aprovaram normas "destinadas a regular provisoriamente a instituição do ICMS", de sorte que, no artigo 27, inciso I, alínea "d" daquele Convênio, assimilou-se a regra constitucional destinada a definir a competência tributária para exigir o ICMS incidente nas importações.
Idêntica diretriz foi inscrita no Estado de São Paulo pela Lei n° 6.374, de 19 de março de 1989, cujo artigo 23, inciso I, alínea "d" estabelece "verbis":

"Artigo 23 - O local da operação ou da prestação, para os efeitos de cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:

     I - tratando-se de mercadoria:
         d) o do estabelecimento destinatário ou, na falta deste, do domicílio do adquirente, quando importada do exterior, ainda que se trate de bem destinado a consumo ou a ativo fixo do estabelecimento."(grifamos).

4. Vale dizer, portanto, que, na operação descrita pela consulente, não ocorre a entrada física da mercadoria importada no estabelecimento do importador, porque, em seguida ao recebimento da mesma, após seu desembaraço, inicia-se, por conta e ordem do importador, o seu deslocamento em direção ao estabelecimento destinatário, o adquirente paulista, no caso, a consulente. E, nesse deslocamento, a mercadoria recém nacionalizada é remetida do porto, aeroporto ou local de desembaraço situados em qualquer ponto do território nacional diretamente para o estabelecimento destinatário.

5. Desta forma, não é desarrazoado dizer que se afigura irrelevante a circunstância de a mercadoria nacionalizada haver dado entrada simbolicamente no estabelecimento do importador, localizado fora do Espírito Santo.
De fato, nos termos do mandamento constitucional (artigo 155, IX, "a", já citado) esse aspecto da operação de importação se torna secundário para determinação do sujeito ativo da obrigação tributária, nos casos em que a mercadoria circule exclusivamente do local de desembarque e/ou desembaraço para o estabelecimento que não o do importador, ainda que destinatário e importador estejam localizados em distintas unidades da federação.
Nestas condições, é devido ao Estado de São Paulo o ICMS incidente nas importações promovidas por contribuintes de outros Estados, cuja mercadoria nacionalizada seja remetida diretamente ao adquirente paulista, a partir do local de seu desembarque e/ou desembaraço localizado em qualquer ponto do território nacional, inclusive, como é óbvio, no Estado de São Paulo, como é o caso da hipótese examinada na presente Consulta. Para tanto caberá ao importador capixaba recolher aos cofres paulistas o imposto devido, lançando mão da Guia Nacional de Recolhimento de Tributos Estaduais - GNR.

06. No ensejo, seria oportuno ressaltar, também, as conseqüências de eventual caracterização de simulação da importação e da posterior operação interestadual, quando então afigura-se diverso o tratamento fiscal aplicável.
Com efeito, uma vez comprovadamente constatado que a operação de importação promovida por contribuinte de outro Estado foi, na realidade, custeada pelo destinatário paulista, obviamente estaria caracterizado o conluio entre ambos, com o objetivo de não recolher o tributo devido, na realidade, ao Fisco do Estado de São Paulo: nada importando o local de desembarque e/ou desembaraço.
Nesta hipótese, o contribuinte não-paulista somente emprestaria seu nome na operação de importação caracterizando-se como consignatário (ou mesmo importador) na Guia de Importação, em decorrência de avença anteriormente aprazada entre o adquirente final paulista e o exportador no exterior.
Tal prática nasceu com o citado objetivo de não gerar tributo para São Paulo na operação de importação, eis que os documentos da operação (Declaração de Importação, Contrato de Cambio, Conhecimento de Transporte) também seriam emitidos em nome do "importador" não paulista. Mas, a empresa paulista reembolsaria sistematicamente todos os valores encaminhados ao exterior ou destinados aos pagamentos internos do frete, seguros, despesas aduaneiras e portuárias, despachante aduaneiro, etc, configurando, evidentemente, uma simulação da importação de uma posterior operação interestadual que teria o condão de eximir o destinatário ou adquirente paulista do pagamento do tributo devido na importação, o qual lhe será exigido pelo Fisco do Estado de São Paulo, sem prejuízo das cominações penais cabíveis.

07. Estas as repercussões que, ao ver desta Consultoria Tributária, resultam das operações de aquisição, por contribuinte paulista, de mercadoria importada por contribuinte de outro Estado, dentre as quais se insere a cogitada pela consulente, relativamente a empresas estabelecidas no Estado do Espírito Santo.

Antonio Carlos Valim de Camargo - Consultor Tributário. De acordo: Mozart Andrade Miranda - ConsultorTriibutário-Chefe-ACT. Cássio Lopes da Silva Filho - Diretor da Consultoria Tributária

Nenhum comentário: