A extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária sempre foi polêmica no direito brasileiro.
De há muito, desde a Roma antiga, no século IV A.C., a relação jurídico-tributária envolve uma questão patrimonial: o tributo constitui uma prestação pecuniária, e o seu não pagamento é sancionando com uma penalidade de caráter pecuniário, cf. Lex Poetelia Papiria, de 326 a.C., que "estabeleceu que o inadimplemento passaria a ensejar não mais a execução pessoal, mas tão somente a execução patrimonial do devedor, com exceção do inadimplemento das dívidas provenientes de delitos, que permitia a execução da própria pessoa".AZEVEDO, A. V. Prisão civil por Dívida. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p. 18.
Assim, numa sociedade como a brasileira, em que vivemos numa república provinciana, na qual os recursos públicos são achincalhados com a corrupção, o pagamento de tributo nunca foi visto com bons olhos.
No momento que a relação tributária passou a transpor a questão pecuniária, passando a sancionar/penalizar o infrator não só em pecúnia, mas também em sua liberdade, vivenciamos uma total inversão dos valores jurídicos da relação tributária e o encetamento dos crimes fiscais.
A privação de liberdade pelo não adimplemento de obrigação tributária é de todo desnecessária. Tal debate demanda muitas reflexões e linhas.
O fato é que como o fim maior da obrigação tributária é a arrecadação, o recebimento de valores para o Estado ser Estado, a legislação disciplinadora dos crimes fiscais sempre previu a extinção da pena pelo pagamento da dívida tributária, a fim de ser ver afastada a reprimenda corporal (privativa de liberdade).
O primeiro novel que previu a extinção da punibilidade aos crimes fiscais foi a Lei n. 4.357/64, que, criando apropriação indébita por equiparação, previa a extinção da punibilidade se o pagamento do tributo fosse feito antes do início do processo fiscal.
Permissão esta verificada no Dec.-lei n. 157/67 (se houvesse o pagamento logo após o julgamento da autoridade administrativa de primeira instância), no Dec.-lei n. 326/67 (dispondo sobre a cobrança do IPI devido e que o não pagamento constituía apropriação indébita, cuja punibilidade seria extinta, se o pagamento fosse realizado antes da decisão em primeira instância). Posteriormente, o art. 5º, do Dec.-lei n. 1.060/69, determinou que as disposições da lei n. 4.357/64 e Dec.-lei n. 326/67, referentes à extinção da punibilidade pelo pagamento fossem aplicadas a quaisquer tributos, desde que ele se verificasse antes da decisão administrativa em 1ª instância.
Nesse passo surgiu, então, a atual lei que dos crimes contra a ordem tributária (8.137/90), que, em seu art. 14, previa expressamente a extinção da punibilidade pelo pagamento, de tributo ou contribuição social, desde que efetivado antes do recebimento da denúncia criminal.
Contudo, um ano após a promulgação da Lei n. 8.137/90, a Lei n. 8.383/91, em seu art. 98, revogou todas as disposições anteriores permissivas da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo, gerando acalorado debate sobre a revogação ou não da extinção da punibilidade, em razão de a Lei n. 8.383/91 não ter expressamente revogado o Dec.-lei n. 157/67.
Tal testilha remansou com a vinda da Lei n. 9.249/95, art. 34, que reavivou o pagamento do tributo ou contribuição social- que também é tributo- como causa extintiva da punibilidade, desde que verificado antes do recebimento da denúncia.
A doutrina e jurisprudência, de certa forma, pacificaram, pois antes do recebimento da denúncia, constatado o pagamento, declarar-se-ia a extinção da punibilidade.
Nesse paradigma firmou-se entendimento no STJ de que o parcelamento do débito tributário, antes do recebimento da denúncia, equivaleria à promoção de pagamento, ausente, assim, justa causa para a ação penal, reconhecida a extinção da punibilidade (STJ HC n. 9.909/PE, RHC n. 12.383/SP).
Essa posição do STJ criou novo debate aos crimes previdenciários (apropriação indébita, 168-A, e sonegação, art. 337-A, do Código Penal), em virtude de que eles não admitiam parcelamento pela administração. Ou seja, se não se admite o parcelamento, não há como ser reconhecida a extinção da punibilidade na forma preconizada pelos julgados do STJ, mas, tão-só, com o pagamento integral e antes do recebimento da denúncia.
Anotem-se o par. único, do art. 14, da Lei n. 10.522/02 e o art. 7º, da lei n. 10.666/03, proibitivos ao parcelamento de débitos relativos a contribuição ou tributos retidos na fonte ou descontados de terceiros.
Com a edição da Lei n. 10.684/03, art. 9º (PAES), § 2º, que passou a prever a extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo e contribuição a qualquer tempo, para aqueles que aderissem ao programa, o STF passou a entender que, na forma do art. 5º, XL, da CF, em atenção ao princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, qualquer contribuinte que fizesse o pagamento de tributo ou contribuição, a qualquer tempo, ainda que não aderente ao programa, teria reconhecida a extinção da punibilidade (HC n. 81929/RJ, HC n. 85452/SP).
O caput do supradito art. 9º também previu a suspensão da pretensão punitiva e prescrição penal enquanto o contribuinte estivesse honrando parcelamento administrativo, modificando, literalmente, o entendimento do STJ acima apontado Verificado o pagamento integral, declarar-se-ia a extinção da punibilidade, na forma do § 2º, do art. 9, da Lei n. 10.684/03.
Enfim, não raro vemos discussões inúteis no Judiciário, nas quais, mesmo verificado o pagamento integral nas hipóteses dos delitos do art. 168-A (apropriação previdênciária) e 337-A (sonegação previdênciária), do CP, busca-se apenação do infrator, ao argumento de que não cabe extinção da punibilidade pelo parcelamento ou pelo pagamento.
Mesmo assim, nossa Corte Suprema nunca foi muito afeta à condenação nos crimes contra a ordem tributária, se verificado o pagamento. E esse posicionamento demonstra, a despeito da resignação dos membros do Ministério Público, o total saber jurídico dos cultos Ministros, conhecedores da antiga, mas atual Lei Pappira.
Felippe Alexandre Ramos Breda
Pós-graduado em Processo Civil pela PUC/SP.
Pós-graduado em Processo Tributário pela PUC/SP.
Professor do Curso de Especialização em Processo Tributário da PUC/COGEAE.
Professor Convidado dos Cursos de Especialização da Escola Paulista de Direito.
Professor Convidado dos Cursos de Especialização da Escola Superior da Advocacia (OAB-SP).
Advogado e Consultor em São Paulo.
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