segunda-feira, 1 de junho de 2009

China toma mercado do Brasil na Argentina

Apesar de Argentina ser parceira do Brasil no Mercosul, indústria brasileira é a que mais perde mercado para chineses
No segmento de têxteis, a relação se inverteu: de uma vantagem de 40% em 2008 agora o Brasil vende 20% menos do que a China 
Enquanto o comércio entre Brasil e Argentina registra queda brusca desde o início da crise mundial, com retração de 39% no primeiro trimestre do ano, a China amplia sua participação no mercado vizinho em detrimento das vendas brasileiras.
O chamado desvio de comércio -incremento nas importações de fornecedores externos ao Mercosul- é uma das principais queixas do empresariado brasileiro em relação à Argentina, que desde o agravamento da crise mundial vem ampliando entraves a importações como forma de preservar a sua indústria nacional e os empregos.
Como resultado dessa política e da retração mundial, as vendas do Brasil e da China à Argentina sofreram queda no primeiro trimestre do ano -de 45,7% e 25,1%, respectivamente. Mas a China aumentou suas exportações à Argentina em 8 de 21 setores na comparação interanual, enquanto o Brasil o fez em apenas dois.
Os cálculos são da consultora argentina Abeceb.com, especializada no comércio Brasil-Argentina. Considerando os oito setores em que a China aumentou suas vendas à Argentina em 2009, o Brasil perdeu mercado em seis: papel, calçados, farmacêuticos, instrumentos fotográficos, óticos, médicos e musicais, brinquedos e acessórios de vestuário.
"Essa velocidade do crescimento das importações chinesas, que avançam desde 2004, fez a China ganhar mercados na Argentina, e o mais afetado foi o Brasil", diz Mauricio Claveri, analista da Abeceb.com.
Dos 13 setores em que China e Brasil registraram baixa nas vendas à Argentina, a queda brasileira foi superior em oito. No caso de têxteis e vestuário, por exemplo, o Brasil vendia 40% a mais do que a China no primeiro trimestre de 2008, relação que se reverteu neste ano, com a China vendendo cerca de 20% a mais que o Brasil.
"É preocupante, porque a Argentina faz parte do Mercosul", afirma o presidente da Abit (Associação Brasileira da Indústria Têxtil), Aguinaldo Diniz Filho. "É um problema que a diplomacia brasileira tem que resolver."
Entraves
O setor têxtil brasileiro tem 131 itens sujeitos a licenças não automáticas, pelas quais a Argentina administra o que entra no país. Válidas para todos os países, essas licenças atingem 14% das vendas brasileiras e são alvo de críticas por demora em sua liberação -pelas normas da OMC (Organização Mundial do Comércio), ela não pode superar 60 dias.
Ocorre que a Argentina também submete importações chinesas a entraves específicos, como preços mínimos e processos antidumping. "Com preços competitivos, a China continua a crescer, apesar das restrições", diz Claveri.
A manufatura brasileira de brinquedos também acusa a Argentina de utilizar barreiras informais para restringir a entrada desses itens no seu mercado. "Simplesmente jogam os pedidos de licença de importação na gaveta e esquecem. Não dão a menor explicação", diz Synésio Batista da Costa, presidente da Abrinq (Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedo).
Negociações setoriais
Diante da queda no intercâmbio comercial e acusações mútuas de protecionismo, os governos de Brasil e Argentina promovem há dois meses conversas entre setores privados visando a acordos de autorrestrição de comércio.
Um desses setores é o de calçados, no qual a fatia brasileira no mercado argentino caiu de 71% em 2005 para 45% neste ano. "Como sócios do Mercosul, observamos estupefatos as importações argentinas da Ásia alcançarem 2,6 milhões de pares em 2009, ante 2,2 milhões do Brasil", afirmou Milton Cardoso, da Abicalçados, que oferece 10% de redução nas vendas brasileiras -os argentinos pedem 20%.
O avanço chinês também é realidade no mercado brasileiro. Em abril de 2008, o país superou a Argentina como segundo parceiro comercial do Brasil. Em abril deste ano, ultrapassou os EUA e já é o principal parceiro comercial brasileiro -12,9% das exportações do Brasil são para a China.

(aspas)

Por : Thiago Guimarães e Denyse Godoy, Jornal “Folha de São Paulo”, edição de 29/05/2009

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