terça-feira, 16 de junho de 2009

Decisão – Agravo – Veículo rodado não considerado bem usado - O subfaturamento, por si só, não constitui hipótese de aplicação da pena de perdimento, mas infração administrativa

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2009.04.00.017765-1/PR

DECISÃO

Relatório. A empresa Wallidy Com. Imp. e Exp. Ltda. importou dois veículos novos Hummer H3, 5 cilindros, 2008, adquiridos com recursos próprios e pagamento antecipado às empresas exportadoras Onyx Trading e Prime Factoring Corp, ambas sediadas na Florida/EUA.

A importadora, devido à demora nos desembaraços no Porto de Santos/SP, onde costumava operar, contratou os serviços da empresa Delcas Imp. e Exp. de Veículos Ltda., para promover importação por sua conta e ordem e desembaraçar a mercadoria junto ao Porto de Paranaguá/PR.

Na mesma ocasião, a primeira impetrante informou à segunda que a empresa Prime Factoring tinha outros veículos da marca Hummer para venda, tendo a segunda adquirido e importado, em nome próprio, uma Hummer H3 Alpha, V8, 2009.

As negociações ocorreram individualmente, tendo as duas empresas realizado os pagamentos dos respectivos veículos, inclusive frete e documentação.

Após a aquisição, a Delcas optou por realizar os despachos de importação no Porto Seco de Curitiba, ante o retardo das operações realizadas no Porto de Paranaguá.

Quanto ao veículo de sua propriedade, foi registrada a declaração e deferido o trânsito aduaneiro, tendo o desembaraçado ocorrido em 12fev2009, na EADI-COLUMBIA, Curitiba/PR.

Quanto aos dois veículos importados por conta e ordem da empresa Wallidy, após o registro da DTA, a autoridade aduaneira intimou a empresa para comprovar o real adquirente e prestar esclarecimentos quando à modalidade da operação e autorização do exportador de "dealer".

Cumpridas as exigências, foi instaurado procedimento especial de controle aduaneiro, com a retenção dos dois veículos de propriedade da empresa Wallidy, ante a suspeita de falsificação das faturas comerciais e ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive interposição fraudulenta de terceiros.

Daí a impetração do mandado de segurança. As impetrantes afirmam a possibilidade de empresa - que não a concessionária - exportar veículos novos. Aduzem que, no entender da autoridade administrativa, a venda por exportadora diversa da concessionária autorizada implicaria ocultação do real vendedor, mediante simulação, e a consequente falsidade das faturas comerciais. Sustentam a nulidade do ato que instaurou o procedimento especial de fiscalização, por ausência de motivação.

Requereram medida liminar, a fim de trancar o procedimento especial de fiscalização, por ausência de justa causa, e a conclusão do desembaraço aduaneiro no prazo de cinco dias, após registro da declaração de importação e recolhimento dos tributos, ainda que mediante termo de fiel depositário irregular.

A autoridade impetrada prestou informações previamente à apreciação do pedido de liminar, afirmando haver suspeita de fraude no hodômetro de um dos veículos importados e de subfaturamento. Referiu que a primeira impetrante não é revendedora ostensiva de veículos, o que faz supor a ocultação do real adquirente.

A magistrada de origem indeferiu a medida liminar. Contra a decisão, foi interposto este agravo de instrumento.

As agravantes afirmam que a autoridade aduaneira, ao prestar as informações, alterou os motivos que embasaram a instauração de procedimento especial de fiscalização, o que implica a nulidade do ato. Aduzem que os documentos de importação referem que a milhagem atribuída aos veículo é aproximada. Afirmam que a primeira impetrante foi constituída recentemente, o que, somado aos óbices impostos pela fiscalização, justificam as poucas importações realizadas em 2008. Aduzem que o valor dos veículos se justifica porque foram adquiridos em meio à crise econômica, que impactou o setor automobilístico. Repisam os argumentos expostos na inicial do mandado de segurança. Sustentam o risco de ineficácia da medida, se concedida apenas ao final, já que as elevadas despesas de armazenagem e demurrage poderão tornar inviável a efetiva internalização das mercadorias.

Postulam a concessão de medida liminar, acrescentando pedido alternativo, para que seja desconsolidada a carga e liberado o veículo em relação ao qual não há suspeita de adulteração no hodômetro.

Fundamentação. Procedimento especial de controle aduaneiro. Justa causa. A análise dos documentos que instruíram a declaração de trânsito aduaneiro indicaram irregularidades na operação de importação, puníveis com a pena de perdimento (falsificação das faturas comerciais e ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive interposição fraudulenta de terceiros), o que ensejou a instauração de procedimento especial de controle aduaneiro e a retenção das mercadorias.

Durante o procedimento especial de fiscalização, caberá à autoridade aduaneira apurar fatos que possam levar à aplicação da pena de perdimento; até então, a ação fiscal se embasa apenas em suspeitas e indícios da sua ocorrência.

Pela própria natureza do procedimento, nada impede que em seu curso sejam constatadas irregularidades diversas daquelas que inicialmente deram ensejo à sua instauração. Neste caso, as mercadorias permanecerão retidas desde que ainda haja fundada suspeita de infração punível com a pena de perdimento.

Sob o aspecto formal, portanto, o procedimento especial de controle aduaneiro é regular. Resta examinar se há indícios suficientes de fraude a acarretar a retenção das mercadorias.

Ocultação do real exportador. A autoridade aduaneira afirma haver indícios de ocultação do real vendedor e de possível condição de usados dos veículos ao argumento de que a empresa exportadora não é a fabricante, tampouco concessionária autorizada.

Entretanto, a empresa exportadora não pode, em princípio, ser considerada consumidora final, para fins de desconsiderar os bens como novos. Admitindo-se esta hipótese, seria inviável a exportação de veículos cujas concessionárias não desenvolvessem este objeto social.

Consumidor final é, portanto, a primeira pessoa, diversa do adquirente na condição de revendedor, que compra um veículo automotor para outros fins que não a revenda (TRF 4, AI 2008.04.00.044972-5/PR, Rel. Des. Otávio Roberto Pamplona, decisão monocrática, D.E de 8/1/2009).

Ademais, os elementos coligidos nos autos indicam que os veículos são efetivamente novos, pois têm baixa milhagem e foram fabricados em 2008. Além disso, o contrato de câmbio foi fechado cinco dias após a transferência de propriedade para a exportadora, em 27ago2008, e os veículos foram embarcados em 18out2008 para o Brasil.

Ocutação do real adquirente. O fato de a empresa Wallidy Com. Imp. e Exp. Ltda. ter realizado cinco importações em 2008, isoladamente considerado, não impõe a presunção de que não é a real adquirente dos dois veículos importados.

De fato, a empresa iniciou as atividades recentemente (10set2007) e seu objeto social não se restringe à importação e comércio de veículos. Cabe à empresa, conforme planejamento próprio, definir o volume de operações de comércio exterior a serem realizadas.

Ademais, não há nenhum indicativo de que as importações sejam superiores à capacidade operacional e financeira da empresa, o que poderia fundamentar a suspeita de interposição fraudulenta de terceiro.

Subfaturamento. O subfaturamento, por si só, não constitui hipótese de aplicação da pena de perdimento, mas infração administrativa, cuja ocorrência sujeita o importador ao pagamento de multa.

Assim, a inserção na fatura comercial, de valor menor que o praticado no mercado não se subsume à hipótese de documento "falsificado ou adulterado", para fins de aplicação da pena de perdimento às mercadorias.

Desse modo, a autoridade administrativa deve apurar o valor da diferença dos tributos incidentes na operação, aplicar a multa correspondente e efetuar o lançamento complementar, se for o caso. Nesse sentido: TRF 4, AMS nº 2004.70.00.023232-0/PR, 2ª Turma, Rel. Des. Dirceu de Almeida Soares, DJU de 27/4/2005, p. 737; TRF 4, AMS nº 2005.70.00.003840-4/PR, 2ª Turma, Rel. Des. Antônio Albino Ramos de Oliveira, D.E. de 14/6/2007; TRF 4, AMS 2001.70.00.036547-1/PR, 1ª Turma, Rel. Des. Joel Ilan Paciornik, D.E. de 14/6/2007.

Adulteração do hodômetro. O exame dos autos revela haver divergência entre a milhagem consignada na documentação do veículo Hammer, cor branca (87 milhas), e a constatada na verificação física (84 milhas).

No entender da autoridade administrativa, essa circunstância indicaria ter havido adulteração no hodômetro a fim de ocultar a condição de "veículo usado", cuja importação é proibida, nos termos da Portaria DECEX 8/1991.

Não parece ser este o caso dos autos. A divergência na marcação do hodômetro poderia indicar que se trata de veículo usado desde que associada a outros elementos de percepção visual, tais como acúmulo de detritos, desgaste dos pneus, etc.

Não há, porém, qualquer alegação nesse sentido. Dada a diminuta variação, é provável que tenha ocorrido por imprecisão no preenchimento do certificado de propriedade do veículo.

Liberação dos veículos. Afastadas, em princípio, as hipótese de fraude, cabível a liberação dos veículos, mediante a prestação de garantia, a fim de evitar eventual prejuízo ao erário decorrente da conclusão do procedimento especial de fiscalização (art. 69 da IN SRF 206/2002).

Considerando a destinação comercial dos veículos importados e, por outro lado, a necessidade de acautelar, de imediato, os interesses da União, o desembaraço aduaneiro dos veículos fica condicionado à prestação de caução idônea, não limitada à fiança bancária ou depósito de dinheiro.

Deverão as agravantes providenciar o registro da declaração de importação e recolher os tributos incidentes na operação.

Decisão. Pelo exposto, defiro em parte o pedido, para determinar o prosseguimento imediato do despacho de importação e o desembaraço aduaneiro dos veículos no prazo de cinco dias, mediante caução a ser formalizada perante o juízo de origem.

Intime-se a agravada para resposta.

Publique-se. Comunique-se. Dispensadas as informações.

Porto Alegre, 27 de maio de 2009.

Juiz Federal MARCELO DE NARDI

Relator

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