quinta-feira, 4 de junho de 2009

Uma enxurrada de importados

 

Quando a crise internacional traz para Brasil e Argentina o fantasma da invasão de produtos importados (aqueles que os americanos não vão mais comprar), o primeiro país que vem à tona como ameaça é a China. No entanto, em médio prazo, os próprios Estados Unidos podem vir a se tornar uma pressão no campo comercial para todo Mercosul, quando começar a sair de sua crise. O alerta é do economista sênior do Instituto de Integração do Banco Interamericano de Desenvolvimento (Intal/BID), o brasileiro Uziel Nogueira.

Por enquanto, os EUA estão tentando pôr “ordem na casa”, depois da quebradeira de bancos e indústrias automobilísticas, disparada no ano passado e que pelo visto, com a agonia da General Motors, ainda não terminou. Uziel diz que, quando esse processo terminar, os americanos terão dois caminhos para estabilizar sua economia: 1) seguir com o mesmo modelo de financiamento dos déficits comerciais e fiscais por outros países (pouquíssimo provável); 2) aumentar as exportações.

Para o economista, os EUA terão poucas chances de recuperação dentro de seu mercado interno, porque os consumidores estão atolados em dívidas - US$ 14 trilhões para um Produto Interno Bruto de US$ 15 trilhões. E sequer poderiam fazer um programa estilo Minha Casa, do governo brasileiro, para estimular o setor da construção civil, já que a crise hipotecária deixou 20 milhões de imóveis devolvidos por falta de pagamento.

A saída para fazer caixa será exportar cada vez mais e, na verdade, as exportações americanas para a América Latina em geral, e o Mercosul em particular, já vinham crescendo fortemente, como se pode ver no gráfico abaixo, com dados disponíveis até 2007. De acordo com o relatório “CSR Report for Congress”, sobre tendências do comércio internacional, de J.F. Hornbeck e Marisabel Cid, da Divisão de Assuntos Estrangeiros, Defesa e Comércio do Congresso americano, a América Latina é a segunda região de maior expansão das exportações americanas - só fica atrás da África. No período 1996-2007, a corrente de comércio americana para a América Latina cresceu 137%, 110% para a Ásia, 114% para a União Europeia e 294% para a África. O crescimento para o mundo como um todo foi de 120%.

“Houve mudança de paradigma”, diz Nogueira. “Os americanos eram os consumidores de última instância de todo mundo, e dessa forma alimentaram a expansão econômica de todos os países asiáticos. Isso acabou.” A pressão americana pela abertura de mercados deve atingir, na visão do economista, setores industriais, como automóveis e máquinas. E vai se somar à pressão chinesa pela abertura de produtos de consumo, como têxteis e calçados.

O impacto de um esforço exportador americano sobre a América Latina será sentido de maneira distinta. Enquanto o Mercosul dispõe (mal ou bem) de um arcabouço de medidas para proteger seus mercados de concorrências desleais ou de movimentos que causem dano às economias internas, seguindo as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), outros países não terão muito o que fazer. É o caso do México, Chile e Peru, que têm tratados de livre comércio com os EUA que os impedem de usar os mecanismos da OMC contra as exportações americanas.

“Todos os países vão aumentar suas exportações, não só os EUA”, opina o argentino Felix Peña, especialista em relações econômicas internacionais. Para Peña, não há dúvida de que os EUA “vão fazer todo o necessário para aumentar suas exportações” assim que saírem da crise, mas isso é apenas um lado da história. O outro lado é que o comércio internacional estará menor e muito mais disputado. Peña acha que o Mercosul está preparado para enfrentar a pressão do comércio, mas não para uma ofensiva competitiva. Nesse âmbito, em que hoje cada país faz seus próprios avanços em separado, ele acha que eles teriam melhor resultado se somassem esforços para encontrar novos mercados, utilizando instituições de promoção, como a brasileira Apex e a argentina ExportAr, e as ferramentas de inteligência comercial existentes em cada um.

Dupla cobrança da TEC

Falta pouco para que o Mercosul anuncie o fim da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) em suas fronteiras. Segundo o embaixador Regis Arslanian, titular da delegação brasileira junto ao Mercosul e à Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), baseada em Montevidéu, a expectativa é que o projeto que termina com a dupla cobrança seja aprovado até a próxima reunião de cúpula do Mercosul, em Assunção, marcada para a primeira semana de julho.

“A parte mais trabalhosa está pronta”, disse Arslanian, referindo-se à infraestrutura tecnológica, que permitirá a identificação de um produto que já pagou tarifa de importação para entrar no bloco e liberá-lo para circular entre os outros países membros. O grande desafio agora é arbitrar uma fórmula para evitar que o Paraguai perca receitas aduaneiras com o novo sistema. Único país do bloco que não tem saída ao mar, o Paraguai, hoje, arrecada cerca de US$ 150 milhões com a TEC.

Janes Rocha é correspondente em Buenos Aires

FONTE: VALOR ECONÔMICO e www.Interface.eng.br

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