A forma simplificada de exportar até US$ 50 mil pelo Siscomex, sistema informatizado criado pela Receita Federal para fazer as operações de comércio exterior, aliada à falta de fiscalização, pode ser utilizada para fraudar as exportações.
Depoimentos de despachantes aduaneiros, que intermedeiam embarques e desembarques de mercadorias no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, auditores fiscais e ex-inspetores de Alfândega revelam que brechas na forma de registrar as exportações no Siscomex e fiscalização insuficiente possibilitam desde a lavagem de dinheiro (tornar regular o dinheiro obtido ilicitamente) por empresas até o envio de produtos ilegais (como drogas) pelo crime organizado.
Uma das falhas, segundo afirmam, é que despachantes aduaneiros e exportadores que embarcam mercadorias pelo DSE (Despacho Simplificado de Exportação), com valores até US$ 50 mil, já sabem quais produtos serão direcionados para o canal verde -aquele em que a carga está livre de fiscalização física e de documentos pela Receita Federal.
Outra falha apontada é a falta de cruzamento entre as informações declaradas ao Siscomex (no modo simplificado de exportar) e as que constam nos documentos que ficam com a carga (o conhecimento aéreo e a nota fiscal, emitidos pelo transportador e pelo exportado, respectivamente) que aguarda para ser embarcada nos armazéns da Infraero.
A empresa pode informar ao Siscomex, por exemplo, que irá exportar roupas para o Chile. Mas, na prática, envia diamantes para a África de forma ilegal, porque já sabe que tem poucas chances de ser fiscalizada.
Sem cruzamento
A previsibilidade do sistema (já se sabe produto e destino que dão canal verde) e a falta de cruzamento de informações (do Siscomex, de embarques e do exportador) levam cada vez mais empresas a correr risco de exportar de forma irregular. Com o passar dos anos, o sistema, criado em 1995, tornou-se previsível e "fácil de burlar", segundo despachantes aduaneiros e auditores fiscais.
Cerca de 90% das exportações brasileiras caem no canal verde (sem fiscalização); 8%, no amarelo (há conferência somente de documentos) e 2%, no vermelho (há fiscalização de documentos e carga). São seis auditores para fiscalizar as exportações em Cumbica, segundo a Folha apurou.
A fragilidade do sistema abriu brechas para o despachante aduaneiro vender "facilidades" ao exportador, segundo relato de um despachante que trabalha no aeroporto de Cumbica há mais de dez anos.
Há casos de empresas, segundo ele, que informam no DSE (documento de exportação simplificada) do Siscomex que estão enviando mercadorias em valores abaixo de US$ 50 mil para países que dão canal verde. Mas, na prática, estão exportando mais que US$ 50 mil para a África, por exemplo -a carga exportada para esse continente geralmente é direcionada para o canal vermelho, quando carga e documentos passam por fiscalização.
"A gente tem facilidade de mandar o que quiser pelo DSE. Sabemos os códigos de produtos e os países que têm passe livre para sair do país. Exportar para Chile, Alemanha dá canal verde. Não é verificado se o que foi declarado ao Siscomex é o que está sendo embarcado", diz J.C., despachante aduaneiro que trabalha em Cumbica para 80 grandes exportadores.
"Já fui procurado para exportar produtos ilegais e não aceitei. Tem despachante que recebe hoje R$ 15 mil por semana para garantir facilidades nas exportações."
Trava no comércio
Não há como verificar 100% da carga embarcada. Se isso ocorresse, seria o mesmo que travar as exportações, segundo especialistas em comércio exterior e ex-secretários da Receita Federal.
O que poderia ser feito, segundo eles, é tornar o modo simplificado de exportar menos frágil: cruzar as informações declaradas pelo despachante aduaneiro ou exportador ao Siscomex com as dos documentos da carga que aguarda o embarque no aeroporto. E exigir mais detalhes da carga no preenchimento do DSE (exportação simplificada).
A Receita Federal parte do princípio, segundo auditores fiscais, de que todas as declarações feitas ao Siscomex são verdadeiras. Entretanto, já recebeu denúncias e estuda formas de tornar o sistema menos previsível e mais controlado.
Se as informações declaradas ao Siscomex não forem reais, os dados de exportação podem estar comprometidos, segundo avaliação de despachantes aduaneiros e auditores fiscais. No ano passado, as exportações registradas no Siscomex somaram US$ 175,5 bilhões.
"A falha não está no sistema, mas, sim, em não cruzar as informações", afirma Everardo Maciel, ex-secretário do fisco. Sobre o Siscomex, afirma: "Todo sistema tem suas vulnerabilidades".
Fonte: Folha de S. Paulo 13/10/2009
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