Por Raul Haidar - CONJUR
Embora sejam necessários controles rigorosos sobre as importações de mercadorias em nossas repartições alfandegárias, não nos parece que tais procedimentos estejam ocorrendo conforme a correta aplicação das leis. Com preocupante frequência registram-se retenções de mercadorias, causando sérios transtornos e prejuízos aos importadores, de tal maneira que se chega a ter a impressão que o rigor excessivo se faz de forma errada, com o firme propósito de afastar os pequenos e médios comerciantes desse ramo de atividade.
Mesmo quando o importador atendeu a todas as exigências legais e no exame da mercadoria inexiste qualquer óbice ao desembaraço, o comerciante pode ver suspensa a liberação quase sempre por alegações de “interposição fraudulenta”, ou “falta de capacidade financeira” ou mesmo “subfaturamento”.
A fiscalização procura amparo muitas vezes no artigo 1º e seu § 1º da IN 228, que manda aplicar um procedimento “especial” baseado em indícios. Diz a norma administrativa:
“Art. 1º - As empresas que revelarem indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada ficarão sujeitas a procedimento especial de fiscalização, nos termos desta Instrução Normativa.
§ 1º O procedimento especial a que se refere o caput visa a identificar e coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior, como meio de dificultar a verificação da origem dos recursos aplicados, ou dos responsáveis por infração à legislação em vigor.”
Não pode a autoridade alfandegária, contudo, basear-se em mero indício sem adequado amparo documental. Reter mercadoria apenas porque há indício de falta de capacidade econômica, é totalmente ilegal. Não pode um ato meramente administrativo, a IN 228, autorizar retenção de mercadorias com base em meras suposições.
O Judiciário já reconheceu em várias oportunidades a ilegalidade desse procedimento, como se vê especialmente em decisões do TRF-4 (Processos 2003.04.01.026070-6 e 2003.04.01.018264-1, por exemplo), conforme a seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO-AGRAVO DE INSTRUMENTO-LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS-PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA O DESEMBARAÇO ADUANEIRO - PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO-IN 228/2002 –
1. Não se mostra razoável a aplicação da IN nº 228/02, haja visa a necessidade da presença de indícios robustos e concretos, não bastando a simples suspeita da autoridade fiscal, para se admitir a restrição da atividade econômica da empresa, pela retenção de mercadoria necessária ao seu funcionamento.
2. A capacidade econômica da importadora não se fulcra apenas no valor declarado do seu capital social e o procedimento administrativo existe exatamente para que fique comprovada a sua situação financeira, o que demanda, obviamente, maiores esforços do que os aqui coligidos.”
Em algumas ocasiões a autoridade alfandegária suspende a liberação e retém as mercadorias porque estariam elas com preços inferiores à realidade, apresentando indícios de subfaturamento. Nesses casos o “arbitramento” feito pelo fiscal de plantão é desprovido de base legal e muitas vezes se baseia em informações não oficiais, quase sempre obtidas na internet, onde são pesquisados os preços tidos como reais.
O subfaturamento, seja na importação ou nas operações de mercado interno, passa, necessariamente, por duas etapas: primeira, o conluio que deve existir entre o adquirente e o fornecedor; segunda, a prova de que aquele tenha pago a este uma diferença entre o valor real da operação e o valor “subfaturado”.
Já observamos casos em que não havia qualquer prova razoável seja do conluio, seja do pagamento da diferença. E, como é curial, cabe ao Fisco fazer a prova dos fatos que alega, não podendo a autuação basear-se em meros indícios ou presunções. Nesse sentido, há inúmeras decisões tanto de tribunais administrativos quanto judiciais, podendo ser citadas as seguintes:
"Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário."
( 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841, in "Revista Fiscal" de 1970 , decisão nº 69).
"Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução."
(idem, acórdão 50.527,Diário Oficial da União de 11.7.69,secção IV).
"Processo Fiscal - Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida." (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in "Resenha Tributária" nº 8)
Invariavelmente, as autuações relacionadas com subfaturamento são precedidas de diversas diligências, realizadas sem que delas o contribuinte tenha sido previamente notificado. Nesses casos, as provas obtidas podem ser questionadas, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, ordena que:
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
O chamado princípio do contraditório e ampla defesa, consubstanciado no dispositivo constitucional acima transcrito, não se compadece com qualquer mecanismo de procedimentos em que atos processuais se realizem sem a presença do acusado.
A questão das diligências fiscais, ou “investigações” como gostam de usar agentes do Fisco, está regulada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 196 é bem claro:
"Art. 196 - A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.
Parágrafo Único - Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo."
Isso demonstra que as tais investigações que o Fisco estaria realizando em relação a empresas acusadas de subfaturamento devem seguir normas legais específicas, sob pena de não terem nenhum valor.
Além disso, a empresa que possui contabilidade em ordem, amparada em documentação formalmente válida, tem a seu favor a presunção de legitimidade da escrituração, presunção essa que não se pode afastar com meras diligências administrativas unilateralmente produzidas.
Não pode a fiscalização aduaneira cometer atos sem amparo em lei com base em meras presunções ou indícios. Não pode, igualmente, impedir que o importador exerça suas atividades uma vez atendidas as formalidades que a lei prevê.
Caso entenda algum servidor público que há um crescimento de importações prejudicial ao país, deve lembrar-se que a proteção do mercado interno se opera por meios próprios, inclusive o aumento das alíquotas dos impostos. Qualquer retenção de mercadoria de forma indevida causa prejuízo ao importador e qualquer prejuízo causado por ato ilegal de autoridade é passível de indenização por meio da ação judicial própria.
Embora sejam necessários controles rigorosos sobre as importações de mercadorias em nossas repartições alfandegárias, não nos parece que tais procedimentos estejam ocorrendo conforme a correta aplicação das leis. Com preocupante frequência registram-se retenções de mercadorias, causando sérios transtornos e prejuízos aos importadores, de tal maneira que se chega a ter a impressão que o rigor excessivo se faz de forma errada, com o firme propósito de afastar os pequenos e médios comerciantes desse ramo de atividade.
Mesmo quando o importador atendeu a todas as exigências legais e no exame da mercadoria inexiste qualquer óbice ao desembaraço, o comerciante pode ver suspensa a liberação quase sempre por alegações de “interposição fraudulenta”, ou “falta de capacidade financeira” ou mesmo “subfaturamento”.
A fiscalização procura amparo muitas vezes no artigo 1º e seu § 1º da IN 228, que manda aplicar um procedimento “especial” baseado em indícios. Diz a norma administrativa:
“Art. 1º - As empresas que revelarem indícios de incompatibilidade entre os volumes transacionados no comércio exterior e a capacidade econômica e financeira evidenciada ficarão sujeitas a procedimento especial de fiscalização, nos termos desta Instrução Normativa.
§ 1º O procedimento especial a que se refere o caput visa a identificar e coibir a ação fraudulenta de interpostas pessoas em operações de comércio exterior, como meio de dificultar a verificação da origem dos recursos aplicados, ou dos responsáveis por infração à legislação em vigor.”
Não pode a autoridade alfandegária, contudo, basear-se em mero indício sem adequado amparo documental. Reter mercadoria apenas porque há indício de falta de capacidade econômica, é totalmente ilegal. Não pode um ato meramente administrativo, a IN 228, autorizar retenção de mercadorias com base em meras suposições.
O Judiciário já reconheceu em várias oportunidades a ilegalidade desse procedimento, como se vê especialmente em decisões do TRF-4 (Processos 2003.04.01.026070-6 e 2003.04.01.018264-1, por exemplo), conforme a seguinte ementa:
“TRIBUTÁRIO-AGRAVO DE INSTRUMENTO-LIBERAÇÃO DE MERCADORIAS-PRESTAÇÃO DE GARANTIA PARA O DESEMBARAÇO ADUANEIRO - PROCEDIMENTO ESPECIAL DE TRIBUTAÇÃO-IN 228/2002 –
1. Não se mostra razoável a aplicação da IN nº 228/02, haja visa a necessidade da presença de indícios robustos e concretos, não bastando a simples suspeita da autoridade fiscal, para se admitir a restrição da atividade econômica da empresa, pela retenção de mercadoria necessária ao seu funcionamento.
2. A capacidade econômica da importadora não se fulcra apenas no valor declarado do seu capital social e o procedimento administrativo existe exatamente para que fique comprovada a sua situação financeira, o que demanda, obviamente, maiores esforços do que os aqui coligidos.”
Em algumas ocasiões a autoridade alfandegária suspende a liberação e retém as mercadorias porque estariam elas com preços inferiores à realidade, apresentando indícios de subfaturamento. Nesses casos o “arbitramento” feito pelo fiscal de plantão é desprovido de base legal e muitas vezes se baseia em informações não oficiais, quase sempre obtidas na internet, onde são pesquisados os preços tidos como reais.
O subfaturamento, seja na importação ou nas operações de mercado interno, passa, necessariamente, por duas etapas: primeira, o conluio que deve existir entre o adquirente e o fornecedor; segunda, a prova de que aquele tenha pago a este uma diferença entre o valor real da operação e o valor “subfaturado”.
Já observamos casos em que não havia qualquer prova razoável seja do conluio, seja do pagamento da diferença. E, como é curial, cabe ao Fisco fazer a prova dos fatos que alega, não podendo a autuação basear-se em meros indícios ou presunções. Nesse sentido, há inúmeras decisões tanto de tribunais administrativos quanto judiciais, podendo ser citadas as seguintes:
"Indício ou presunção não podem por si só caracterizar o crédito tributário."
( 2º Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda, acórdão 51.841, in "Revista Fiscal" de 1970 , decisão nº 69).
"Para efeitos legais não se admite como débito fiscal o apurado por simples dedução."
(idem, acórdão 50.527,Diário Oficial da União de 11.7.69,secção IV).
"Processo Fiscal - Não pode ser instaurado com base em mera presunção. Segurança concedida." (Tribunal Federal de Recursos, 2ª Turma, Agravo em Mandado de Segurança nº 65.941 in "Resenha Tributária" nº 8)
Invariavelmente, as autuações relacionadas com subfaturamento são precedidas de diversas diligências, realizadas sem que delas o contribuinte tenha sido previamente notificado. Nesses casos, as provas obtidas podem ser questionadas, pois a Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso LV, ordena que:
"LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes."
O chamado princípio do contraditório e ampla defesa, consubstanciado no dispositivo constitucional acima transcrito, não se compadece com qualquer mecanismo de procedimentos em que atos processuais se realizem sem a presença do acusado.
A questão das diligências fiscais, ou “investigações” como gostam de usar agentes do Fisco, está regulada no Código Tributário Nacional, cujo artigo 196 é bem claro:
"Art. 196 - A autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de fiscalização lavrará os termos necessários para que se documente o início do procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão daquelas.
Parágrafo Único - Os termos a que se refere este artigo serão lavrados, sempre que possível, em um dos livros fiscais exibidos; quando lavrados em separado deles se entregará, à pessoa sujeita à fiscalização, cópia autenticada pela autoridade a que se refere este artigo."
Isso demonstra que as tais investigações que o Fisco estaria realizando em relação a empresas acusadas de subfaturamento devem seguir normas legais específicas, sob pena de não terem nenhum valor.
Além disso, a empresa que possui contabilidade em ordem, amparada em documentação formalmente válida, tem a seu favor a presunção de legitimidade da escrituração, presunção essa que não se pode afastar com meras diligências administrativas unilateralmente produzidas.
Não pode a fiscalização aduaneira cometer atos sem amparo em lei com base em meras presunções ou indícios. Não pode, igualmente, impedir que o importador exerça suas atividades uma vez atendidas as formalidades que a lei prevê.
Caso entenda algum servidor público que há um crescimento de importações prejudicial ao país, deve lembrar-se que a proteção do mercado interno se opera por meios próprios, inclusive o aumento das alíquotas dos impostos. Qualquer retenção de mercadoria de forma indevida causa prejuízo ao importador e qualquer prejuízo causado por ato ilegal de autoridade é passível de indenização por meio da ação judicial própria.
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