terça-feira, 29 de novembro de 2011

Entreposto Aduaneiro X Importação Por Conta e Ordem e Encomenda

Por José Geraldo Reis* | @comexblog

A Solução de Consulta abaixo diz ser incompatível o regime de importação por conta e ordem com o regime aduaneiro especial de Entreposto Aduaneiro:

SOLUÇÃO DE CONSULTA Nº 74, DE 5 DE SETEMBRO DE 2011 – ASSUNTO: Regimes Aduaneiros

EMENTA: ENTREPOSTO ADUANEIRO. IMPORTAÇÃO POR CONTA E ORDEM. IMPORTAÇÃO POR ENCOMENDA. As condições de operacionalização da importação por conta e ordem ou por encomenda tornam essas modalidades incompatíveis com o regime de entreposto aduaneiro.

DISPOSITIVOS LEGAIS: Decreto nº 6.759, de 2009, arts. 404 a 409 e 418; Instrução Normativa SRF nº 225, de 2002; Instrução Normativa SRF nº 241, de 2002; Instrução Normativa SRF nº 634, de 24 de março de 2006.

Do sucinto texto em que fundamenta as suas razões podemos extrair duas considerações básicas que devem de início ser analisadas:
  •     sua incompatibilidade com o regime de Entreposto Aduaneiro
  •     as condições de operacionalidade da importação por conta e ordem e por encomenda.

Analisemos a primeira consideração. Segundo vemos na IN RFB n. 225/02, que disciplina a importação por conta e ordem, a condições de operacionalidade do regime estão no texto abaixo:

Art. 1º O controle aduaneiro relativo à atuação de pessoa jurídica importadora que opere por conta e ordem de terceiros será exercido conforme o estabelecido nesta Instrução Normativa.

Parágrafo único. Entende-se por importador por conta e ordem de terceiro a pessoa jurídica que promover, em seu nome, o despacho aduaneiro de importação de mercadoria adquirida por outra, em razão de contrato previamente firmado, que poderá compreender, ainda, a prestação de outros serviços relacionados com a transação comercial, como a realização de cotação de preços e a intermediação comercial.

Art. 2º A pessoa jurídica que contratar empresa para operar por sua conta e ordem deverá apresentar cópia do contrato firmado entre as partes para a prestação dos serviços, caracterizando a natureza de sua vinculação, à unidade da Secretaria da Receita Federal (SRF), de fiscalização aduaneira, com jurisdição sobre o seu estabelecimento matriz.

Parágrafo único. O registro da Declaração de Importação (DI) pelo contratado ficará condicionado à sua prévia habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), para atuar como importador por conta e ordem do adquirente, pelo prazo previsto no contrato.

Art. 3º O importador, pessoa jurídica contratada, devidamente identificado na DI, deverá indicar, em campo próprio desse documento, o número de inscrição do adquirente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ).

§ 1º O conhecimento de carga correspondente deverá estar consignado ou endossado ao importador, configurando o direito à realização do despacho aduaneiro e à retirada das mercadorias do recinto alfandegado.

§ 2º A fatura comercial deverá identificar o adquirente da mercadoria, refletindo a transação efetivamente realizada com o vendedor ou transmitente das mercadorias.

Art. 4º Sujeitar-se-á à aplicação de pena de perdimento a mercadoria importada na hipótese de:

I – inserção de informação que não traduza a realidade da operação, seja no contrato de prestação de serviços apresentado para efeito de habilitação, seja nos documentos de instrução da DI de que trata o art. 3º (art. 105, inciso VI, do Decreto-lei nº 37, de 18 de novembro de 1966);

II – ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, do comprador ou responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiros (art. 23, inciso V, do Decreto-lei nº 1.455, de 7 de abril de 1976, com a redação dada pelo art. 59 da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002).

Parágrafo único. A aplicação da pena de que trata este artigo não elide a formalização da competente representação para fins penais, relativamente aos responsáveis, nos termos da legislação específica (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 e Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990).

Art. 5º A operação de comércio exterior realizada mediante utilização de recursos de terceiro presume-se por conta e ordem deste, para fins de aplicação do disposto nos arts. 77 a 81 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001.


Deixando de lado qualquer tipo de fraude, o regime de importação por conta e ordem na forma determinada pela Receita acima arrolada tem por escopo  a identificação do real importador da mercadoria, aquele que é o real proprietário e responsável pelos recursos econômicos utilizados na operação de importação. Aquele que deverá provar que tem capacidade econômica para realizar essa operação.

Regulando o regime dessa forma, a Receita não deu margem a que, na operação por conta e ordem, o real proprietário deixasse de ser conhecido até mesmo antes do embarque da mercadoria no exterior, ante a exigência de apresentação do contrato que vincula importador e adquirente, real proprietário do bem.

Os que labutam nesta área sabem da importância da identificação do real proprietário. No anterior regime de ENTREPOSTO ADUANEIRO o proprietário da mercadoria teria que estar obrigatoriamente no exterior, não se admitindo entrepostamento com câmbio fechado, que caracteriza um proprietário no Brasil. Porém, surgiu nova legislação para o Entreposto que admite a concessão do regime para os casos em que o proprietário dos bens importados estejam radicados no Brasil e, portanto, haja o fechamento de câmbio.

Voltando ao exame da “operacionalidade por conta e ordem” citada na Solução de Consulta não encontramos qualquer item que possa incompatibilizar o uso do Entreposto. Vamos analisar uma a uma as condições de operacionalidade do regime.
  •     cópia do contrato – (caput do art. 2ª) – Se o importador é obrigado a oferecê-la é irrelevante se o regime é de despacho definitivo ou de entrepostamento.
  •     prévia habilitação no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), para atuar como importador por conta e ordem do adquirente, – (par.único do art. 2º) – Idem quanto ao dito acima.
  •     devidamente identificado na DI, deverá indicar, em campo próprio desse documento, o número de inscrição do adquirente no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). (art. 3º 0 – O importador não terá a menor dificuldade em indicar o adquirente, seja no despacho definitivo seja em admissão para entreposto.
  •     conhecimento de carga correspondente deverá estar consignado ou endossado ao importador – (§ 1º do art. 3º) – É uma imposição legal, válida para despacho definitivo como para entreposto.
  •     fatura comercial deverá identificar o adquirente (§ 2º do art. 3º – É uma imposição da Receita e se a fatura vem do exterior, quando aqui chegar com essa indicação valerá tanto para despacho definitivo como para entreposto.

Pelo exposto, não vemos onde se situa a incompatibilidade.

Devemos ainda analisar a questão da decretação da pena de perdimento, assim disposta na IN em questão:

Art. 4º Sujeitar-se-á à aplicação de pena de perdimento a mercadoria importada na hipótese de:

I – inserção de informação que não traduza a realidade da operação, seja no contrato de prestação de serviços apresentado para efeito de habilitação, ………….

II – ocultação do sujeito passivo, …………

Analisando os dois itens acima entendemos que numa operação regular de importação à ordem tais situações não podem existir, a não ser na hipótese de fraude, que não cabe neste estudo.

Na operação por conta em ordem, como dissemos, antes mesmo do embarque, é firmado documento contratual entre duas empresas radicados no Brasil, onde estão espelhadas todas as características da operação. No registro da Declaração de Admissão para o Regime de Entreposto Aduaneiro os documentos a serem ofertados são os mesmos de uma importação a título definitivo. Portanto, na operação regular de importação por conta e ordem, ou por encomenda (insistimos, não cabe aqui falar em fraude) as duas hipóteses sancionatórias acima, de perdimento, não podem se subsumir aos fatos a serem apurados pela fiscalização aduaneira.

Razões econômicas para permissão de Importação Por Conta e Ordem e Encomenda em entreposto

Vale a pena relembrar dois momentos distintos vividos pelos Entrepostos. O primeiro desde seu surgimento até a permissão de entrepostamento com fechamento de câmbio.

No primeiro momento, se a fiscalização aduaneira encontrasse entrepostada mercadoria ante a qual pudesse provar tratar-se de importação a título definitivo, pertencendo a empresa aqui radicada, poderia aplicar o perdimento, por fraude. Nesse período a mercadoria ali existente pertencia à massa de riqueza de outro país e constatada qualquer irregularidade que não fraude a mercadoria seria devolvida ao seu real proprietário.

Neste período, o importador não poderia utilizar o armazém do entreposto como Armazem Geral, para controlar seu estoque, pois a mercadoria ainda não era sua.

O segundo momento é com a permissão do entrepostamento com a mercadoria importada a título definitvo, isto é, já pertencente a massa de riqueza brasileira. O entreposto passa a ter um duplo papel, de Depositário de mercadoria estrangeira não despachada para consumo e de Armazem Geral para o importador, que passa a ter ali estoque regular dos insumos importados, a serm nacionalizado a medida da necessidade da linha de produção.

Razões sistêmicas (ordenamento jurídico)

Outro ponto a ser destacado é que toda autoridade pública está amarrado aos ditames da Lei. E quanto a este tema, NENHUMA LINHA EXISTE QUE CORROBORE O ENTENDIMENTO EXPRESSO NA CONSULTA. Ao contrário, basta analisamos o texto da IN SRF 241/2002, artigo 17:

Art. 17. A admissão no regime de entreposto aduaneiro não será autorizada quando se tratar de:

I – mercadoria cuja importação ou exportação esteja proibida; e (Redação dada pela IN SRF 1.090/2010)

II – bem usado. (Redação dada pela IN SRF 1.090/2010)

§ 1º O disposto no inciso II deste artigo não se aplica aos bens referidos na alínea “a” dos incisos I, II e III, e na alínea “c” dos incisos I e III, do art. 16. (Redação dada pela IN SRF 1.090/2010)

I – destinada a feira, congresso, mostra ou evento semelhante; ou (Incluído dada pela IN SRF 1.090/2010)

II – o beneficiário for administrador do recinto em que a mercadoria se encontre armazenada. (Incluído dada pela IN SRF 1.090/2010)

Pelo texto desta IN, temos uma lista exaustiva que determina quais os bens INCOMPATÍVEIS E PROIBIDOS DE SER ADMITIDOS NO REGIME DE ENTREPOSTO. Contrário-senso, temos então que todas as outras situações podem ser recepcionadas no regime. Não é permitido a autoridade administrativa proceder uma interpretação extensiva ou integrativa, abarcando outras situações que a Lei não elegeu. Está, como dissemos, amarrado pelo Princípio da Legalidade: “NINGUÉM SERÁ OBRIGADO A FAZER OU DEIXAR DE FAZER ALGO, SE NÃO EM VIRTUDE DE LEI”.

Por isso não entendemos a restrição feita pela Solução de Consulta em exame e aguardamos maiores esclarecimentos sobre a pretensa “incompatibilidade”.

Esta é apenas uma opinião

O papel aceita tudo. Até essa nossa opinião contrária ao entendimento da Solução de Consulta em comento. No entanto, o usuário sabe que o que vale é o que está na consulta e, portanto, vai seguir seus ditames até que seja revogada ou que a Justiça venha a declará-la ilegal.

* Advogado e Consultor Aduaneiro.

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