FISCOSOFT 11.05.11
Felippe Alexandre Ramos Breda*
Questão pontual é a quebra do sigilo bancário pela administração pública.
Tudo por conta do art. 6º, da Lei complementar n. 105/01, do Dec. 3.724/2001, e Lei n. 10.174/01.
É de se ressaltar que a Lei n. 10.174/01 alterou a primitiva Lei n. 9.311/96 (CPMF), passando a permitir o que antes era vedado expressamente, i.e., a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda para a constituição de outros tributos que não a CPMF.
O artigo 11, parágrafo 3º, da Lei nº 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, tinha a seguinte redação:
Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. (.)
parágrafo 3º - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. (g.n.)
A Lei nº 10.174/01, alterando-o, disciplinou:
"Art. 11- (.) § 3o - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (g.n.)
Essa mudança legislativa frustrou o pacto social, político e jurídico feito à época da promulgação da lei da CPMF, em 1996.
Nele se acordara que as informações financeiras obtidas com a CPMF, principalmente as bancárias (conta-corrente), não poderiam jamais ser utilizadas para a constituição de impostos.
Tudo porque, movimentação financeira em conta corrente não reflete renda adquirida ou disponível. O fisco já atua com presunção a mais, imagina se tivesse acesso à conta bancária das pessoas sem necessidade de ordem judicial !?
Pois bem. Com o advento da LC n. 105/01, em seu art. 6º, regulamentada pelo Dec. 3.724/2001, e a posterior mudança acima citada pela Lei n. 10.174/01, começou a vigorar entendimento que os agentes fiscais, de ofício, estavam autorizados a requisitar movimentações (extratos) bancárias diretamente às instituições financeiras, sem necessidade de ordem judicial.
Trocando em miúdos, os agentes fiscais passariam a poder quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, desde que existente procedimento fiscalizatório em curso (MPF), e as informações requeridas fossem indispensáveis ao procedimento.
O problema dessa autorização/interpretação é a odiosa presunção contida no art. 42, da Lei no 9.430/96, que antes era prova a ser produzida pelo Fisco; agora, com a desnecessidade de autorização judicial, o contribuinte é quem faz prova contra a presunção do art. 42 !
A LC n. 105/01 e o Dec. 3.724/2001 são objeto de várias Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (2390-0/DF; 2386-1/DF, dentre outras).
Enquanto elas pendem de julgamento, a peleja no Judiciário vinha beneficiando à administração.
Não raro os julgados entendiam correta a autorização de quebra ao fisco. Os argumentos utilizados: (i) prevalência do interesse público sobre o individual; (ii) o direito fundamental ao sigilo não é absoluto; (iii) que não haveria quebra de sigilo, porque a administração resguarda as informações para ela própria, delimitadas ao procedimento de fiscalização em curso, etc.
Constatava-se, inclusive, decisões judiciais entendendo pela retroatividade da quebra de sigilo pela administração antes da LC n. 105/01, ao argumento de que se trata de novo critério de apuração ou fiscalização do crédito tributário, na forma do § 1º, do art. 144, do CTN.
Concorda-se com a supremacia do interesse público e de que o sigilo bancário não é absoluto, mas, quanto ao resto, não.
Alguns doutrinadores afirmam que os direitos fundamentais são exemplificativos, nesse campo se inserindo o sigilo bancário.
O prof. Nelson Nery, além de reputá-lo garantia fundamental, aduz que sua quebra é insuscetível até por meio de ordem judicial, já que, interpretando-se a parte final do art. 5, XII, só o sigilo telefônico admite quebra com autorização judicial.
A quebra de sigilo bancário veio prevista pela Lei n. 4.595/64 (Sistema Financeiro, aquela em que os Bancos se escudam para não se sujeitarem ao Código de Defesa do Consumidor), que foi recepcionada pela Constituição com status de Lei Complementar (art. 192, caput, da CF).
Essa lei previa a quebra de sigilo bancário só por meio de ordem judicial (art. 34). Quebra esta que também é prevista às Comissões Parlamentares de Inquérito-CPI (art. 58, § 3º, da Constituição Federal), e ao Ministério Público (art. 129, VI, da Constituição Federal), desde que com autorização judicial.
Portanto, como o Fisco tem muito poder para o exercício de sua atividade, é certo que a autorização judicial não limitaria esse poder tampouco inviabilizaria sua atividade de fiscalização. Pelo contrário, colocaria um breque em desmandos e presunções odiosas.
Ademais, a quebra bancária pela administração coloca o contribuinte em desvantagem absoluta, invertendo, sobremaneira, as regras de presunção subsumidas às normas legais.
Após toda essa celeuma, o debate reacendeu pela não prorrogação da CPMF e com a edição da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 802/08.
A Instrução Normativa 802/2007 passou a obrigar às instituições financeiras a repassar informações dos correntistas que movimentem, por semestre, mais de R$ 5 mil - ou R$ 10 mil, no caso de pessoas jurídicas-, com fundamento na LC n. 105/01 e no Dec. 3.724/01.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello, em matéria publicada no final de dezembro de 2007 no Jornal de Brasília/DF, atacou a citada IN, comentando: "Essa generalização da quebra do sigilo bancário, que é cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição, presume que todos sejam salafrários, e chega a ser bisbilhotice. A presunção é de que sejamos minimamente honestos. Se houver indícios de sonegação, a Receita e o Ministério Público têm de recorrer ao Judiciário, que tem o poder de decretar a quebra de sigilos bancários."
A Confederação Nacional das Profissões Liberais ingressou no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4006, com pedido de liminar, pugnando que a quebra de sigilo autorizada pela IN encimada desrespeitaria à Constituição, que em seu artigo 5º, XII, afirma que o sigilo só pode ser afastado por ordem judicial, nas hipóteses que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também tocou uma ADIN, mas aduzindo argumento novo, no sentido de que Instrução Normativa da Receita é novo efeito ilegal da aplicação da lei LC 105/01.
Com a possibilidade da vinda da nova CSS (contribuição que ingressará no lugar da CPMF), os dados bancários novamente serviriam para o uso da quebra do sigilo bancário.
Contudo, recentemente, o STF, pelo Pleno, acabou por voltar atrás na decisão que havia proferido na medida cautelar negada na Ação Cautelar nº 33, na qual a contribuinte buscava impedir que a Receita Federal tivesse a acesso a seus dados bancários sem a autorização do Poder Judiciário, conforme autoriza da Lei Complementar nº 105/01 e o Decreto 3.724/01. Julgando o próprio Recurso Extraordinário nº 389.908, ao qual a Ação Cautelar nº 33 buscava atribuir efeito suspensivo, o STF entendeu que o Estado tem poder para investigar e fiscalizar, mas a decretação da quebra de sigilo bancário só pode ser feita mediante ordem emanada do Poder Judiciário.
Agora, pergunta-se: como ficam as autuações fiscais efetivadas sem autorização judicial, na medida em que as decisões Diretas de Inconstitucionalidade têm efeito retroativo, salvo modulação de efeitos? Devem ser cancelados?
Felippe Alexandre Ramos Breda*
Felippe Alexandre Ramos Breda*
Questão pontual é a quebra do sigilo bancário pela administração pública.
Tudo por conta do art. 6º, da Lei complementar n. 105/01, do Dec. 3.724/2001, e Lei n. 10.174/01.
É de se ressaltar que a Lei n. 10.174/01 alterou a primitiva Lei n. 9.311/96 (CPMF), passando a permitir o que antes era vedado expressamente, i.e., a utilização das informações decorrentes do cruzamento entre os dados da CPMF e as declarações de renda para a constituição de outros tributos que não a CPMF.
O artigo 11, parágrafo 3º, da Lei nº 9.311/96, que instituiu a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira, tinha a seguinte redação:
Art. 11. Compete à Secretaria da Receita Federal a administração da contribuição, incluídas as atividades de tributação, fiscalização e arrecadação. (.)
parágrafo 3º - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicada à matéria, o sigilo das informações prestadas, vedada sua utilização para constituição do crédito tributário relativo a outras contribuições ou impostos. (g.n.)
A Lei nº 10.174/01, alterando-o, disciplinou:
"Art. 11- (.) § 3o - A Secretaria da Receita Federal resguardará, na forma da legislação aplicável à matéria, o sigilo das informações prestadas, facultada sua utilização para instaurar procedimento administrativo tendente a verificar a existência de crédito tributário relativo a impostos e contribuições e para lançamento, no âmbito do procedimento fiscal, do crédito tributário porventura existente, observado o disposto no art. 42 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, e alterações posteriores. (g.n.)
Essa mudança legislativa frustrou o pacto social, político e jurídico feito à época da promulgação da lei da CPMF, em 1996.
Nele se acordara que as informações financeiras obtidas com a CPMF, principalmente as bancárias (conta-corrente), não poderiam jamais ser utilizadas para a constituição de impostos.
Tudo porque, movimentação financeira em conta corrente não reflete renda adquirida ou disponível. O fisco já atua com presunção a mais, imagina se tivesse acesso à conta bancária das pessoas sem necessidade de ordem judicial !?
Pois bem. Com o advento da LC n. 105/01, em seu art. 6º, regulamentada pelo Dec. 3.724/2001, e a posterior mudança acima citada pela Lei n. 10.174/01, começou a vigorar entendimento que os agentes fiscais, de ofício, estavam autorizados a requisitar movimentações (extratos) bancárias diretamente às instituições financeiras, sem necessidade de ordem judicial.
Trocando em miúdos, os agentes fiscais passariam a poder quebrar o sigilo bancário dos contribuintes, desde que existente procedimento fiscalizatório em curso (MPF), e as informações requeridas fossem indispensáveis ao procedimento.
O problema dessa autorização/interpretação é a odiosa presunção contida no art. 42, da Lei no 9.430/96, que antes era prova a ser produzida pelo Fisco; agora, com a desnecessidade de autorização judicial, o contribuinte é quem faz prova contra a presunção do art. 42 !
A LC n. 105/01 e o Dec. 3.724/2001 são objeto de várias Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (2390-0/DF; 2386-1/DF, dentre outras).
Enquanto elas pendem de julgamento, a peleja no Judiciário vinha beneficiando à administração.
Não raro os julgados entendiam correta a autorização de quebra ao fisco. Os argumentos utilizados: (i) prevalência do interesse público sobre o individual; (ii) o direito fundamental ao sigilo não é absoluto; (iii) que não haveria quebra de sigilo, porque a administração resguarda as informações para ela própria, delimitadas ao procedimento de fiscalização em curso, etc.
Constatava-se, inclusive, decisões judiciais entendendo pela retroatividade da quebra de sigilo pela administração antes da LC n. 105/01, ao argumento de que se trata de novo critério de apuração ou fiscalização do crédito tributário, na forma do § 1º, do art. 144, do CTN.
Concorda-se com a supremacia do interesse público e de que o sigilo bancário não é absoluto, mas, quanto ao resto, não.
Alguns doutrinadores afirmam que os direitos fundamentais são exemplificativos, nesse campo se inserindo o sigilo bancário.
O prof. Nelson Nery, além de reputá-lo garantia fundamental, aduz que sua quebra é insuscetível até por meio de ordem judicial, já que, interpretando-se a parte final do art. 5, XII, só o sigilo telefônico admite quebra com autorização judicial.
A quebra de sigilo bancário veio prevista pela Lei n. 4.595/64 (Sistema Financeiro, aquela em que os Bancos se escudam para não se sujeitarem ao Código de Defesa do Consumidor), que foi recepcionada pela Constituição com status de Lei Complementar (art. 192, caput, da CF).
Essa lei previa a quebra de sigilo bancário só por meio de ordem judicial (art. 34). Quebra esta que também é prevista às Comissões Parlamentares de Inquérito-CPI (art. 58, § 3º, da Constituição Federal), e ao Ministério Público (art. 129, VI, da Constituição Federal), desde que com autorização judicial.
Portanto, como o Fisco tem muito poder para o exercício de sua atividade, é certo que a autorização judicial não limitaria esse poder tampouco inviabilizaria sua atividade de fiscalização. Pelo contrário, colocaria um breque em desmandos e presunções odiosas.
Ademais, a quebra bancária pela administração coloca o contribuinte em desvantagem absoluta, invertendo, sobremaneira, as regras de presunção subsumidas às normas legais.
Após toda essa celeuma, o debate reacendeu pela não prorrogação da CPMF e com a edição da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 802/08.
A Instrução Normativa 802/2007 passou a obrigar às instituições financeiras a repassar informações dos correntistas que movimentem, por semestre, mais de R$ 5 mil - ou R$ 10 mil, no caso de pessoas jurídicas-, com fundamento na LC n. 105/01 e no Dec. 3.724/01.
O ministro do STF Marco Aurélio Mello, em matéria publicada no final de dezembro de 2007 no Jornal de Brasília/DF, atacou a citada IN, comentando: "Essa generalização da quebra do sigilo bancário, que é cláusula pétrea do artigo 5º da Constituição, presume que todos sejam salafrários, e chega a ser bisbilhotice. A presunção é de que sejamos minimamente honestos. Se houver indícios de sonegação, a Receita e o Ministério Público têm de recorrer ao Judiciário, que tem o poder de decretar a quebra de sigilos bancários."
A Confederação Nacional das Profissões Liberais ingressou no STF com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4006, com pedido de liminar, pugnando que a quebra de sigilo autorizada pela IN encimada desrespeitaria à Constituição, que em seu artigo 5º, XII, afirma que o sigilo só pode ser afastado por ordem judicial, nas hipóteses que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) também tocou uma ADIN, mas aduzindo argumento novo, no sentido de que Instrução Normativa da Receita é novo efeito ilegal da aplicação da lei LC 105/01.
Com a possibilidade da vinda da nova CSS (contribuição que ingressará no lugar da CPMF), os dados bancários novamente serviriam para o uso da quebra do sigilo bancário.
Contudo, recentemente, o STF, pelo Pleno, acabou por voltar atrás na decisão que havia proferido na medida cautelar negada na Ação Cautelar nº 33, na qual a contribuinte buscava impedir que a Receita Federal tivesse a acesso a seus dados bancários sem a autorização do Poder Judiciário, conforme autoriza da Lei Complementar nº 105/01 e o Decreto 3.724/01. Julgando o próprio Recurso Extraordinário nº 389.908, ao qual a Ação Cautelar nº 33 buscava atribuir efeito suspensivo, o STF entendeu que o Estado tem poder para investigar e fiscalizar, mas a decretação da quebra de sigilo bancário só pode ser feita mediante ordem emanada do Poder Judiciário.
Agora, pergunta-se: como ficam as autuações fiscais efetivadas sem autorização judicial, na medida em que as decisões Diretas de Inconstitucionalidade têm efeito retroativo, salvo modulação de efeitos? Devem ser cancelados?
Felippe Alexandre Ramos Breda*
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