terça-feira, 28 de setembro de 2010

Compras externas assustam

O aumento das importações, ditado pelo ritmo de crescimento interno, já é motivo de preocupação entre especialistas. Eles alertam sobre o risco de deficit em 2011

 

A balança comercial brasileira começa a gerar preocupação entre especialistas. Aquecidas pela forte demanda do mercado consumidor brasileiro, as importações do país vêm crescendo a um ritmo mais acelerado do que as exportações, afetadas pelo ritmo mais lento da recuperação das principais economias mundiais. Com isso, pouco a pouco, diminui o saldo resultante da diferença entre o que o país vende e o que compra. Nesse cenário, analistas apontam que o resultado — hoje positivo — pode se transformar em deficit em 2011.

 

“Com a economia mundial crescendo mais lentamente do que a nacional, é de se esperar que as importações aumentem em maior proporção do que as exportações. A tendência é de que continue a deterioração do resultado da balança”, afirma a diretora do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), Sandra Rios, para a qual a saída está no aumento da competitividade das empresas.

 

No acumulado de janeiro até a terceira semana de setembro deste ano, as vendas ao exterior somaram US$ 136,74 bilhões. Na comparação com a média diária do mesmo período de 2009, as exportações cresceram 28,2%. As importações, na mesma base de comparação, foram de US$ 124,24 bilhões, valor 45,4% acima da média registrada no mesmo período de 2009. O superavit da balança comercial no ano chegou a US$ 12,5 bilhões, com média 41,1% abaixo da registrada no mesmo período do ano passado.

 

Sandra cita a necessidade de que a Receita Federal pague às exportadoras brasileiras os créditos devidos, que somam até R$ 30 bilhões, no caso dos tributos federais, e mais cerca de R$ 20 bilhões em ICMS. “O acúmulo de crédito tributário nas exportações é o mais urgente para ser resolvido. O novo governo deveria concentrar esforços nesse sentido logo no início do mandato”, sugere. O Ministério da Fazenda anunciou em agosto que faria a liberação imediata de 50% dos créditos devidos aos exportadores, mas isso ainda não ocorreu.

 

Burocracia

A não tributação das exportações é um direito constitucional. No Brasil, os tributos são pagos ao longo da cadeia produtiva — quando a empresa compra insumos utilizados na produção, por exemplo. Ao fim do processo, esses impostos teriam de ser devolvidos. Em outros países, no entanto, não há acumulação de tributos, o que desonera os exportadores. “Essa é uma anomalia do sistema brasileiro”, diz Sandra. Além de mudanças na área tributária, ela considera importantes a redução na burocracia aduaneira e a melhoria da infraestrutura.

 

As medidas de aumento da competitividade das empresas brasileiras no exterior se tornarão ainda mais relevantes, segundo a diretora do Cindes, em um cenário em que seja necessário elevar as vendas de manufaturados. Hoje, as exportações brasileiras estão muito centradas em commodities (matérias-primas negociadas em bolsas de mercadorias). Essas vendas, no entanto, dependem do comportamento da economia da China, o principal mercado mundial.

 

Barreiras

“A tendência, com o tempo, é que, se o crescimento da China se acomodar, teremos queda nas exportações de commodities e a única forma de equilibrarmos isso seria o aumento das vendas de manufaturados, acreditando na recuperação de outros mercados”, analisa Sandra. O vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, acredita que este cenário tornou-se mais possível de ocorrer depois que os Estados Unidos — que pretendem dobrar as suas exportações até 2015 — colocaram barreiras direcionadas, principalmente, aos produtos chineses. “Se as exportações da China para o EUA diminuírem, o país produzirá menos e terá menor necessidade de importar os produtos básicos do Brasil”, diz.

 

Outra consequência desse movimento é que os próprios preços cairão no mercado internacional, o que afetará fortemente o Brasil. “Apenas cerca de 20% do crescimento das nossas exportações estão relacionados a preço. Os outros 80% são efeito da elevação. Ou seja, enquanto as commodities estiverem no patamar atual de preços, o Brasil tirará proveito da situação. É por isso que o saldo da balança comercial ficará em cerca de US$ 17 bilhões ou US$ 18 bilhões em 2010”, explica. “Mas o cenário é nebuloso: poderemos ter um deficit caso haja uma queda nos preços”, alerta.

 

O número

US$ 124,24 bilhões

Valor dos produtos estrangeiros que entraram no Brasil entre janeiro e a terceira semana de setembro, com alta de 45,4% sobre 2009

 

 

Indústria aquecida

 

 

 

 

 

Pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra novo aquecimento nas atividades do setor. Pelo levantamento, o índice que mostra crescimento da produção subiu de 53,4 pontos em julho para 55,1 em agosto. Também exibe, na mesma base de comparação, um aumento da utilização da capacidade instalada de 49,1 para 51 pontos. Apesar da aceleração, os estoques se mantiveram estáveis. Na contramão dos resultados positivos, a sondagem aponta uma queda de otimismo por parte do empresariado. As expectativas para setembro, relacionadas à exportação, à demanda e às compras de matéria-prima, caíram em comparação ao mês anterior.

 

Na avaliação do gerente executivo de pesquisas da CNI, Renato da Fonseca, a diminuição da crença positiva dos empresários não gera preocupações e a estabilidade dos estoques mostra que as industrias têm dado conta das demandas. Ele acredita em recuperação, ainda que lenta, nos níveis anteriores à crise econômica mundial e argumenta que os resultados do mês de agosto confirmam essa perspectiva. A seu ver, a situação será normalizada com a volta da oferta de crédito internacional e das exportações.

 

Pressões

“Claramente, o momento é bom. Os investimentos para melhora da produção estão acontecendo e o crescimento deve manter um ritmo equilibrado para que não aconteçam pressões inflacionarias”, diz.

 

A reação das indústrias em 2010 também pode ser atribuída aos incentivos fiscais concedidos por parte do governo ao longo do ano, segundo professor da Fundação Getulio Vargas (FVG), Evaldo Alves.

 

Em sua opinião, o pico da recuperação deve ser atingido no Natal. “O Brasil fortaleceu as parcerias econômicas com China e Índia e o redirecionamento da oferta para o mercado interno foi positivo para que as perdas diminuíssem”, argumenta.

 

Quem discorda dessa avaliação é o professor de economia do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), Otto Nogami. Para ele, a indústria está atrasada em relação à quantidade de investimentos e ainda precisa adequar a produção às demandas que a sociedade impõe. O crescimento do consumo, na avaliação de Nogami, é reflexo do bom momento econômico que vive o país

(aspas)

 

Por : Mariana Mainenti, para o Jornal “Correio Braziliense”, 25/09/2010

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