terça-feira, 28 de setembro de 2010

Câmbio torna antidumping contra China ineficaz, diz estudo

 

O Brasil utiliza pouquíssimo os instrumentos de defesa comercial contra importações baratas originárias da China, comparado a outros países. Mesmo a aplicação desses mecanismos, como sobretaxas, contudo, estão se tornando ineficazes diante da moeda chinesa desvalorizada e do real apreciado, que afeta cada vez mais a competitividade dos produtos brasileiros. O alerta é da professora Vera Thorstensen, que foi a assessora econômica da missão diplomática do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) por 18 anos e desde julho coordena o Centro do Comércio Global e do Investimento, da Fundação Getulio Vargas (FGV)

 Estatísticas mostram que no Brasil, de 136 processos de investigação antidumping abertos de 1980 até julho, 35% alvejam importações da China. Dos casos investigados, 27 terminaram com imposição de direito, dez foram concluídos sem imposição de direitos, dez continuam sob investigação (três revisões) e 26 casos permanecem com direito em vigor.

Os produtos afetados com sobretaxa, por causa de preço deslealmente baixo, incluem imã de ferrite, garrafa térmica, cadeado, armação de óculos, lápis de mina, pneus de automóveis, calçados, seringas descartáveis e alho. "Dos produtos com imposição de direitos antidumping ou sob investigação, a grande maioria representa produtos específicos, de restrito efeito econômico nas cadeias produtivas", diz Vera em seu estudo. Efeitos mais significativos no desempenho setorial podem ocorrer na indústria de calçados, têxtil, químico, plásticos e fertilizantes.

Comparando com outros países, o Brasil recorre bem menos a instrumentos de defesa comercial contra os produtos baratos chineses. Vera utiliza estatísticas do Banco Mundial mostrando que entre 1980 e 2010, os países abriram 820 investigações e sobretaxas contra a China. Os EUA lideram, com 157; a Índia, com 133; a UE, com 130. O Brasil, com 47, fica atrás da Turquia, Argentina e México.

A professora não entra no detalhe de porque isso acontece, se é por decisão política pela relação bilateral ou por falta de pessoal no governo. Mais preocupante, segundo ela, é o cenário cambial. "É o mais sério problema a ser enfrentado pelo Brasil em relação à China", diz.

"Partindo-se de estimativas de que o câmbio chinês está desvalorizado em relação ao dólar em torno de 40%, segundo o Peterson Institute (EUA), e que o real está valorizado em relação ao dólar cerca de 15% no mesmo período, o diferencial do câmbio se eleva a 55%", diz ela. "Com esse valor, as exportações brasileiras para o mercado chinês acabam sendo afetadas na sua competitividade quando comparadas com os demais exportadores, o que em parte explica a concentração da pauta brasileira."

O desequilíbrio é persistente entre a magnitude e a composição do comércio entre os dois países. Ao mesmo tempo em que o Brasil concentra suas exportações em produtos de menor valor agregado, a China diversifica suas exportações e ganha mercados em parcela significante dos setores de maior valor agregado, diz. Ou seja, nenhum instrumento de defesa comercial previsto pela OMC pode ser usado eficazmente contra a China na atual situação cambial, porque os fluxos de comércio e os valores das medidas de antidumping, compensatórias e salvaguardas não podem ser ajustados.

O FMI prevê que os países devem evitar a manipulação das taxas de câmbio de forma a ganhar vantagem competitiva desleal sobre outros membros. O problema é que o FMI não define o que seja manipulação das taxas de câmbio nem tem um mecanismo para evitar isso. Já as regras da OMC estão baseadas em fluxos de comércio e porcentagens. A moeda utilizada na OMC é o dólar. Qualquer país com moedas desvalorizadas por longos períodos cria subsídios para a exportação e impostos contra as importações, e o inverso para moedas valorizadas.

Assim, diz Vera, moedas desvalorizadas além de certo ponto e por longos períodos, tornam os instrumentos da OMC ineficazes, afetando a credibilidade da própria instituição. Para a professora, uma solução seria passar as moedas por um filtro ou cesta de moedas ponderadas pela participação dos países no comércio internacional. Dessa maneira os fluxos de comércio seriam ajustados e os velhos instrumentos do GATT e da OMC retomariam sua eficácia. "A questão do câmbio não pode ficar fora da OMC, senão guerras cambiais se transformarão em guerras comerciais e a OMC não tem instrumentos para solucioná-las", conclui a professora.

(aspas)

 

Por : Assis Moreira, para o Jornal “Valor Econômico”, 21/09/2010            

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