quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Collor tinha razão; o carro brasileiro era uma carroça

Abertura da importação e queda da Lei de Informática alavancaram indústria

 

Hitler sonhou com um carro popular do qual resta hoje a marca Volkswagen (em alemão, Volks significa povo, e Wagen, carro). O modelo começou a ser produzido no Brasil em 1959 e teve sua fabricação suspensa em 1986, condenado à morte pelo congelamento de preços.

A retomada da produção foi forçada pelo ex-presidente Itamar Franco por motivos sentimentais, embora sob o pretexto de viabilizar a aquisição pelo povo de baixa renda. Em contrapartida, ofereceu uma redução tributária. A fábrica acatou sua vontade, mas quase ninguém comprou o "novo" Fusca...

As demais montadoras aproveitaram para pedir carona em idêntico tratamento tributário. Vários critérios técnicos poderiam ter sido escolhidos para o benefício, como o grau de consumo de combustível ou de poluição, mas prevaleceu, por razões políticas, o limite máximo para o motor de 1.000 cm³.

Em agosto de 1990, a alíquota do IPI sobre esses veículos foi reduzida de 37% para 20%, depois para 8% e temporariamente para 0,1%. Como, naquele momento, só uma empresa oferecia essa especificação, as demais tiveram de fazer investimentos para participar dele.

O efeito da medida não se fez esperar: em uma década, a participação desses carros no mercado chegou a 55%.

Recentemente, como parte da terapia para a superação da crise nos EUA, reduziu-se novamente a carga tributária e o mercado cresceu outra vez de forma acelerada.

 

CUSTOS

Em todas essas experiências políticas, observa-se que a ideia de popularidade para os veículos está associada a preço baixo. Mas carro não é um bem simples, barato.

Ele carrega custos de mais de 5.000 peças, cujo desenvolvimento e produção exigem grande investimento em mão de obra, tecnologia, etc. Por isso será sempre caro.

A única parcela de custo que pode realmente ser reduzida é a carga tributária, porque a eficiência e a escala de produção são perseguidas por todas as empresas ao chicote da concorrência.

O adquirente de um veículo no Brasil está destinado a pagar quase 50% do preço efetivo do carro, enquanto no resto do mundo o percentual médio dessa tributação situa-se por volta de 10%.

Se o imposto caísse, as vendas cresceriam, e com elas, a produção, o emprego, a massa salarial e até a arrecadação tributária final.

O que, na verdade, mais popularizou o automóvel no Brasil foram duas medidas adotadas pelo governo Collor: a segunda abertura dos portos brasileiros e a revogação da Lei de Informática, que possibilitaram a estabilidade econômica para as empresas, seguida de natural redução de custos e preços.

 

ABERTURA

O Brasil estava economicamente fechado para o mundo desenvolvido. Como a importação era praticamente proibida e o comércio internacional só se dá em duas mãos, inexistia a exportação de bens industrializados.

Foi a liberação do comércio exterior que abriu os olhos dos brasileiros para a tecnologia. Permanecia um obstáculo: a lei que, a pretexto de proteger e estimular o desenvolvimento da indústria da informática, proibia a importação de equipamento.

As montadoras estavam impedidas de utilizar máquinas computadorizadas e de importar peças informatizadas para seus veículos. Era essa tecnologia que dava o grande diferencial da produção internacional.

O primeiro pedido de importação de 16 robôs por uma montadora demorou dois anos para ser deferido e a autorização final foi condicionada ao comodato, por dois anos, para um instituto brasileiro de pesquisa que nunca abriu a embalagem.

Na Europa, Collor dirigiu um veículo de última geração e ficou maravilhado. Em seguida, em um encontro com empresários, na Suíça, proferiu uma de suas frases de efeito: "os carros brasileiros são carroças".

Ora, ele tinha razão -a defasagem tecnológica de nossa produção era grande. Em seu retorno ao Brasil, Collor enviou ao Congresso um projeto de lei revogando a Lei de Informática.

Os preços relativos dos veículos começaram a cair, e a exportação aumentou os volumes de produção.

(aspas)

Por : JACY DE SOUZA MENDONÇA,  advogado, foi diretor jurídico e de RH da Volkswagen, vice-presidente da Fiesp e, de 1989 a 1992, presidente da Anfavea

(Jornal “Folha de S. Paulo”, 29/08/2010)

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