Entre as armas contra a concorrência estrangeira, deve crescer de importância no Brasil a aplicação de sobretaxas como compensação contra importações de setores subsidiados no país de origem. E, para reduzir prazos de investigações contra importados acusados de dumping - a venda a preço abaixo do normal -, devem aumentar as exigências feitas a fabricantes nacionais para a abertura desses processos. Essas medidas se espelham no que é feito nos Estados Unidos, e refletem um novo tipo de relacionamento entre os dois países em matéria de comércio.
Até recentemente, era negativa, apenas, a agenda Brasil-EUA em matéria de defesa comercial. Do lado brasileiro, há uma lista de encrencas com os americanos, a começar pelo questionamento a métodos já condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), usados nos Estados Unidos para decretar medidas antidumping contra produtos do Brasil - e da China e outros países. A mudança para uma agenda positiva começou com o acordo firmado no governo Lula para cooperação em comércio, e que, na semana passada, levou a Washington uma equipe chefiada pelo diretor do Departamento Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Felipe Hees.
A viagem de Hees, para troca de experiências com um time de 40 técnicos, especialistas do governo americano, coincidiu com a abertura de consulta pública para revisão do decreto que regula, no Brasil, os procedimentos da defesa comercial. E, enquanto o sistema brasileiro surpreendeu os americanos pelo grau de transparência dos processos, o modelo dos EUA tem várias características que o Ministério do Desenvolvimento pensa em aproveitar no novo decreto, a sair ainda neste ano.
Será mais fácil abrir demandas contra subsídios chineses
O Brasil, por exemplo, tem pouca prática na aplicação de medidas compensatórias usadas para anular subsídios concedidos deslealmente por governos estrangeiros aos exportadores locais. Hoje, as regras para abertura de processos antidumping são semelhantes às dos procedimentos para combater esses subsídios irregulares. Nos EUA, até a apresentação de notícias de jornal serve de base para a abertura de investigações, nesses casos. "É interessante essa ideia, de usar parâmetro de exigência mais baixo para pedido de medidas compensatórias", diz Hees. "Vamos seguir o mesmo tipo de critério", afirma.
A investigação continuará rigorosa, mas o setor privado terá maior facilidade de acionar o governo, para que os técnicos de defesa comercial cobrem explicações sobre subsídios à exportação em outros países, explica.
Embora Hees afirme que a medida se destina a qualquer país e exportador, as implicações da mudança são claras: ficará mais fácil abrir demandas contra os subsídios chineses aos produtores locais. As medidas compensatórias tendem a ser uma arma mais poderosa contra a concorrência da China. Em cinco anos, a OMC reconhecerá a China como "economia de mercado", o que dificultará processos antidumping contra o país asiático.
Hoje, para verificar qual é o "preço normal", abaixo do qual há dumping, pode-se escolher o mercado de qualquer país; a partir de 2016, o preço de referência passará a ser o do mercado chinês. Vai ser mais difícil provar que os chineses vendem abaixo do "preço normal". Aí entram as medidas compensatórias: especialistas do setor apontam a existência de uma miríade de mecanismos estatais de ajuda à produção industrial na China, que poderia ser caracterizada como subsídio ilegítimo à produção exportável. Mas provar a irregularidade não é fácil.
Em março deste ano, a China questionou na OMC medidas compensatórias aplicadas pelos EUA, e teve ganho parcial: o órgão de apelação encarregado das disputas comerciais rejeitou o argumento americano de que o apoio de empresas estatais seria apoio de órgão público aos exportadores privados; mas aceitou medidas compensatórias contra apoio de bancos comerciais públicos. Como apontou na época o economista Pedro da Mota Veiga, os padrões da OMC para identificar "órgãos públicos" subsidiando exportadores é alto, o que não facilita em nada proteger-se da China com esse instrumento.
O governo parece interessado em estimular os exportadores brasileiros a pedir medidas compensatórias, porém não só contra os chineses. E técnicos estudam aplicar a prática americana de cumprir em seis meses as investigações sobre produtos chineses, hoje estendidas por até doze meses. O grau de integração entre investigações de defesa comercial e a alfândega, nos Estados Unidos, é maior que no Brasil, e esse é um outro ponto no qual o Ministério do Desenvolvimento quer se espelhar no exemplo americano.
Tema polêmico, a defesa comercial alimenta fantasias protecionistas e temores de empresas especializadas em importação. Vale acompanhar o resultado das consultas abertas pelo Ministério do Desenvolvimento. Mesmo consciente de que não está aí a solução da perda de competitividade da economia brasileira, o governo abraçou decididamente esse instrumento de política, entre as ferramentas para lidar com a crônica pressão competitiva sobre as indústrias nacionais.
(aspas)
Por : Sérgio Léo, repórter especial do Jornal “Valor Econômico”, 05/09/2011
Até recentemente, era negativa, apenas, a agenda Brasil-EUA em matéria de defesa comercial. Do lado brasileiro, há uma lista de encrencas com os americanos, a começar pelo questionamento a métodos já condenados pela Organização Mundial do Comércio (OMC), usados nos Estados Unidos para decretar medidas antidumping contra produtos do Brasil - e da China e outros países. A mudança para uma agenda positiva começou com o acordo firmado no governo Lula para cooperação em comércio, e que, na semana passada, levou a Washington uma equipe chefiada pelo diretor do Departamento Comercial do Ministério do Desenvolvimento, Felipe Hees.
A viagem de Hees, para troca de experiências com um time de 40 técnicos, especialistas do governo americano, coincidiu com a abertura de consulta pública para revisão do decreto que regula, no Brasil, os procedimentos da defesa comercial. E, enquanto o sistema brasileiro surpreendeu os americanos pelo grau de transparência dos processos, o modelo dos EUA tem várias características que o Ministério do Desenvolvimento pensa em aproveitar no novo decreto, a sair ainda neste ano.
Será mais fácil abrir demandas contra subsídios chineses
O Brasil, por exemplo, tem pouca prática na aplicação de medidas compensatórias usadas para anular subsídios concedidos deslealmente por governos estrangeiros aos exportadores locais. Hoje, as regras para abertura de processos antidumping são semelhantes às dos procedimentos para combater esses subsídios irregulares. Nos EUA, até a apresentação de notícias de jornal serve de base para a abertura de investigações, nesses casos. "É interessante essa ideia, de usar parâmetro de exigência mais baixo para pedido de medidas compensatórias", diz Hees. "Vamos seguir o mesmo tipo de critério", afirma.
A investigação continuará rigorosa, mas o setor privado terá maior facilidade de acionar o governo, para que os técnicos de defesa comercial cobrem explicações sobre subsídios à exportação em outros países, explica.
Embora Hees afirme que a medida se destina a qualquer país e exportador, as implicações da mudança são claras: ficará mais fácil abrir demandas contra os subsídios chineses aos produtores locais. As medidas compensatórias tendem a ser uma arma mais poderosa contra a concorrência da China. Em cinco anos, a OMC reconhecerá a China como "economia de mercado", o que dificultará processos antidumping contra o país asiático.
Hoje, para verificar qual é o "preço normal", abaixo do qual há dumping, pode-se escolher o mercado de qualquer país; a partir de 2016, o preço de referência passará a ser o do mercado chinês. Vai ser mais difícil provar que os chineses vendem abaixo do "preço normal". Aí entram as medidas compensatórias: especialistas do setor apontam a existência de uma miríade de mecanismos estatais de ajuda à produção industrial na China, que poderia ser caracterizada como subsídio ilegítimo à produção exportável. Mas provar a irregularidade não é fácil.
Em março deste ano, a China questionou na OMC medidas compensatórias aplicadas pelos EUA, e teve ganho parcial: o órgão de apelação encarregado das disputas comerciais rejeitou o argumento americano de que o apoio de empresas estatais seria apoio de órgão público aos exportadores privados; mas aceitou medidas compensatórias contra apoio de bancos comerciais públicos. Como apontou na época o economista Pedro da Mota Veiga, os padrões da OMC para identificar "órgãos públicos" subsidiando exportadores é alto, o que não facilita em nada proteger-se da China com esse instrumento.
O governo parece interessado em estimular os exportadores brasileiros a pedir medidas compensatórias, porém não só contra os chineses. E técnicos estudam aplicar a prática americana de cumprir em seis meses as investigações sobre produtos chineses, hoje estendidas por até doze meses. O grau de integração entre investigações de defesa comercial e a alfândega, nos Estados Unidos, é maior que no Brasil, e esse é um outro ponto no qual o Ministério do Desenvolvimento quer se espelhar no exemplo americano.
Tema polêmico, a defesa comercial alimenta fantasias protecionistas e temores de empresas especializadas em importação. Vale acompanhar o resultado das consultas abertas pelo Ministério do Desenvolvimento. Mesmo consciente de que não está aí a solução da perda de competitividade da economia brasileira, o governo abraçou decididamente esse instrumento de política, entre as ferramentas para lidar com a crônica pressão competitiva sobre as indústrias nacionais.
(aspas)
Por : Sérgio Léo, repórter especial do Jornal “Valor Econômico”, 05/09/2011
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