Enfrentar a concorrência de importados chineses no Brasil não é novidade para as empresas nacionais. O problema agora está na disputa com a sua própria marca no exterior, pirateada de países como China e Índia. E não se trata de produtos de alto valor agregado, como cosméticos ou roupas de grife. Mas sim de chuveiros de R$ 29, chinelos de R$ 16 e até pirulitos de menos de R$ 1. Esses são os valores dos produtos no Brasil, oferecidos a uma faixa de preço similar em mercados em desenvolvimento, como África e América Latina. Ainda assim, as versões piratas conseguem ser até 50% mais baratas.
"Os falsificadores são extremamente flexíveis: fazem uma versão do nosso produto, com o acabamento e a quantidade que o cliente deles quiser", diz o presidente da fabricante de doces Dori, Carlos Barion. A empresa de Marília (SP), maior produtora nacional de balas e gomas, teve o pirulito Facepop copiado em países da África por indianos. Os dados do fabricante foram omitidos da embalagem.
A Dori descobriu a versão falsa quando precisou remarcar o preço do Facepop, por conta da alta do açúcar, e ouviu do seu cliente no Congo que ele conseguia encontrar o mesmo pirulito 50% mais barato. As vendas no país despencaram. "O Congo já representou 10% das nossas vendas na África, mas hoje não chega a 5%", diz Barion. "No país, nossa venda do Facepop acabou". O continente africano representa 20% das exportações da Dori, que somaram R$ 45 milhões em 2010. A fabricante, que faturou R$ 429 milhões em 2010, exporta para 45 países, a maioria do Mercosul e da África.
Não se trata de um caso isolado. A Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) estuda medidas para coibir a pirataria de marcas nacionais no exterior, que atinge até fabricantes de menor porte como a Riclan, de Rio Claro (SP), e a Jazam, de Pompeia (SP). Nesses casos, a versão pirata mudou de nome. Uma cópia chinesa do pirulito Pop Mania, da Riclan, chegou a Moçambique este ano batizada de "Top Pop", com a mesma identidade visual e sabores, mas 20% mais barata.
A Jazam encontrou há quatro meses uma cópia falsa do seu carro-chefe, o creme de avelã Ducrem. "Descobrimos que importadores chilenos encomendaram aos chineses uma versão pirata do nosso produto, chamada de Tucrema e com preço menor", diz a gerente de marketing da Jazam, Fernanda Jardim. Por meio do seu distribuidor, a Jazam procurou conscientizar os varejistas da qualidade inferior do produto. Mas as vendas caíram 50% no Chile, segundo a empresa, que tem cerca de 10% do faturamento anual, de R$ 70 milhões, provenientes de exportação. "Não podemos registrar patente em todos os 30 países para onde exportamos, porque o preço do meu produto deixaria de ser competitivo", diz Fernanda.
Mas foi essa a medida encontrada pela fabricante de duchas Lorenzetti para tentar inibir a pirataria. "Nas embalagens das versões piratas das nossas duchas, é copiado não só o endereço da empresa, em São Paulo, como até o selo do Inmetro", diz o vice-presidente da Lorenzetti, Eduardo José Coli. As versões piratas invadem principalmente as prateleiras de varejistas - inclusive de grande porte - na América Latina. "No México, é comum você chegar a uma grande loja, pedindo uma ducha nossa, e o vendedor perguntar: "Quer Lorenzetti ou chino?"", diz Coli.
Para a empresa, a prática não é nova. "Em 2003, fomos para uma feira em Cantão, na China, e descobrimos uma fábrica de produtos com a nossa marca", lembra Coli. Em 2005, também em uma feira na China, representantes da fabricante encontraram um estande com produtos com o mesmo design que os da Lorenzetti, mas vendidos sob outro nome. "Conseguimos fechar o estande por dois dias, mas o pirateador tirou o miolo do produto e afirmou que nós só tínhamos a patente do mecanismo e não do design e voltou a expor".
A Lorenzetti passou então a acionar escritórios de advocacia em todos os 40 países para os quais exporta e começou a registrar localmente a patente dos produtos. "Conseguimos reduzir bastante as falsificações, mas o preço é alto", diz Coli. Paga-se cerca de US$ 15 mil ao ano, por produto, no processo de registro de marca e patente em cada país. A fabricante, que deve faturar R$ 700 milhões em 2011, faz 12% das vendas no exterior. Outra medida é usar processos fabris, como injeção assistida a gás, que não conseguem ser copiados pelos falsificadores, pelo alto custo envolvido. "Fizemos isso com a Bella Ducha e o produto não foi pirateado", afirma Coli.
A Alpargatas, dona de marcas como Havaianas, Topper e Mizuno, investe até US$ 4 milhões por ano para monitorar suas marcas em todo o mundo, inclusive no Brasil, diz o presidente Márcio Utsch. "Em Havaianas, também adotamos sinais na sola e na tira que não conseguem ser copiados pelos falsificadores", diz Utsch.
Mas que ninguém duvide da ousadia dos piratas. Até as apostilas da escola de inglês Wizard, do grupo Multi, foram copiadas na China, onde a empresa mantém uma parceria com o governo local.
(aspas)
Por Daniele Madureira, de São Paulo, para o Jornal “Valor Econômico”, 27/09/2011
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