quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Regime de Origem no Mercosul

 

O Mercado Comum do Sul (Mercosul) é, atualmente, ainda uma união aduaneira, formada pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Como união aduaneira, os países membros adotam, em regra, as mesmas tarifas sobre a importação de bens originados de países extrabloco (não membros), denominadas tarifas externas comuns (TECs), bem como adotam preferências tarifárias - isenção ou redução do imposto de importação - nas transações intrabloco (entre membros).

 

Somente os bens considerados originários de países membros do Mercosul podem usufruir das preferências tarifárias previstas para o comércio intrabloco. A caracterização de um bem como originário de um país membro depende do atendimento aos critérios estabelecidos pelo Regime de Origem do Mercosul.

 

O Regime de Origem do Mercosul encontra-se definido no Quadragésimo Quarto Protocolo Adicional ao Acordo de Complementação Econômica nº 18 (ACE-18), assinado pelo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração (Aladi), criada pelo Tratado de Montevidéu de 1980, o qual foi incorporado como norma do Mercosul por meio da Decisão nº 01, de 2004, do Conselho do Mercado Comum.

 

Para que um bem seja considerado originário de um país membro do Mercosul não é necessário que ele seja integralmente produzido em um dos países membros, a partir de insumos originários de Estados-parte. O regime de origem estabelece diversos critérios para que um bem seja considerado originário. Ele reconhece como originários, por exemplo, "os produtos em cuja elaboração forem utilizados materiais não originários dos Estados-parte, quando resultantes de um processo de transformação que lhes confira uma nova individualidade, caracterizada pelo fato de estarem classificados em uma posição tarifária diferente da dos mencionados materiais" - capítulo III, artigo 3º , inciso c do ACE-18). Esse critério é denominado de "salto tarifário".

 

Outro critério previsto é que o produto possua um valor agregado mínimo no país membro, denominado Índice de Conteúdo Regional. Esse critério é subsidiário ao critério de salto tarifário acima mencionado. O Inciso d, do artigo 3º, do ACE-18, estabelece que, nos casos em que o requisito estabelecido na letra c (salto tarifário) não possa ser cumprido porque o processo de transformação operado não implica mudança de posição tarifária, será suficiente que o valor CIF porto de destino ou CIF porto marítimo dos insumos de terceiros países não exceda 40% do valor FOB das mercadorias de que se trate.

 

Portanto, o Regime de Origem do Mercosul estabelece como padrão o Índice de Conteúdo Regional mínimo de 60% do valor FOB da mercadoria. No caso do Paraguai, o Índice de Conteúdo Regional mínimo é de 40% (Decisão CMC nº 29, de 2003, artigo 1º, alterado pela Decisão CMC nº 16, de 2007, artigo 3, objeto do Sexagésimo Quinto Protocolo Adicional ao ACE-18). Esse percentual diferenciado para o Paraguai vigorará até 31 de dezembro de 2022.

 

Alguns produtos sofrem transformação em mais de um Estado-parte ou são compostos de partes e peças originárias de outros Estados-parte. Nesses casos, o regime de origem determina que, para o cálculo do Índice de Conteúdo Regional, deve-se levar em consideração todos os insumos originários agregados ao produto nos Estados-parte. Esse mecanismo, denominado de "Acumulação Total de Origem Intra-Mercosul, está previsto no artigo 7º do Regime de Origem do Mercosul - Quadragésimo Quarto Protocolo Adicional ao ACE-18.

 

Deve-se atentar ainda para o fato de que alguns produtos estão sujeitos a requisitos específicos de origem, os quais estão arrolados no Anexo I do Quadragésimo Quarto Protocolo Adicional ao ACE-18.

 

Além do regime de origem, existem outros regimes de origem previstos em acordos bilaterais, tal como o regime de origem para o comércio de veículos entre Brasil e Argentina, previsto no 38º Protocolo Adicional ao ACE-14, que trata da política automotiva entre os dois países.

 

Existem também regimes de origem diferenciados previstos em acordos firmados entre o Mercosul e terceiros países, tais como o ACE-55 firmado com o México, que prevê regras para o comércio de produtos do setor automotivo, e o ACE-35 firmado com o Chile.

 

Recentemente, o Brasil ratificou o Acordo de Comércio Preferencial firmado entre o Mercosul e a Índia - Decreto nº 6.864, de 29 de maio de 2009. Para usufruir das preferências tarifárias previstas no referido acordo, os bens devem atender ao regime de origem nele estabelecido.

 

Ressalte-se que existem diversos detalhes relacionados aos critérios de qualificação de bens como originários que não foram abordados acima, visto que o presente texto tem como objetivo apenas fornecer uma noção inicial acerca das regras de origem aplicáveis no âmbito do Mercosul, sem pretensão de expor em minúcias cada critério previsto.

 

No que toca à comprovação da origem de determinado bem, é necessário se obter o Certificado de Origem, o qual é expedido pelo órgão competente do país de procedência da mercadoria. No caso do Brasil, as entidades autorizadas pela Secretaria de Comércio Exterior a emitir certificados de origem estão arroladas na Circular Secex nº 29, de maio de 2009.

 

Diante da diversidade de critérios previstos no Regime de Origem do Mercosul e em acordos bilaterais, firmados inclusive com terceiros países, as empresas que realizam operações de comércio exterior envolvendo países do Mercosul devem ficar atentas para não deixarem de usufruir preferências tarifárias a que teriam direito.

 

(aspas)

 

Por    : Rafael Capanema Petrocchi, advogado do escritório Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos Advogados e especialista em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV)

Fonte : Jornal “Valor Econômico”, 12/01/2010

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