Fonte: www.decisoes.com.br (Assinem!!!)
24/03/2009 - Julgamento da ADPF 101, sobre Importação de Pneus Usados, é suspenso por pedido de vista do Ministro Eros Grau
Foi a julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, no dia 11 de março do corrente ano, a Arguição de Descumprimento de Preceito Federal (ADPF) 101/DF proposta pela Presidência da República, em razão das decisões judiciais que autorizam a importação de pneus usados, sob o argumento de que estas ofendem os preceitos inscritos nos artigos 196 e 225 da Constituição Federal Brasileira.
As inúmeras sentenças proferidas pelos Tribunais contrariando as Portarias do Departamento de Operações de Comércio Exterior - DECEX, da Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, as Resoluções do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA e os Decretos federais, além dos acordos em âmbito internacional foram analisadas na ADPF, sob relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Tais normas internas proíbem expressamente a importação de bens de consumo usados, especialmente os pneus, ressalvados os remoldados oriundos dos países membros do MERCOSUL. Outra razão suscitada para a arguição, é a insegurança jurídica decorrente das inúmeras interpretações e decisões divergentes quanto à matéria.
Por maioria, foi rejeitada a preliminar de não cabimento da ação e, em razão das inúmeras ações judiciais divergentes e outras tantas pendentes de decisão nos diversos graus de jurisdição, inclusive no STF, entendeu-se atendido o princípio da subsidiariedade que levou à tentativa de solucionar a questão. Foi vencido o Min. Marco Aurélio, que argumentou ser inadequada a ADPF como recurso à situação em pauta.
Na apreciação do mérito, a relatora deu parcial procedência ao pedido, declarando a validade constitucional do "art. 27 da Portaria DECEX 8/91; do Decreto 875/93, que ratificou a Convenção da Basiléia; do art. 4º da Resolução 23/96; do art. 1º da Resolução CONAMA 235/98; do art. 1º da Portaria SECEX 8/2000; do art. 1º da Portaria SECEX 2/2002; do art. 47-A do Decreto 3.179/99 e seu § 2º, incluído pelo Decreto 4.592/2003; do art. 39 da Portaria SECEX 17/2003; e do art. 40 da Portaria SECEX 14/2004, com efeitos ex tunc. Declarou a inconstitucionalidade das decisões judiciais que permitiram as importações de pneus usados, inclusive os remoldados ressalvando os provenientes dos países do MERCOSUL, também com efeitos ex tunc. Por fim, excluiu da incidência os efeitos das decisões anteriores que transitaram em julgado, e não são objeto de nenhum questionamento, visto que "somente podem ser objeto de ADPF atos ou decisões normativas, administrativas ou judiciais impugnáveis judicialmente".
A Ministra considerou que o ponto crucial da ADPF seria determinar se as decisões judiciais que vêm permitindo a importação de pneus usados de países externos ao MERCOSUL representam descumprimento dos preceitos fundamentais referidos, assinalando ser imprescindível uma pacificação da matéria, principalmente em razão do contencioso ocorrido no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC, originado pela Solicitação de Consulta da União Européia (UE) em 2005, quando esta apontou afronta aos princípios do livre comércio e da isonomia entre os países membros da OMC, o fato de a proibição de pneus remoldados, pelo Brasil, não ser aplicável aos países do MERCOSUL. As considerações apresentadas no Relatório do Painel levaram a UE a apelar, porque este manteve a decisão do Órgão de Apelação da OMC, o qual declarou que é justificável a proibição da importação de pneus usados e reformados no Brasil, pois foi adotada "para fins de proteger a vida e a saúde humana, bem como a sua flora e fauna", embora o órgão tenha concluído que a isenção dada ao MERCOSUL, bem como as importações por meio de liminares, seriam discriminatórias, ferindo o art. XX do Acordo Geral Sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT, de 1947.
Quanto a isto acrescentou a relatora que, caso não seja firmado um entendimento unificado acerca do tema, seria plausível a "derrocada" das normas restritivas internas, pois levaria ao entendimento de que, se parte do Judiciário libera a importação é porque as razões brasileiras para a proibição não teriam respaldo no plano constitucional. Neste ponto ressaltou ainda que, em 17/12/2007, o Órgão de Solução de Controvérsias (DSB) adotou os relatórios do Painel e do Órgão de Apelação, e que, em 15/12/2008, o Brasil se comprometeu a implementar as recomendações e as regras do DSB, pari passu com as obrigações da OMC.
Prosseguindo, a julgadora dividiu a proteção pretendida entre o direito à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, de um lado, e do outro o desenvolvimento econômico sustentável, salientando que as decisões judiciais conflitantes têm levado ao descumprimento do regramento sobre matéria ambiental em favor da matéria econômica, especialmente quanto à importação de pneus usados como matéria-prima, defendida sob o argumento de suposta geração de empregos diretos e indiretos.
No que tange à legislação específica para os pneus usados, salientou a inclusão da saúde como direito social fundamental atendendo ao art. 6º da Constituição de 88, bem como os direitos previstos nos arts. 196 e 225 da Carta. Observou também que os acordos internacionais, como a Convenção de Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito, de 22.03.89, foi ratificada pelo Brasil através do Decreto 875/93, e teve reflexos no direito interno de vários países.
A edição da Portaria DECEX 8/91, pelo Departamento de Operações de Comércio Exterior, órgão subordinado à Secretaria de Comércio Exterior - SECEX, do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, vedou a importação de bens de consumo usados.
Entre outras normas editadas pelo DECEX e pela SECEX, bem como pelo CONAMA, a partir de então, mencionou a Portaria SECEX 8/2000, que proibiu a importação de pneumáticos recauchutados e usados, seja como bem de consumo, seja como matéria-prima, classificados na posição 4012 da Nomenclatura Comum do MERCOSUL.
Diante da medida, o Uruguai irresignou-se e solicitou negociações diretas com o Brasil conforme está previsto nos arts. 2º e 3º do Protocolo de Brasília, ensejando questionamento no âmbito do Tribunal Arbitral ad hoc do MERCOSUL. Em 2002 o Tribunal declarou a ilegalidade da proibição de importação de pneus remoldados de países integrantes do bloco econômico da América do Sul, obrigando o Brasil a adequar a legislação interna àquela decisão, sendo a mesma irrecorrível. Na sequencia, foi editada a Portaria SECEX 2/2002, mantendo a proibição de importação de pneus usados, excetuando os remoldados provenientes dos países-partes do MERCOSUL.
A seguir, a Ministra pautou sua argumentação em estudos sobre a utilização e reciclagem de pneus, demonstrando as consequencias ambientais e para a saúde geradas pelos mesmos, as quais resultam em total desatendimento às diretrizes constitucionais. Salientou a devida observação ao princípio da precaução e a impropriedade de se pretender que os benefícios financeiros auferidos com a reciclagem para produzir asfalto ou na indústria cimenteira, com preços industriais a menor, possam se sobrepor a um preço social sempre a maior. Frisou o direito à saúde.
Foi discutida também a questão da legalidade das restrições aos atos de comércio pretendidas pelo Brasil, os quais somente seriam cabíveis através da edição de lei e não por atos regulamentares. A magistrada afastou tal argumentação, afirmando ter sido plenamente atendido o princípio da legalidade, pois o DECEX é órgão responsável pelo monitoramento e pela fiscalização do comércio exterior, sendo vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o qual detém a competência para o desenvolvimento de políticas de comércio exterior e regulamentação e execução das atividades relativas a este. Portanto, as normas editadas por aquele órgão teriam aplicação imediata, inclusive as proibitivas de trânsito de bens e seu desembaraço para ingresso no território nacional. Acrescentou que as normas do DECEX tem fundamento direto no art. 237 da Constituição.
Quanto à exceção relativa às importações de pneus remoldados dos países membros do MERCOSUL, determinadas pelo Tribunal Arbitral, a relatora considerou que a União Européia vem se aproveitando das brechas na legislação ou as levantadas pelas liminares do judiciário para descartar o seu passivo ambiental, consistente em 2 a 3 bilhões de unidades de pneus inservíveis nos países em desenvolvimento. Salientou que, acolhida a pretensão da UE pela OMC, o Brasil estaria obrigado a receber este lixo ambiental de toda a Europa.
Considerando suficiente a exposição das dificuldades presentes na decomposição e armazenamento destes bens, o baixo percentual de aproveitamento para fins de recauchutagem (de apenas 40%), consituindo-se o restante em lixo, a propagação de doenças pelo descarte a céu aberto, a toxidade de sua incineração, afirmou ter sido demonstrado o risco para o ambiente a para a saúde pública, bem como a inviabilidade da importação de pneus usados.
Quanto o argumento de ofensa ao princípio da livre concorrência e da livre iniciativa, rebateu a relatora que, ante a possibilidade de se atribuir um peso ou valor jurídico a estes princípios e sopesá-los com aos princípios da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, preponderaria a proteção às atuais e futuras gerações, que estão ao abrigo dos últimos.
Concluiu afirmando que as autorizações judiciais à importação de pneus usados ou remoldados teriam afrontado os preceitos constitucionais da saúde e do equilíbrio ecológico, e especialmente a soberania nacional e defesa ambiental, bem como o preceito fundamental do livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei, todos expressos no art. 170, I e VI, e seu parágrafo único, da Constituição Federal. Confirmou a afronta aos arts. 196 e 225 da Carta Magna.
O julgamento foi suspenso em razão do pedido de vista do Ministro Eros Grau.
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