quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

CRIME DE DESCAMINHO - EXAURIMENTO DA ESFERA ADMINISTRATIVA - DESNECESSIDADE

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CRIME DE DESCAMINHO - EXAURIMENTO DA ESFERA ADMINISTRATIVA - DESNECESSIDADE. A persecução penal do delito de descaminho independe da constituição definitiva do crédito tributário iludido.


Na esteira de outros entendimentos externados sobre a matéria, a Quinta Turma do STJ, em voto proferido pelo Ministro Felix Fischer, reiterou que a apuração e eventual reprimenda ao crime de descaminho não está condicionada ao término da discussão administrativa envolvendo o tributo supostamente iludido no processo de internação do material importado.

Segundo o Colegiado, o delito se consuma no momento em que são praticadas as condutas vinculadas à mercadoria introduzida clandestinamente, independentemente se dessa conduta resultar imposto a recolher.

Com base nesse posicionamento, o Colegiado houve por bem denegar a ordem impetrada.


STJ - HABEAS CORPUS - 2009/0033587-7 - 16/06/2009
Superior Tribunal de Justiça - STJ - T5 - QUINTA TURMA
(Data da Decisão: 16/06/2009           Data de Publicação: 31/08/2009)



HC 129656 / SP
HABEAS CORPUS 2009/0033587-7

Relator(a): Ministro FELIX FISCHER (1109)

Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA

Data do Julgamento: 16/06/2009

Data da Publicação/Fonte : DJe 31/08/2009

Ementa : PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSOORDINÁRIO. CRIME DE DESCAMINHO. DESNECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIAADMINISTRATIVA.O encerramento do procedimento fiscal, na via administrativa, não pode ser encarado como condição objetiva de punibilidade do delito tipificado no art. 334, § 1.º, alínea ´c´, do Código Penal, tal como ocorre com os crimes contra a ordem tributária, pois este crime se consuma com a simples conduta do agente de vender, expor à venda,manter em depósito ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no país ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem, sendo, portanto,desnecessário aguardar a definição, na esfera administrativa, a respeito de ser ou não devido algum tributo em decorrência dessas condutas (Precedente da Quinta Turma desta Corte). Habeas corpus denegado.



Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Jorge Mussi votaram com o Sr.Ministro Relator.Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho.Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Jorge Mussi.

Informações Complementares

Aguardando análise.

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em benefício de (...), denunciado juntamente com outros co-réus, como incurso nas sanções dos arts. 334, § 1º, alínea c, 304, 299, todos do Código Penal, em face de v. acórdão prolatado pela c. Segunda Turma do e. Tribunal Regional Federal da 3ª Região nos autos do writ nº 2008.03.00.040391-7 e que restou assim ementado:



"HABEAS CORPUS - DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL - CRIME DE DESCAMINHO - NATUREZA - DESNECESSIDADE DE ESGOTAMENTO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO DE CONSTITUIÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO PENAL - ORDEM DENEGADA.
I - O Colendo Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que os crimes contra a ordem tributária definidos no artigo 1° da Lei nº 8.13 7⁄90, em face de sua natureza material ou de resultado, têm o término do processo administrativo de constituição do crédito tributário como condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo do tipo penal, sem o qual não há justa causa pára a ação penal (HC nº 81.611).
II - Todavia, há distinção de natureza e de. objetos jurídicos tutelados entre os crimes do artigo 1° da Lei nº 8.137⁄90, considerados na jurisprudência do C. STF, e o delito de descaminho previsto no artigo 334 do Código Penal, que inviabilizam a aplicação do mesmo entendimento sufragado pela Suprema Corte, pois enquanto os crimes do artigo 1° da Lei n° 8.137⁄90 têm como único objeto a proteção da ordem tributária, consubstanciada no interesse estatal de recebimento dos tributos que lhe são devidos, o crime de descaminho não apresenta apenas a tutela deste bem-interesse jurídico do ingresso de valores no erário público, mas sim também tutela, concomitantemente, diversos outros bens jurídicos, como o controle da entrada e saída de bens do território nacional, a proteção das atividades econômicas nacionais frente à de outros país (barreiras alfandegárias), o que está ligado à política nacional de desenvolvimento econômico, interesses públicos da Administração cuja violação não se eliminam com o mero pagamento posterior dos tributos incidentes sobre as mercadorias em caso de eventual fiscalização tributária.
III - Além disso, os crimes do artigo 1° da Lei nº 8.137⁄90 são materiais, ou de resultado, enquanto o delito de descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em. território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, não dependendo da demonstração do valor do tributo que deixou de ser recolhido.
IV - Precedente desta Corte Regional, 1ª Turma.
V - Ordem denegada" (fl. 369).

Nas razões do presente mandamus argumenta o impetrante que o paciente estaria sofrendo constrangimento ilegal, pois, segunda afirma, "O presente writ assenta-se exclusivamente na demonstração de que o crime de descaminho é por essência um crime tributário material, ou seja, como tal, apresenta como condição objetiva de punibilidade a necessidade de constituição, por via administrativa fiscal, do suposto crédito tributário.
In albis, para que se constate a ausência de justa causa quanto à acusação do crime do art. 334 do CP, não é preciso incursão no mérito da causa, basta que se dê por sua natureza de crime tributário, e que se saiba inexistir a constituição de crédito algum em favor da Fazenda com relação às Declarações de Importação (D.I.s) da denúncia (cópia em anexo), que sequer menciona a existência de autos de infração ou de mandando de procedimento fiscal.
Portanto, nestes termos, a presente impetração é legítima e possui embasamento doutrinário e jurisprudencial, como se tentará demonstrar nas linhas que se seguem.
No tocante à ação penal em comento (ação penal nº 2003.61.81.005827-5), ressalte-se que há também a imputação ao Paciente dos crimes de falsidade ideológica (CP, art. 299), crime de uso de documento falso (CP, art. 304) e crime de quadrilha ou bando (CP, art. 288). Porém, há de se consignar, que existem inúmeros julgados dos Tribunais Superiores no sentido de haver absorção do crime do art. 299 pelo do art. 334, todavia, considerando-se que tal discussão demanda incursão no mérito da causa, o impetrante deixa, na presente impetração, de deduzir mais essa potencial causa de constrangimento ilegal, reservando-se para fazê-lo oportunamente. Destarte, reprise-se, em sendo a presente ordem concedida, a ação penal prosseguirá somente quanto às demais acusações" (fls. 07⁄08).

Requer, assim, "seja concedida liminarmente a ordem de Habeas Corpus, a fim de que seja trancada a ação penal nº (...) contra o Paciente e tão-somente quanto à acusação do art. 334, § 1º, alínea c do CP, da 04ª Vara Federal Criminal da Secção Judiciária de Judiciária de São Paulo - SP, por ausência pontual de justa causa" (fl. 35).
Medida liminar indeferida.
Informações prestadas pela autoridade tida como coatora.
A douta Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pela denegação da ordem em parecer assim ementado:

"HABEAS CORPUS. CONTRABANDO OU DESCAMINHO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXIGÊNCIA DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. VIA ESTREITA IMPOSSIBILIDADE. DENEGAÇÃO.
- Demonstrada, de plano, a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou a extinção da punibilidade, é cabível o trancamento da ação penal por falta de justa causa. Sendo típica a conduta imputada ao paciente e possuindo o lastreamento probatório mínimo, não há que se falar em trancamento da ação.
- Parecer pela denegação da ordem." (fl. 392).

É o relatório.



VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER: A ordem não merece ser concedida.
Inicialmente, confira-se o que restou dito no d. voto condutor do vergastado acórdão:

"O presente "writ" não deve ser acolhido.
A impetração se fundamenta na tese de que o crime de descaminho tem a mesma natureza jurídica dos crimes contra a ordem tributária do artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90, que exigem a decisão definitiva do procedimento administrativo fiscal como condição para a ação penal. Transcrevo, a seguir, os tipos penais em confronto.

DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 - Código Penal. TÍTULO XI -DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA CAPÍTULO II - DOS CRIMES PRATICADOS POR_PARTICULAR CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
Contrabando ou descaminho
Art. 334 Importar ou exportar mercadoria proibida ou iludir, no todo ou em parte, o pagamento de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 1º - Incorre na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
a) pratica navegação de cabotagem, fora dos casos permitidos em lei; (Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
b) pratica fato assimilado, em lei especial, a contrabando ou descaminho; (Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
c) vende, expõe à venda, mantém em depósito ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no País ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte deoutrem; (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
d) adquire, recebe ou oculta, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal, ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
§ 2º - Equipara-se às atividades comerciais, para os efeitos deste artigo, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino de mercadorias estrangeiras, inclusive o exercido em residências. (Redação dada pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)
§ 3º - A pena aplica-se em dobro, se o crime de contrabando ou descaminho é praticado em transporte aéreo. (Incluído pela Lei nº 4.729, de 14.7.1965)

LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990 - Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências.  CAPÍTULO I - Dos Crimes Contra a Ordem Tributária_Seção I - Dos crimes praticados por particulares

Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato;
V - negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração  prevista no inciso V.

Consigne-se, inicialmente, que o Colendo Supremo Tribunal Federal assentou o entendimento de que os crimes contra a ordem tributária definidos no artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90, em face de sua natureza material ou de resultado, têm o término do processo administrativo de constituição do crédito tributário como condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo do tipo penal, sem o qual não há justa causa pára a ação penal.


EMENTA: I. Crime material contra a ordem tributária (L. 8137⁄90, art. 1º): lançamento do tributo pendente de decisão definitiva do processo administrativo: falta de justa causa para a ação penal, suspenso, porém, o curso da prescrição enquanto obstada a sua propositura pela falta do lançamento definitivo.
1. Embora não condicionada a denúncia à representação da autoridade fiscal (ADInMC 1571), falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipificado no art. 1º da L. 8137⁄90 - que é material ou de resultado -, enquanto não haja decisão definitiva do processo administrativo de lançamento, quer se considere o lançamento definitivo uma condição objetiva de punibilidade ou um elemento normativo de tipo.
2. Por outro lado, admitida por lei a extinção da punibilidade do crime pela satisfação do tributo devido, antes do recebimento da denúncia (L. 9249⁄95, art. 34), princípios e garantias constitucionais eminentes não permitem que, pela antecipada propositura da ação penal, se subtraia do cidadão os meios que a lei mesma lhe propicia para questionar, perante o Fisco, a exatidão do lançamento provisório, ao qual se devesse submeter para fugir ao estigma e às agruras de toda sorte do processo criminal.
3. No entanto, enquanto dure, por iniciativa do contribuinte, o processo administrativo suspende o curso da prescrição da ação penal por crime contra a ordem tributária que dependa do lançamento definitivo.
(STF - Pleno, maioria. HC 81611 UF: DF. DJ 13-05-2005, p. 006; EMENT 02191-1⁄084. Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE)

HABEAS CORPUS. PENAL. TRIBUTÁRIO. CRIME DE SUPRESSÃO DE TRIBUTO (ART. 1º DA LEI 8.137⁄1990). NATUREZA JURÍDICA. ESGOTAMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA.
1. Na linha do julgamento do HC 81.611 (rel. min. Sepúlveda Pertence, Plenário), os crimes definidos no art. 1º da Lei 8.137⁄1990 são materiais, somente se consumando com o lançamento definitivo.
2. Se está pendente recurso administrativo que discute o débito tributário perante as autoridades fazendárias, ainda não há crime, porquanto "tributo" é elemento normativo do tipo.
3. Em conseqüência, não há falar-se em início do lapso prescricional, que somente se iniciará com a consumação do delito, nos termos do art. 111, I, do Código Penal.
(STF - HC 83414 UF: RS. DJ 23-04-2004, p. 024. Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA)

HABEAS CORPUS. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, LEI Nº 8.137⁄90. PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO EM CURSO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL. PRECEDENTES. RESSALVA DO ENTENDIMENTO PESSOAL DA RELATORA.
1. A decisão definitiva do processo administrativo em que se impugna o lançamento do crédito tributário é condição objetiva de punibilidade dos crimes previstos no art. 1º da Lei 8.137⁄90. Precedente: HC 81.611 (Pleno).
2. Não há fluência do prazo prescricional enquanto não exaurido o procedimento administrativo fiscal.
3. Ordem concedida para trancar a ação penal.
(STF - HC 84457 UF: SP. DJ 29-04-2005, p. 045. RTJ 193-03⁄1046. Rel. Min. ELLEN GRACIE)

Todavia, há fundamental distinção de natureza e de objetos jurídicos tutelados entre os crimes do artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90, considerados na jurisprudência do C. STF, e o delito de descaminho previsto no artigo 334 do Código Penal, que inviabilizam a aplicação do mesmo entendimento sufragado pela Suprema Corte. Ocorre que enquanto os crimes do artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90 têm como único objeto a proteção da ordem tributária, consubstanciada no interesse estatal de recebimento dos tributos que lhe são devidos, o crime de descaminho não apresenta apenas a tutela deste bem-interesse jurídico do ingresso de valores no erário público, mas sim também tutela, concomitantemente, diversos outros bens jurídicos, como o controle da entrada e saída de bens do território nacional, a proteção das atividades econômicas nacionais frente à de outros país (barreiras alfandegárias), o que está ligado à política nacional de desenvolvimento econômico, interesses públicos da Administração cuja violação não se eliminam com o mero pagamento posterior dos tributos incidentes sobre as mercadorias em caso de eventual fiscalização tributária.
Além disso, os crimes do artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90 são materiais, ou de resultado, enquanto o delito de descaminho é crime formal, cuja consumação ocorre com o mero ingresso da mercadoria em território nacional sem o pagamento dos tributos devidos, não dependendo da demonstração do valor do tributo que deixou de ser recolhido. Nesse sentido temos o seguinte precedente desta Corte Regional, por sua 1ª Turma:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ARTIGO 334 DO CÓDIGO PENAL. LIBERDADE PROVISÓRIA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA CAUTELAR PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. REINCIDÊNCIA. ALEGAÇÃO DE QUE O CRIME SÓ É TIDO COMO CARACTERIZADO AO FIM DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO FISCAL: FALTA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA.
(...) 9. Inexistência plausibilidade jurídica na tese sustentada na impetração, de que o crime de descaminho só resta caracterizado ao término do procedimento administrativo fiscal, devendo ser aplicado o entendimento do Supremo Tribunal Federal com relação aos crimes contra a ordem tributária, sob pena de ofensa ao princípio da igualdade.
(...) 11. É certo que no julgamento do HC 81.611 o STF entendeu que o delito descrito no artigo 1º da Lei 8.137⁄90, por ser material, demanda, para sua caracterização, o lançamento definitivo do débito tributário, estabelecendo o lançamento definitivo como condição objetiva de punibilidade ou, ainda, como um elemento normativo do tipo.
12. Contudo, o paciente foi preso em flagrante de delito de descaminho, crime em que o bem jurídico tutelado é não só a proteção do erário, como também a regularidade nas importações e exportações e, conseqüentemente, a eficácia das políticas governamentais de defesa do desenvolvimento da indústria nacional.
13. Tal entendimento coaduna-se com a nítida função extrafiscal dos tributos incidentes sobre importações e exportações, ou seja, mais do que o interesse do Estado na arrecadação tributária, tais exações cumprem a função de instrumentos de implementação da política de desenvolvimento da indústria e comércio nacionais.
14. Bem por isso, o procedimento fiscal no caso de apreensão de mercadorias descaminhadas não visa a constituição do crédito tributário, mas sim a aplicação da pena de perdimento (artigo 23 e seguintes do Decreto-lei n° 1.455⁄76) e, dessa forma, não há como aplicar-se o precedente do STF (HC n° 81.611) posto que este restringe-se aos crimes contra a ordem tributária elencados no artigo 1° da Lei n° 8.137⁄90, em que a lei objetiva coibir exclusivamente a sonegação fiscal.
15. Acrescente-se que os delitos do artigo 1º da Lei nº 8.137⁄90 são de natureza material - importando a necessidade de demonstração da ocorrência de resultado naturalístico, ou seja, da supressão ou redução do tributo devido - de forma que o procedimento fiscal visa à constituição do crédito tributário suprimido ou reduzido pelo agente e o crime do artigo 334 do CP, ao contrário, é de natureza formal.
16. Assim, não é de se exigir, para a ação penal por crime de descaminho, o encerramento da instância administrativa. Precedentes deste Tribunal Regional Federal da 3a Região.
17. Ordem denegada.
(TRF 3ª Região, 1ª Turma, vu. HC 27948, Processo: 200703000524868 UF: MS. J. 03⁄07⁄2007, DJU 17⁄07⁄2007, p. 291. Rel. Juiz Conv. MÁRCIO MESQUITA)" (fls. 367⁄368⁄verso)

Com efeito, O encerramento do procedimento fiscal, na via administrativa, não pode ser encarado como condição objetiva de punibilidade do delito tipificado no art. 334, § 1.º, alínea c, do Código Penal, tal como ocorre com os crimes contra a ordem tributária, pois este crime se consuma com a simples conduta do agente de vender, expor à venda, manter em depósito ou, de qualquer forma, utilizar em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, mercadoria de procedência estrangeira que introduziu clandestinamente no país ou importou fraudulentamente ou que sabe ser produto de introdução clandestina no território nacional ou de importação fraudulenta por parte de outrem, sendo, portanto, desnecessário aguardar a definição, na esfera administrativa, a respeito de ser ou não devido algum tributo em decorrência dessas condutas. Nesse sentido o seguinte precedentes da Quinta Turma desta Corte:

"PENAL. HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. DESNECESSIDADE DE EXAURIMENTO DA VIA ADMINISTRATIVA. CRIME SOCIETÁRIO. DESCRIÇÃO SUFICIENTE. ORDEM DENEGADA.
1. O crime de descaminho não está subordinado a questões prejudiciais prévias de natureza administrativa.
2. Nos crimes societários, embora não se exija a descrição minuciosa e individualizada da conduta de cada acusado, é necessário que haja a narrativa dos fatos delituosos, de sua suposta autoria, do vínculo de causalidade e do nexo de imputação, de maneira a permitir o exercício da ampla defesa, como na espécie.
3. Ordem denegada.
(HC 63371⁄PE, 5ª Turma, Rel. p⁄ Acórdão Ministro  Arnaldo Esteves Lima, DJ de 22⁄10⁄2007).

Destaco do corpo do voto do mencionado julgado o seguinte excerto:

"Infere-se dos autos que o paciente foi denunciado pela prática, em tese, de dois crimes: art. 334, § 1.º, alínea d (receptação de produto de contrabando ou descaminho), e art. 304 (uso de documento falso), ambos do Código Penal.
Inicialmente, impende dizer que o exaurimento do procedimento fiscal, na via administrativa, não é condição objetiva de procedibilidade da ação penal no caso do delito tipificado no art. 334, § 1.º, alínea d, do Código Penal ("descaminho por assimilação"), pois este crime se consuma ou se realiza na simples conduta do agente de adquirir, receber ou ocultar mercadoria de procedência estrangeira, desacompanhada de documentação legal ou acompanhada de documentos que sabe serem falsos, não sendo, portanto, a constituição do débito tributário requisito normativo para a sua caracterização e, tampouco, o seu resultado naturalístico.
Nesse sentido, é a lição do mestre Luiz Regis Prado, in verbis:
"O objeto material da conduta delitiva é a mercadoria estrangeira desacompanhada de documentação legal (elemento normativo jurídico do tipo), sendo que tais documentos são aqueles impostos pela lei ou normas regulamentares ínsitas ao comércio exterior. Assim, basta para a configuração do delito o fato de a mercadoria não estar amparada em tais documentos. Contudo, a ilicitude será excluída caso o agente comprove que tais documentos existem e que, portanto, a importação foi legal." (in "Curso de Direito Penal Brasileiro, vol. 04: parte especial, Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 513)

Tem-se, assim, que a constituição do débito fiscal, mediante o exaurimento de eventual procedimento administrativo, independe para configurar, nesse caso, a figura típica imputada ao paciente, razão pela qual não há como, na hipótese, aplicar-se o sustentado argumento para o trancamento da ação penal."

Ante o exposto, denego a ordem.
É o voto.

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