A enxurrada de defensivos agrícolas asiáticos que tomou conta do Brasil nos últimos dez anos começa a preocupar as indústrias do setor. O temor é que os baixos custos dos produtos, vindos especialmente da China e da Índia, desestimulem a produção no Brasil e levem a um processo de desindustrialização do setor nacional.
Levantamento do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola (Sindag) mostra que na última década a importação de princípios ativos (matéria-prima) para serem formulados no Brasil cresceu mais de 200%. Os volumes superaram 193 mil toneladas, conforme dados da entidade compilados até outubro de 2010. Entre o ano que passou e 2009, o aumento das importações foi de 3,6%.
Não há estimativas precisas quanto à importação de produto final, mas o Sindag identifica que o volume importado é crescente.
"Há 30 anos, 80% dos defensivos tinham produção nacional e apenas 20% eram importados. Hoje, essa proporção é exatamente oposta, ou seja, temos uma elevada dependência dos produtos que vêm de fora do país", afirma Ivan Amancio Sampaio, gerente de informação do Sindag.
Nesse cenário, a evolução registrada para as compras feitas da China, Índia e Argentina são as que mais se destacam. Apesar de relativamente pequenas, as importações da Índia cresceram 188 vezes na última década. Já as compras da China avançaram 17,4 vezes e chegaram a 38 mil toneladas no ano passado. Já da Argentina, as importações de 2010 ultrapassaram a marca de 40 mil toneladas, um aumento de 30 vezes nos últimos dez anos.
"No caso da Argentina, 70% das nossas importações são de glifosato, que consegue entrar no Brasil com tarifa zero por conta dos acordos comerciais existentes", afirma Sampaio. "A entrada de tanto produto importado está incentivando uma desindustrialização no Brasil, já que as margens estão ficando cada vez mais apertadas, especialmente para as indústrias que atuam no segmento de genéricos", afirma Sampaio.
De fato algumas empresas de genéricos passaram por mudanças de ordem global. A israelense Makhteshim-Agan, controladora da brasileira Milenia - maior indústria de defensivos genéricos do Brasil - teve seu controle vendido para a China National Chemical, mais conhecida como ChemChina. A operação reforça a presença chinesa no mercado brasileiro, já que, sozinha, a Milenia detém uma fatia de 6% das vendas no Brasil.
Não são apenas os princípios ativos importados que estão invadindo o mercado brasileiro. Sem mencionar nomes, Sampaio diz que algumas empresas estão importando os produtos já formulados, para apenas distribuir no país. Ele afirma que multinacionais levam o princípio ativo da China para algum país da América do Sul, fazem a formulação em unidades lá instaladas e embarcam para o Brasil o produto final, já embalado, para apenas ser distribuído no mercado doméstico.
"Esse aumento das importações de países asiáticos ocorre porque os grandes mercados consumidores até então, Europa e Estados Unidos, estão em recessão. O grande potencial de venda hoje são os países em desenvolvimento, e o Brasil passou a ser uma alternativa para os produtos chineses", explica Rodrigo Almeida, diretor de assuntos corporativos da americana Monsanto.
O executivo da multinacional lembra que a capacidade de produção de glifosato da China é quase duas vezes maior que a demanda brasileira. Com isso, mais de 60% do glifosato importado pelo Brasil já é proveniente da China. "Em 2009 essa fatia era de 40%", afirma Almeida.
Atualmente, a Monsanto é a única empresa que fabrica o glifosato no Brasil, em sua unidade instalada em Camaçari (BA). No ano passado, a companhia conseguiu vencer uma disputa contra o glifosato chinês, fazendo com que o governo brasileiro impusesse uma tarifa de US$ 3,60 por quilo do princípio ativo importado da China. "Creio que esse movimento de grande importação seja algo conjuntural. O governo e as autoridades não deixarão que isso se perpetue", afirma Almeida.
Fragilidade na fronteira incentiva produto ilegal
Ao mesmo tempo em que as importações oficiais de defensivos crescem de forma acelerada, em ritmo semelhante produtos irregulares cruzam a fronteira para o lado brasileiro. Estimativas do Sindicato Nacional da Carreira Auditoria da Receita Federal (Sindireceita) indicam que aproximadamente 30% dos defensivos usados no Brasil têm uma origem desconhecida.
"As apreensões de agrotóxicos irregulares aumentam a cada ano porque o volume que está entrando no país também é cada vez maior", afirma Sérgio de Castro, diretor do Sindireceita. Segundo ele, existe uma indústria organizada atuando nesse mercado, usando inteligência para identificar com antecedência as "batidas" da Receita Federal e a localização dos postos. A organização tem conhecimento até das formas de operação do órgão federal, diz Castro.
Em sua avaliação, seriam necessários pelo menos R$ 200 milhões anuais por ano para conseguir modernizar e aparelhar os postos de fiscalização da Receita em toda a região de fronteira. Estudo feito pelo Sindireceita no ano passado e entregue à direção da Receita Federal, Congresso e Casa Civil, mostra que existem 596 funcionários distribuídos em 31 postos para fiscalizar 16,8 mil quilômetros de fronteira seca do Brasil. Na prática, se cada um desses funcionários trabalhasse 24 horas por dia, teria que cobrir sozinho uma área de quase 30 quilômetros de fronteira.
Além do aumento do efetivo de servidores, o estudo do Sindireceita indica a necessidade da adoção de novas tecnologias, como a instalação de scanners semelhantes aos existentes nos aeroportos. O treinamento e capacitação dos fiscais é outro ponto apontado como essencial para melhoria na fiscalização nas fronteiras.
"Entregamos o estudo para todas as autoridades competentes em dezembro passado. Até agora não tivemos resposta ou parecer de nenhum deles. Parece que tudo está funcionando perfeitamente bem em nossas fronteiras. Talvez fique assim até acontecer uma tragédia", afirma Castro.
(aspas)
Por : Alexandre Inácio, para o Jornal “Valor Econômico”, 24/01/2011
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