sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Medida da Receita afeta defesa comercial do país, afirma ministro

 

 

 

A paralisação dos processos de defesa comercial devido à interrupção no fornecimentos de dados da Receita Federal, revelada pelo Valor, transformou-se, ontem, em conflito aberto entre o ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, e a Secretaria da Receita. Jorge, em café da manhã de despedida com a imprensa acusou a Receita de causar o "colapso" do sistema de defesa contra importações com preços artificialmente baixos. A Secretaria da Receita voltou a informar que teve de negar dados ao ministério por razões "exclusivamente jurídicas", mas que busca uma solução.

Miguel Jorge, durante o café, anunciou, ainda, que empresas candidatas a benefícios na política industrial terão de oferecer contrapartidas em geração de empregos, limites de preço ou investimentos em inovação. As exigências constarão da nova versão da política industrial, a Política de Desenvolvimento (PDP) 2, preparada como sugestão para o futuro governo Dilma Rousseff . "Houve um erro em não discutirmos as contrapartidas, tomamos as medidas na pressão da crise", reconheceu o ministro.

A discussão com a Receita envolve uma das prioridades do novo governo, o recurso a medidas como tarifas punitivas antidumping contra aumento das importações desleais. Miguel Jorge disse não aceitar os argumentos nem a proposta do fisco de editar uma medida provisória pela qual as empresas passariam a fornecer dados duplicados, ao ministério e à fiscalização tributária - ou, se preferissem, autorizariam formalmente os fiscais a repassar os dados ao ministério.

As dificuldades começaram em outubro, quando a Receita, para reprimir vazamento de dados que provocaram escândalo durante a campanha eleitoral deste ano, decidiu editar uma medida provisória endurecendo as regras de controle e concluiu que não poderia continuar com a concessão de duas senhas de acesso que concedia a funcionários do Ministério do Desenvolvimento. Até então, a Receita fornecia dados sobre empresas importadoras com base em um parecer da Procuradoria da Fazenda Nacional, de 2005, que interpretava o artigo 198 do Código Tributário Nacional.

"Essa questão estava sob precariedade jurídica, o que havia era uma boa intenção da Receita", argumentou o assessor da Secretaria da Receita, Alberto Pinto.

O Código Tributário só estabelece duas possibilidades para repasse de dados: decisão judicial ou autorização do próprio contribuinte, explicou o assessor. Segundo Pinto, até outubro, o governo permitia a troca de informações entre ministérios autorizado pela Procuradoria com base em um parágrafo do artigo 198 que descrevia os procedimentos para fornecimento de dados, nos casos em que ele era permitido. Com a edição da medida para evitar vazamentos, os técnicos concluíram que essa interpretação criava risco de contestações judiciais e responsabilização dos funcionários da Receita.

Em 2007, outros procuradores negaram dados ao Tribunal de Contas da União com a justificativa de que as informações sigilosas sobre receitas e situação econômica individuais não poderiam sair da Receita, a não ser nos dois casos previstos no caput do artigo 198, afirma Pinto. A Receita insinua que o Ministério do Desenvolvimento não agiu a tempo para evitar o bloqueio dos dados sugerindo uma lei complementar ao Código ou alternativa às regras existentes.

Miguel Jorge argumenta que não faz sentido duplicar a exigência de dados a empresas. Segundo o ministério, os dados individuais das empresas são necessários para que o governo decida ou não abrir processos antidumping, e as regras da Organização Mundial do Comércio impedem que se peça às próprias empresas a autorização prévia para conhecimento dos dados da Receita. A alternativa seria exigir licenças de importação a todos, o que seria um retrocesso, por burocratizar a importação.

"Os processos estão parados porque a Receita, após essa MP, descobriu que de repente não poderia passar para o ministério dados comerciais que poderiam ser considerados vazamentos", reclama Jorge, para quem continua válido o parecer de 2005 da Procuradoria da Fazenda. Ele calcula em 70 os processo afetados com a decisão. Técnicos do ministério falam em 15 a 30 pedidos de investigação impedidos de serem iniciados e 38 investigações em curso, que podem ser afetadas se for necessário pedir dados adicionais.

A solução do problema depende da Procuradoria da Fazenda, que informou ao Valor, por meio da assessoria, não querer se manifestar sobre o caso por não ter ainda concluído a "consulta sobre o tema". O impasse deixa o país sem defesa contra casos de concorrência desleal, embora procedimentos contra fraudes, a cargo da Receita, estejam em funcionamento, lamenta o ministro. Ele comentou que o governo, há quatro anos, aumentou a eficiência dos mecanismos antidumping ao aplicar "direitos provisórios" (sobretaxas) enquanto os processos tramitam no governo.

(aspas)

Por : Sérgio Leo, de Brasilia, para o Jornal “Valor Econômico”, 09/12/2010

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