segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Brasil usa déficit da indústria e nega novas concessões na OMC

O embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevedo, disse ontem que a valorização do real nos últimos anos dizimou completamente a proteção oferecida pelas tarifas de importação no Brasil quando foram feitas barganhas para tentar concluir a Rodada Doha, e o país não fará abertura adicional de seu mercado. Ele advertiu que a situação mudou, exemplificando com a reversão de quase US$ 50 bilhões na balança de comércio de produtos industriais em apenas quatro anos, com o país passando de superávit de US$ 14,5 bilhões em 2006 para déficit de US$ 35,3 bilhões este ano nesse segmento.

Os números indicam que a valorização do real desde 2008, sobretudo, jogou por terra a eficácia das tarifas de importação no Brasil para proteger a indústria doméstica. A enxurrada de produtos estrangeiros tornou o país o campeão global da alta de importações este ano. Em termos efetivos, o câmbio já abriu o mercado brasileiro num nível provavelmente maior do que seria possível pela negociação global de liberalização na OMC.

No entanto, a pressão aumentou para que Brasil, China e Índia se comprometam com uma abertura similar a dos países ricos nas áreas de produtos industriais e de serviços, na nova tentativa de concluir a Rodada Doha. Para os americanos, o "mundo mudou" e os emergentes têm de pagar mais pelo novo protagonismo na cena global. Azevedo, porém, foi enfático em discurso diante dos 152 membros da OMC, considerando que a demanda por "mais desarmamento unilateral em tarifas é irrealista, ilógica e irrazoável".

Ele observou que a acumulação de superávits comerciais no passado foi um pilar forte e central da estabilidade econômica do país, mas que agora "vivemos em tempos e circunstâncias diferentes".

Azevedo mostrou que em 2006 o saldo comercial do país alcançou US$ 46,5 bilhões, mas desde então "nossa moeda tem se apreciado constantemente pela combinação de políticas cambial, monetária e fiscal adotadas em outros países". A consequência direta, disse, foi a redução do saldo comercial para US$ 14,5 bilhões até novembro.

Ao detalhar resultados do comércio exterior, Azevedo apontou a reversão de US$ 50 bilhões na balança de produtos industriais. De outro lado, as exportações agrícolas cresceram de US$ 32 bilhões para US$ 50 bilhões no mesmo período, graças a preços recordes das commodities desde 2006.

Os Estados Unidos (país que mais exige abertura do Brasil) é quem já está ganhando mais com o mercado brasileiro escancarado pelo câmbio. A balança bilateral de produtos não agrícolas sofreu uma reviravolta: de saldo positivo de US$ 7 bilhões, o Brasil registra déficit de US$ 9 bilhões nos primeiros dez meses de 2010 apenas. "É notável que agora o Brasil seja um dos maiores contribuidores da redução do déficit dos EUA. Estamos perplexos quando contribuições adicionais são exigidas de nós", disse Azevedo.

"Esse desempenho mais pobre decorre, e não em pequena parte, de políticas econômicas de fora, que têm um impacto direto sobre a taxa de câmbio do real", acusou. "As condições nas quais abordamos o jogo final da Rodada Doha são significativamente diferentes", acrescentou. Azevedo reiterou que a questão de moedas e comércio dizem respeito a empregos, estabilidade e sustentabilidade do desenvolvimento social. E avisou que considerar os emergentes como motores do crescimento da economia mundial significa "colocar o carro na frente dos bois".

Azevedo disse que alguns países em desenvolvimento emergiram da crise melhor do que economias desenvolvidas, porque "adotaram políticas conservadoras e regulações que sacrificaram um crescimento econômico mais rápido durante os anos anteriores".

O embaixador americano, Michael Punke, não estava presente na reunião da OMC, mas em entrevista à "newsletter" BNA, de Washington, afirmou que os EUA estão "frustrados no momento" com o Brasil na discussão de Doha. E espera que o novo governo, de Dilma Rousseff, dê "sinal positivo de engajamento em Doha", ou seja, que faça mais concessões.

(aspas)

Por : Assis Moreira, de Genebra, para o Jornal “Valor Economico”, 10/12/2010

Nenhum comentário: