Comércio exterior: Técnicos do fisco deixam de repassar informações sobre importadores para o Mdic
O sistema de defesa contra importações irregulares no Brasil está ameaçado de colapso, como efeito colateral das medidas tomadas pela Receita Federal para evitar vazamento de informações sigilosas. A Receita patrocinou uma medida provisória aumentando controles e punições, após o escândalo da quebra de sigilo fiscal de integrantes da oposição, durante as eleições deste ano. Com a medida, porém, os técnicos também cortaram o fornecimento de dados de comércio exterior ao Ministério de Desenvolvimento, o que travou processos contra importações desleais.
"É estapafúrdio, um nonsense, está vedado ao próprio governo receber informações necessárias para avaliar a situação de mercado", queixa-se o presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IABr), Marco Polo de Mello, dirigente de um dos setores mais afetados pelo impasse que interrompeu a troca de dados entre a receita e a Secretaria de Comércio Exterior (Secex). "Tinhamos de estar brigando para dar celeridade aos processos contra importações desleais; não faz sentido tirar a munição desses instrumentos no meio do processo."
No Ministério do Desenvolvimento foram barrados, por falta de informações, 16 pedidos de processos contra importações acusadas de dumping (preço abaixo do normal). Outros 38 processos, já em curso, podem ser afetados pela falta de informações sobre preços e quantidades de importações praticadas pelas empresas nos últimos cinco anos. Esses dados eram repassados pela Receita, segundo explica um alto funcionário do órgão, com base em um parecer "vago", que perdeu a eficácia, na avaliação dos técnicos, após a edição da medida provisória 507, em 5 de outubro, com regras mais estritas e severas para punir quebra indevida de sigilo fiscal.
"O governo tem de entender que o sagrado direito de defesa comercial deve ser preservado, inclusive na coleta de provas", comenta o secretário de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Roberto Giannetti da Fonseca. Ex-secretário-geral da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ele reconhece que o Código Tributário Nacional restringe o poder da Receita de repassar dados a outros órgãos públicos, mas defende a adoção de uma medida legal para mudar o código e facilitar a troca de informações.
Giannetti e Marco Polo lembram que o presidente do BNDES, Luciano Coutinho anunciou, no Encontro Nacional de Comércio Exterior (Enaex), há duas semanas, a decisão da presidente eleita, Dilma Roussef, de incentivar o uso de medidas de defesa comercial, contra as importações "desleais". Com o impasse, o anúncio pode cair no vazio. Para dar base a processos antidumping e outros mecanismos contra preços artificialmente baixos, o governo precisa dados individuais das importações das empresas, só fornecidos à Receita.
"Estamos dialogando com a Receita Federal para resolver urgentemente o problema", declarou o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral, por meio da assessoria do Ministério de Desenvolvimento. "A restrição imposta ao acesso dos servidores públicos da Secex cria dificuldades inclusive para cumprir prazos estipulados pelas normas da Organização Mundial do Comércio (OMC)", acrescentou.
O assessor da secretaria de Receita Alberto Pinto argumentou, ao Valor, que a Constituição e o Código Tributário impedem o repasse das informações ao Ministério do Desenvolvimento explicitamente, ao restringir a entrega de dados sobre a situação financeira dos contribuintes. Pedido feito pelo Tribunal de Contas da União (TCU) sobre empresas de comércio exterior foi rejeitado em 2007 pela Procuradoria da Fazenda Nacional com base nesses argumentos, afirma Pinto.
O assessor informou que, por considerar que seria muito lenta a solução ideal, uma lei complementar ao Código Tributário, a Receita sugeriu ao Desenvolvimento a edição de uma medida provisória que determinaria às empresas de comércio exterior a informação compulsória de suas operações individuais à Secex. Caso preferissem, as empresas poderiam apenas autorizar a Receita a abrir os dados ao Desenvolvimento, como prevê a legislação. Os técnicos do ministério consideram essa mudança impossível de ser posta em prática por não abranger as importações feitas nos últimos cinco anos (informação necessária ao processo antidumping) e por obrigar o ministério a criar nova base de coleta de dados, prejudicando as operações de comércio exterior.
Receita e Desenvolvimento divergem na interpretação de um artigo, o 198, do Código Tributário, que, na avaliação do fisco, só permite divulgação de dados sigilosos em caso de requisição judicial ou permissão do contribuinte afetado. Para o Desenvolvimento, um parágrafo do artigo, que estabelece como se dá o repasse de informações a outros órgãos federais, abre exceção para que a Receita continue, como fazia até outubro, a fornecer informações essenciais aos processos contra importações desleais.
(aspas)
Por : Sergio Leo, de Brasília, para o Jornal “Valor Econômico”, 07/12/2010
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