segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Made in China' causa rebuliço na internet

Sites vendem produtos chineses com entrega no Brasil; apesar de preço e variedade, reclamações se multiplicam

Em letras miúdas, sites costumam avisar que não há reembolso se o produto for barrado pela Receita Federal

De tablets como o Eyo Pad (R$ 249) a capas para celular do Bob Esponja (R$ 1,90), passando por celulares da marca HiPhone (R$ 119,90) e camisas esportivas (R$ 21,90).

Esses produtos poderiam ser uma descrição das ofertas de qualquer galeria comercial abastecida pelo contrabando ou pelo descaminho (sonegação de impostos) chinês ou coreano, mas são uma pequena amostra do que pode ser encontrado hoje, à distância de apenas um clique, na internet brasileira.

A combinação de preços baixos e variedade dos bens "made in China", maior parceiro comercial do Brasil, transformou a importação direta da Ásia em um grande negócio na internet, em geral sem pagamento de impostos.

Sites como o Compre da China, MP Tudo e MPWay, entre outros, trazem produtos por até um décimo dos preços cobrados pelos celulares originais da Apple ou pelas camisas de futebol fabricadas pela Nike.

Os preços normalmente não incluem as taxas alfandegárias, e essas páginas avisam o consumidor, quase sempre em letras miúdas, que o dinheiro não será reembolsado caso o produto seja barrado pela Receita Federal.

REGRA


Atualmente, a regra para importações é que mercadorias de até US$ 50 são isentas de imposto, desde que o remetente e o destinatário sejam pessoas físicas.

Acima desse valor, ou se remetente e destinatário forem empresas, é aplicada a alíquota de 60% sobre o valor do bem mais o valor do frete.

A estratégia parece dar tão certo que se multiplicam na internet sites que ensinam como importar produtos da China e revender no Brasil.

Um deles, o comoimportardachina.com, promete revelar "o segredo da milionária indústria de importação de produtos chineses".

"As fraudes na internet envolvendo importações de produtos da China estão tomando uma proporção gigantesca", aponta o advogado Luiz Claudio Garé, consultor do GPM (Grupo de Proteção à Marca). "E isso vem acontecendo no mundo todo, não apenas no Brasil."

ARMADILHA


Especialistas como Garé advertem que os valores reduzidos e a variedade de produtos escondem uma armadilha. Hoje, há milhares de relatos, em sites de defesa do consumidor, de clientes que nunca receberam encomendas já pagas. Ou que receberam eletroeletrônicos que não funcionam.

"O consumidor precisa estar atento quando compra mercadorias oriundas de outros países, principalmente quando não está claro qual é a empresa importadora", afirma Paulo Roberto Binicheski, da 2ª Promotoria de Justiça de Defesa do Consumidor do Ministério Público do Distrito Federal.

"Antes de adquirir qualquer produto, deve questionar com o site qual é seu endereço físico, se está registrado na Receita Federal e se há garantia contratual ou uma rede de assistência técnica", completa Binicheski.

Seis lojas virtuais aparecem como as campeãs das queixas de consumidores.

A Receita Federal informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que há um conjunto de medidas em discussão para dar mais segurança aos despachos de remessas vindas do exterior. "Não há nada ainda que se possa anunciar", informou o órgão.

Sites de produtos chineses acumulam milhares de queixas na web

Os consumidores que se sentirem lesados por sites de importação direta e que quiserem acionar essas empresas na Justiça --seja por não terem recebido suas encomendas seja por terem recebido produtos com defeito-- têm como grande dificuldade rastrear o endereço físico dessas lojas virtuais.

Foi o caso do autônomo José Luiz Cordeiro da Fonseca, 38, de Manaus (AM), que em novembro de 2009 comprou um celular com dois chips por R$ 170 no Compre da China e jamais recebeu o aparelho.

Após cinco meses de espera, ele resolveu processar a empresa, mas não tinha em mãos a localização.

Tanto o Compre da China quanto o MPTudo informam em suas páginas que são de propriedade da Daynight Enterprise co., Limited, situada em Hong Kong.

No Brasil, são representados pela Fênix do Oriente Serviços de Cobrança, que por sua vez informa em seu site que é sediada na cidade de Americana, no interior de São Paulo.

Após uma busca em sites de consumidores que apresentaram queixa contra o site, um amigo de Fonseca conseguiu o endereço, e a empresa foi notificada.

Ele pediu R$ 10 mil de indenização. Conseguiu pouco mais de R$ 1.000, em decisão que só saiu em maio deste ano.

"Os anúncios desse site são muito bons. Na época, eu andava com dois aparelhos de telefone, para economizar nas ligações. Quando vi o celular com dois chips, achei perfeito. Mas tudo deu errado, e desde então nunca mais comprei nada pela internet", lamenta ele.

O Reclame Aqui, que abre espaço para consumidores protestarem, acumula 10,2 mil reclamações relativas ao MPTudo e 11,3 mil do Compre da China.

Este último recebeu tantas reclamações que entrou com uma medida judicial contra o site de queixas, que passou a monitorar os comentários para evitar frases muito agressivas.

MPWay e MPXShop possuem, respectivamente, 1.248 e 2.863 reclamações cadastradas no site (a empresa se defende afirmando que as queixas representam apenas 5% das suas vendas totais).

No caso da Fator Digital e da Planeta Ofertas, o número de reclamações é de 11.246 e 2.760, respectivamente.

OUTRO LADO

Queixas são parcela pequena das vendas, afirma advogado

As reclamações em relação aos produtos vendidos nas lojas virtuais MPXShop e MPWay representam apenas cerca de 5% das vendas, que foram de 40 mil produtos apenas no mês passado.

Essa é a posição do advogado José Thiago Bonatto, do escritório De Paula Santos Advocacia, que representa a Trinity Solutions, empresa especializada em pagamentos pela internet contratada pelos dois sites.

"Não podemos responder pelas lojas virtuais MPXShop e MPWay, uma vez que a responsável é a empresa SunCrown Limited HK, com sede em Hong Kong", disse.

Sobre o fato de os preços anunciados nos sites não incluírem o Imposto de Importação, Bonatto afirmou que essa informação está na seção "tire suas dúvidas".

A advogada Celeste Aparecida da Silva, da Fênix do Oriente Serviços de Cobrança, que presta serviços para os sites Compre da China e MP Tudo, afirmou que as reclamações representam apenas 1% das vendas. "Para esses casos, há uma política de atendimento ao consumidor que assegura nova postagem do produto em caso de extravio."

De acordo com ela, os sites deixam claro a incidência de tributos de importação sobre as compras.

A Folha procurou por telefone os outros sites citados na reportagem, mas não obteve resposta.

(aspas)

Por : Maeli Prado, de Brasília, Jornal “Folha de São Paulo”, 02/10/2011

(aspas)

ANÁLISE


Comércio eletrônico é prática ainda pouco regulada



A China tornou-se um "trader" tão dinâmico e astuto que, em muitas ocasiões, surpreende seus parceiros comerciais com práticas informais de negócio.

O comércio eletrônico está nesse grupo, de práticas ainda pouco reguladas e muito maleáveis e manipuladas por seus usuários, gerando uma euforia no consumidor final e um sinal de alerta nas empresas concorrentes diretas ou nas importadoras oficiais.

Os ganhos aparentes ao consumidor final são sempre relacionados com o custo-benefício e o acesso.

Ao consumidor interessa a possibilidade de comprar uma maior variedade de produtos a um baixo preço.

No momento da compra ele não está muito preocupado nem com a legalidade do ato nem com o impacto que isso tem nas empresas do setor ou com a qualidade real do produto adquirido.

O consumidor quer produtos de última tecnologia, muitas vezes não produzidos pela indústria local.

Os contras dessas compras on-line estão no fato de elas entrarem com mais vantagens do que aquelas presentes na concorrência local, pagadora de tributos.

Se para os entes responsáveis é difícil fiscalizar, para o consumidor final fica a tentação de consumir algo muito mais barato.

É apenas com um amadurecimento da base de consumidores que teremos menos consumo de produtos piratas ou ilegais.

Por outro lado, sendo a China o nosso maior importador e o nosso segundo maior fornecedor de produtos, existem muitos bons negócios com a China, e não apenas "negócios da China".

(aspas)

Por : Cristiane Amaral Serpa,  professora de negócios e corporações internacionais do Ibmec, Jornal “Folha de São Paulo”, 02/10/2011

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