segunda-feira, 3 de novembro de 2008

ABUSOS NA FISCALIZAÇÃO ADUANEIRA DE IMPORTAÇÃO

Fonte: CIESP Taubaté
http://www.ciesptte.com.br/conteudos.php?act=ler&id=753&tipo=2

Luis Fernando Rabelo Chacon[1]

Fiscalização aduaneira com base na instrução normativa n. 206 de 2002 da Secretaria da Receita Federal: exigência de efetiva fundamentação para a instauração de mandado de procedimento fiscal.

Introdução

Todo importador, no âmbito do sistema aduaneiro brasileiro, precisa estar habilitado a praticar atos de importação, inclusive, devidamente inscrito no SISCOMEX e no RADAR, que são instrumentos de cadastro e controle das operações de comércio exterior brasileiro, todos controlados pela Receita Federal do Brasil e pelo Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior (www.mdic.gov.br).

O controle aduaneiro de mercadorias avalia o cumprimento de obrigações aduaneiras administrativas e ou tributárias incidentes no comércio exterior. Obviamente que existe uma proteção brasileira através de um efetivo controle do que entra e do que sai de nosso território, inclusive, com vistas a proteger a indústria nacional, sem ofender o princípio constitucional da autonomia privada[2].

Um dos conjuntos de preocupações que o sistema aduaneiro brasileiro tem, além do contrabando e do descaminho de mercadorias, e da qualidade dos produtos, está relacionado com o subfaturamento e a interposição fraudulenta de pessoas, evitando a concorrência desleal no mercado, bem como a ocultação do real contribuinte e a sonegação dos tributos incidentes em tais operações, além de outros fatores que podem ser considerados pela fiscalização aduaneira.Há várias normas vigentes para combater estas operações, entre elas, a mais rígida, consolidada na Instrução Normativa n. 228, e ao seu lado, a objeto deste estudo, qual seja, a Instrução Normativa n. 206 de 2002, nos artigos 65 e seguintes. Geralmente, antes do desembaraço aduaneiro da mercadoria, a fiscalização elabora um Termo de Retenção e, imediatamente, inaugura um Mandado de Procedimento de Fiscalização, anotando neste último, genericamente, os fundamentos legais a que estará submetido o contribuinte, inclusive, as penalidades tributárias e criminais.Neste ínterim, o contribuinte é intimado para prestar esclarecimento e ofertar documentos e, depois disso, encerrada esta fase inicial, poderá a fiscalização através de Processo Administrativo Fiscal, lavrar Auto de Infração, dar perdimento à mercadoria etc. O Mandado de Procedimento Fiscal, portanto, antecede o processo administrativo, e tem como objetivo confirmar suspeitas e fazer prova contra o contribuinte.

Vejamos o texto legal da referida Instrução Normativa que se refere aos procedimentos especiais de controle aduaneiro, que indica em seu artigo 66 em que devem incidir fundadas suspeitas sobre o contribuinte que justifiquem a instauração do procedimento especial:

Procedimentos especiais de controle aduaneiro

Art. 65. A mercadoria introduzida no País sob fundada suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento ou que impeça seu consumo ou comercialização no País, será submetida aos procedimentos especiais de controle aduaneiro estabelecidos neste título.

Parágrafo único. A mercadoria submetida aos procedimentos especiais a que se refere este artigo ficará retida até a conclusão do correspondente procedimento de fiscalização, independentemente de encontrar-se em despacho aduaneiro de importação ou desembaraçada.

Art. 66. As situações de irregularidade mencionadas no artigo anterior compreendem, entre outras hipóteses, os casos de suspeita quanto:I - à falsidade na declaração da classificação fiscal, do preço efetivamente pago ou a pagar ou da origem da mercadoria, bem assim de qualquer documento comprobatório apresentado;II - ao cometimento de infração à legislação de propriedade industrial ou de defesa do consumidor que impeça a entrega da mercadoria para consumo ou comercialização no País;III - ao atendimento a norma técnica a que a mercadoria esteja submetida para sua comercialização ou consumo no País;IV - a tratar-se de importação proibida, atentatória à moral, aos bons costumes e à saúde ou ordem públicas;V - à ocultação do sujeito passivo, do real vendedor, comprador ou de responsável pela operação, mediante fraude ou simulação, inclusive a interposição fraudulenta de terceiro; ouVI - à existência de fato do estabelecimento importador ou de qualquer pessoa envolvida na transação comercial.

§ 1º As suspeitas da fiscalização aduaneira quanto ao preço efetivamente pago ou a pagar devem estar baseadas em elementos objetivos e, entre outras hipóteses, na diferença significativa entre o preço declarado e:
I - os valores usualmente praticados em importações de mercadorias idênticas ou similares;II - os valores indicados em cotações de preços internacionais, publicações especializadas, faturas comerciais pro forma, ofertas de venda etc.;III - os custos de produção da mercadoria; IV - os valores de revenda no mercado interno, deduzidos os impostos e contribuições, as despesas administrativas e a margem de lucro usual para o ramo ou setor da atividade econômica.§ 2º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, a Coana disciplinará os procedimentos a serem adotados conforme a legislação específica aplicável a cada caso.§ 3º Nos casos dos incisos V e VI do caput deste artigo, a autoridade aduaneira poderá considerar, entre outros, os seguintes fatos:I - importação de mercadorias em volumes ou valores incompatíveis com as instalações físicas ou com o patrimônio do importador;II - ausência de histórico de importações da empresa na unidade de despacho;III - opção questionável por determinada unidade de despacho, em detrimento de outras que, teoricamente, apresentariam maiores vantagens ao importador, tendo em vista a localização do seu domicílio fiscal, o trajeto e o meio de transporte utilizados ou a logística da operação;IV - existência de endosso no conhecimento de carga, ressalvada a hipótese de endosso bancário;V - conhecimento de carga consignado ao portador;VI - ausência de fatura comercial ou sua apresentação sem a devida assinatura, identificação do signatário e endereço completo do vendedor;VII - aquisição de mercadoria de fornecedor não fabricante:a) sediado em país considerado paraíso fiscal ou zona franca internacional;b) cujo endereço exclusivo seja do tipo caixa postal; ouc) que apresente qualquer evidência de tratar-se de empresa de fachada.

Art. 67. A seleção das importações a serem submetidas aos procedimentos especiais de que trata esta Instrução Normativa poderá ocorrer por decisão:I - da Coana, mediante direcionamento do importador para o canal cinza de conferência e correspondente informação às unidades aduaneiras;II - do titular da unidade da SRF ou de qualquer servidor por ele designado que tomar conhecimento de situação com suspeita de irregularidade que exija a retenção da mercadoria como medida acautelatória de interesses da Fazenda Nacional.Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a ocorrência deverá ser registrada no Radar.

Art. 68. O importador será cientificado da seleção para os procedimentos especiais de controle:I - durante o despacho aduaneiro, mediante interrupção para apresentação de documentos justificativos ou informações adicionais àquelas prestadas na declaração, registrada no Siscomex;II - nas demais situações, como procedimento interno de revisão aduaneira, mediante ciência em termos de retenção, com intimação para apresentar documentos ou prestar informações adicionais.

Art. 69. As mercadorias ficarão retidas pela fiscalização pelo prazo máximo de noventa dias, prorrogável por igual período, em situações devidamente justificadas.Parágrafo único. Afastada a hipótese de fraude e havendo dúvidas quanto à exatidão do valor aduaneiro declarado, a mercadoria poderá ser desembaraçada e entregue mediante a prestação de garantia, determinada pelo titular da unidade da SRF ou por servidor por ele designado, nos termos da norma específica.

Percebe-se que o artigo 65 diz que a mercadoria introduzida no país sob fundada suspeita de irregularidade punível com a pena de perdimento ou que impeça seu consumo ou comercialização no país será submetida aos procedimentos especiais de controle aduaneiro estabelecidos neste título.

Este é o ponto de debate deste nosso trabalho, ou seja: a indicação de que somente nos casos em que esteja evidenciada e justificada a fundada suspeita é que o contribuinte pode ser submetido ao rigor de tal fiscalização. Qualquer retenção, investigação e exigência que a fiscalização aduaneira efetive sem dar a devida justificativa com embasamento nestes aspectos da Instrução Normativa, deverão ser consideradas abuso de direito, permitindo medidas administrativas e ou judiciais por parte do contribuinte, conforme veremos abaixo, inclusive, como vem noticiando a jurisprudência dos Tribunais Federais.

Desenvolvimento

Avaliando o conteúdo do artigo 66 da referida Instrução Normativa n. 206 de 2002, exige-se que a fiscalização, antes de iniciar um Mandado de Procedimento de Fiscalização (MPF), deva indicar exatamente em qual dos vários incisos e parágrafos existentes reside a Fundada Suspeita que recai sobre aquele contribuinte.E, ainda, diz o artigo 67 da referida IN que a seleção das importações a serem submetidas aos procedimentos especiais de que trata esta IN poderá ocorrer por decisão do titular da unidade da SRF ou de qualquer servidor por ele designado que tomar conhecimento de situação com suspeita de irregularidade que exija a retenção da mercadoria como medida acautelatória de interesses da Fazenda Nacional.

Veja-se que a lei não trata de indícios superficiais ou desconfianças pessoais do agente fiscal, exigindo que ele fundamente sua decisão administrativa de iniciar a investigação, exatamente nos moldes apontados pela própria norma que o habilitou, estabelecendo criteriosamente a necessidade da fundada suspeita.A letra da lei não é à toa. Fundamentar, segundo o dicionário Mini Aurélio (editora Positivo, 2007), é dar fundamento, basear-se, estribar-se. Fundamento, por sua vez, é a base, o alicerce, conjunto de razões em que se funda uma tese; razão, motivo. Por sua vez o dicionário avalia: suspeito é o que inspira cuidado ou desconfiança, de cuja existência ou verdade não se tem certeza. Portanto, a fundada suspeita indicada pela lei deve ser avaliada como a desconfiança que recai sobre o importador, porém estribada em um conjunto de razões.Sendo assim, fundamentar a decisão de instaurar o procedimento fiscal é declinar, no próprio corpo que inicia o Mandado de Procedimento Fiscal onde residem tais suspeitas fundadas, o que não significa simplesmente indicar artigos de lei, mas descrever em que consiste aquela desconfiança e quais são as razões que a sustentam.Esse entendimento não pode ser diferente em virtude do caráter excepcional de tal investigação. Realmente, esta é a interpretação, por que existem procedimentos comuns de fiscalização aduaneira, mas o procedimento indicado pela Instrução Normativa n. 206 de 2002 é um procedimento excepcional que só será aplicado nos limites indicados pela própria norma (princípio da legalidade).Ademais, soma-se a isto o fato de que um procedimento especial de fiscalização prejudica sensivelmente a atividade empresarial de uma empresa, primeiro porque sua mercadoria poderá ficar retida pelo prazo de 180 dias, e liberada somente mediante caução; segundo porque seus dados estarão registrados no RADAR como uma empresa em investigação e isso será visível pelos órgãos fiscalizadores de todo o território aduaneiro brasileiro; ademais os compromissos com clientes, fornecedores etc., poderão estar comprometidos.A irregularidade na instauração do procedimento também viola o direito de propriedade (artigo 5º CF), pois reter as mercadorias sem embasamento ou justificativa convincente é abusar do direito de fiscalização, sendo passível de proteção, inclusive, via Mandado de Segurança.Obviamente que a possibilidade de retenção de mercadorias durante uma fiscalização é prevista na legislação, mas é exigível que seja lavrado termo FUNDAMENTADO, não somente com a indicação genérica da legislação aplicada, mas, sobretudo, JUSTIFICAR a atividade estatal. O agente deve observar essa regra, sob pena de nulidade do ato.Portanto, mesmo imaginando uma possível discricionariedade dos atos públicos, sobretudo, nas condutas aduaneiras, certo é que não se podem abandonar os princípios que regem tais atividades. O procedimento especial tratado pela Instrução Normativa n. 206 impõe parâmetros que a fiscalização deve obrigatoriamente seguir.Em muitos casos a retenção das mercadorias e o início do procedimento de fiscalização especial são irregulares, e não são observados critérios legais para a retenção e posterior solicitação de informações do contribuinte, sem razoabilidade ou plausibilidade.Pelo princípio da legalidade, a forma de proceder é um direito assegurado ao particular no âmbito da administração pública. Os atos administrativos devem ser praticados conforme exigido pela legislação.A plena observação das condições para a instauração de procedimento especial de fiscalização e a forma de sua prática são exigíveis pelo contribuinte que é surpreendido por uma fiscalização desta natureza, pois o devido processo legal é também assegurado no âmbito administrativo, sob pena de se dar a faca e o queijo nas mãos do órgão público, sem qualquer controle.No presente caso, a instauração de procedimento de fiscalização especial deve ser precedida de justificativa plausível, devendo o agente público efetivamente fundamentar sua decisão, demonstrando porque agirá dessa forma em face do contribuinte.A jurisprudência do TRF da 4ª Região imputou que a retenção e a investigação não ofendem os direitos do contribuinte desde que estejam demonstrados veementes indícios da existência de irregularidades.

Vejamos: "

TRIBUTÁRIO.

MANDADO DE SEGURANÇA.

APREENSÃO DE MERCADORIA. I

N SRF N.º 206/02.

AMPLA DEFESA E DEVIDO PROCESSO LEGAL.

SUBFATURAMENTO.

INTERPOSIÇÃO DE TERCEIROS.

LIBERAÇÃO MEDIANTE GARANTIA.

1. Mercadoria importada pode ser retida pela autoridade alfandegária para que se apure a ocorrência de irregularidade punível com a pena de perdimento, desde que estejam demonstrados veementes indícios de sua existência (art. 68 da Medida Provisória n.º 2158/01). (...)(TRF4, 2ª Turma, AG nº 2005.04.01.019556-5, Rel. Des. Fed. Dirceu de Almeida Soares, j. 12/07/2005, DJU 17/08/2005, p. 560). Reitera-se que não pode a autoridade aduaneira exercitar, seja no início ou no fim do procedimento de fiscalização, juízo discricionário afastado da legalidade e dos princípios da razoabilidade e da plausibilidade do ato administrativo.Assim, por todo o conteúdo de Direito Administrativo e de Direito Processual Tributário, a retenção e a investigação especial em estudo só deverá ocorrer se efetivamente recair sobre o contribuinte qualquer inconsistência que justifiquem tais atos, e estas inconsistências devem respeitar o conteúdo da Instrução Normativa apontada, bem como ser efetivamente fundamentada pelo agente fiscal, sob pena de nulidade do ato.Realmente, a avaliação de oportunidade e conveniência, acerca da escolha do contribuinte e do momento que será iniciada a ação fiscal, não se sujeita somente à vontade do agente. Reiteramos o posicionamento do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em seu teor jurisprudencial, exigindo que seja efetivamente fundamentada a instauração de procedimento fiscal, comentando justamente a aplicação dos artigos 65 e seguintes da Instrução Normativa citada:

PROC. : 2006.03.00.010424-3 AG 260161

Publicação : 06/03/2006 ORIG. : 200661040003430/SP

AGRTE : IND/ DE MEIAS SCALINA LTDA ADV : GEORGE AUGUSTO LEMOS NOZIMA AGRDO : Uniao Federal (FAZENDA NACIONAL) ADV : HUMBERTO GOUVEIA e VALDIR SERAFIM ORIGEM : JUIZO FEDERAL DA 2 VARA DE SANTOS Sec Jud SP RELATOR: DES.FED. MÁRCIO MORAES / TERCEIRA TURMA

(...)

Como se pode observar da redação desse dispositivo, o procedimento investigatório exige, para sua instauração, fundada suspeita de irregularidade punível com pena de perdimento.Entretanto, da leitura do termo de retenção não há como se identificar qual suspeita de irregularidade paira sobre a importação em questão

(...).

Sendo assim, considerando que a retenção de mercadorias regularmente importadas (no caso com todos os documentos alfandegários pertinentes e com o pagamento dos tributos respectivos), é medida administrativa muito excepcional, sempre dependente de ato administrativo formal e devidamente justificado; que há plausibilidade nas alegações apresentadas pela agravante para os preços constantes da fatura, não havendo qualquer indício de irregularidade ou fraude no cálculo dos tributos recolhidos e que a retenção extrapolou o prazo permitido para o procedimento investigatório, entendo que não há justificativa para a retenção das mercadorias importadas pela agravante. Dessa forma, com a devida vênia, reconsidero a decisão a fls. 107/108 e defiro a antecipação da tutela recursal, para que as mercadorias relativas à declaração de importação n. 05/1176044-7 sejam imediatamente liberadas. (...) Portanto, se acaso a retenção e a investigação se iniciou sem a observância de tais requisitos, é exigível que a mercadoria seja liberada e o procedimento encerrado, pelas ofensas a direitos líquidos e certos do contribuinte.Além da retenção de mercadoria que está sendo importada, bem como do início da investigação, o Mandado de Procedimento Fiscal indicará a intimação do contribuinte para entregar uma vasta documentação que vai, por exemplo, desde os contratos de locação ou os títulos de propriedade dos seus estabelecimentos comerciais, das Faturas Comerciais de Entrada e Saída de mercadorias, até os livros razão e os balanços financeiros de sua empresa, bem como em alguns casos o extrato de sua movimentação financeira.Neste aspecto, deve-se considerar que nenhum contribuinte está obrigado a atender pedidos manifestamente ilegítimos, pois ausentes de fundamentação e de cumprimento de requisitos legais, ainda mais quando se tratam de medidas excepcionais que exigiriam fortes suspeitas em face do mesmo.O Contribuinte não está obrigado a atender aos pedidos mencionados, quando o Mandado de Procedimento Fiscal for destituído de motivação, razoabilidade e plausibilidade, pois as exigências da fiscalização não devem gerar um ônus desproporcional e desnecessário ao contribuinte.A recusa de entrega de documentos e informações pode se voltar em desfavor do contribuinte, desde que a exigência seja legalmente justificada, ou seja, amparada nos princípios da legalidade, da razoabilidade e da plausibilidade. A recusa que se funda no não atendimento destes princípios não pode ser vista como ato de não colaboração do contribuinte com a fiscalização, pois se trata de exercício de direito líquido e certo.Sem mais delongas, a não fundamentação do procedimento fiscal impedirá que o contribuinte, no futuro, exerça o direito constitucional de ampla defesa, pois se o agente de fiscalização não diz por que inicia o procedimento, o contribuinte não pode saber qual a suspeita sobre ele recai, prejudicando sensivelmente a qualidade de sua defesa, o que é constitucionalmente garantido. Se não se sabe do que é acusado, como é possível preparar uma defesa...Vejamos o mais recente entendimento jurisprudencial sobre a matéria em epígrafe no TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3ª REGIÃO, que exige fundada suspeita, bem como indica possível violação ao direito de propriedade:

Apelação em Mandado de Segurança

Processo 2001.61.04.006153-4 Juíza Eliana MarceloTerceira Turma 14 02 2007

ADMINISTRATIVO. ADUANEIRA. IMPORTAÇÃO REGULAR. RETENÇÃO DE BENS PERECÍCVEIS. INEXISTÊNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ILEGALIDADE.

INSTRUÇÃO NORMATIVA 52/91

1.Discute-se o direito à liberação de mercadorias perecíveis, retidas indevidamente pela autoridade, para averiguação de irregularidades no âmbito da empresa do importador, fundamentada na IN/SRF 52/2001.

2. A apreensão de bens pela autoridade é justificável em determinadas situações e por prazo determinado, desde que imprescindíveis para o seu posterior desembaraço, como, por exemplo, para serem periciadas, destinadas a uma correta valoração ou, ainda, no caso de conhecimento de fato ou da existência de indícios que requeiram a necessidade de sua verificação.

3.A Instrução Normativa n° 52/91 (Alterada pela IN SRF nº 206 , de 25 de setembro de 2002 ), disciplinando o despacho aduaneiro de importação, estabelece procedimentos especiais, para o de controle de mercadoria importada, sob fundada suspeita de irregularidade, punível com a pena de perdimento.

4.A privação, pela Administração, dos bens ingressos no País, por regular processo de importação que autorizou, sem que estejam presentes atos ilegais perpetrados pelo contribuinte, fere a garantia constitucional do direito de propriedade.

5.O ato administrativo de apreensão de bens deve ser adotado em situações excepcionais, a uma, porque interfere na órbita particular do contribuinte, inviabilizando, em certos casos, o exercício de suas atividades empresariais; a duas, porque não vislumbrando o fisco irregularidades a ensejar o perdimento dos bens, em face da importação autorizada, estará privando o contribuinte de seus bens, sem o devido processo legal. Deve-se recordar, ainda, que é possível a anulação administrativa dos atos praticados pelo agente público. A possibilidade de revisão e de anulação dos atos administrativos praticados é constitucionalmente prevista e está Sumulada pelo Supremo Tribunal Federal.É dever de a administração zelar e acompanhar para que os procedimentos investigatórios adotados, bem como as conclusões deles extraídas, estejam na conformidade com a lei. O controle interno dos atos administrativos é amplamente reconhecido pelo Poder Judiciário:

Súmula 346 do STF: “A Administração Pública pode declarar a nulidade de seus próprios atos”.

Súmula 473 do STF: “A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.”

Então, o direito de recusa ao atendimento das exigências documentais, e o pedido de encerramento da investigação e liberação da mercadoria é cabível quando não há justificativa plausível para coibir o contribuinte, nos termos vistos nesta resenha.

Conclusão

Verifica-se no presente estudo que a Instrução Normativa n. 206 de 2002, editada pela então Receita Federal, dá aos agentes fiscais da Alfândega Brasileira o poder de iniciar procedimento especial de fiscalização em face dos contribuintes que se encontram naquelas condições descritas pelo artigo 66 da referida norma.Entretanto, muitas vezes, o Mandado de Procedimento Fiscal que dá início à investigação se resume a indicar os artigos de lei a que está submetido o contribuinte, sem indicar a exigível fundamentação que ampare referida atividade excepcional de fiscalização.

Vimos que a recente jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais citados (3ª e 4ª Região) só convalida os atos administrativos aduaneiros neste sentido quando efetivamente há fundada suspeita sobre o contribuinte, exigindo, portanto, que o agente fiscal, no início do procedimento, declare qual é a suspeita e quais as razões que a sustentam, para justificar aquele constrangimento excepcional do contribuinte.Além do que, como vimos, manter um procedimento de fiscalização com apreensão das mercadorias do contribuinte viola também seu direito de propriedade, constitucionalmente garantido.Observa-se também que a legalidade, a razoabilidade e a plausibilidade devem nortear os passos do agente fiscal aduaneiro, sendo certo que o não respeito aos princípios citados permitirá ao contribuinte buscar, mesmo que na esfera judicial, por meio do mandado de segurança ou pela ação ordinária, o encerramento do procedimento de investigação e a imediata liberação de suas mercadorias, pelas ofensas aos seus direitos líquidos e certos.

[1] O autor é Advogado, consultor e assessor jurídico de empresas, inclusive, na área de Importação, sócio do escritório CMOCA Advogados (Chacon, Macedo, Oliveira e Carvalho de Andrade Advogados (www.cmoca.com.br); Professor da Graduação, Pós Graduação e MBA do Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL; Mestre em Direito, cursando MBA em Gestão Universitária; Autor de 3 livros jurídicos e de diversos artigos científicos em revistas jurídicas especializadas como o Direito & Paz, Revista Nacional de Direito e Migalhas.

[2] Sobre os aspectos do controle aduaneiro e do sistema aduaneiro brasileiro consultar, deste mesmo autor: Manual de Legislação Aduaneira, 2007, Cabral Universitária, Taubaté, SP.

Nenhum comentário: