quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Petróleo deve desbancar turismo e atividade portuária

(aspas)

 

 

Depois de ver a venda de iates naufragar com a crise financeira mundial iniciada no ano passado, a fabricante MCP percebeu que seria melhor diversificar a carteira de produtos. Instalada na cidade paulista de Santos há 30 anos, a empresa decidiu destinar a recém-inaugurada fábrica na cidade vizinha do Guarujá para barcos de suporte a plataformas de petróleo e gás.

Há três meses, a MCP fechou um contrato de venda de três barcos para uma armadora que presta serviços à Petrobras, e já vislumbra um futuro próximo, em que esse tipo de embarcação represente 40% da produção. “Está surgindo a necessidade de atendimento à indústria de petróleo e resolvemos nos preparar para isso”, diz Manoel Chaves, diretor da empresa.

A mudança de rota da MCP ilustra a transformação em andamento atualmente na economia da cidade de Santos. O município, historicamente voltado para o turismo e às atividades portuárias, tem sua direção alterada rumo aos poços de petróleo e gás na Bacia de Santos. A nova configuração do mercado da cidade deve fazer crescer não apenas a arrecadação pública e o faturamento privado, mas também a área urbana, que deve dobrar.

“É o melhor cenário de desenvolvimento dos últimos 50 anos e há uma percepção tanto da sociedade quanto da administração pública de que haverá uma mudança do perfil econômico da cidade”, diz o prefeito João Paulo Tavares Papa (PMDB). Está próxima a data em que o mercado de petróleo vai superar a importância do turismo na cidade, e é possível acreditar que ultrapasse até a atividade portuária, responsável hoje por 15,55% das receitas municipais — 60% da arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS) e 32% da de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

O setor de petróleo e gás ainda é tímido na cidade, somando 12 empresas já estabelecidas, incluindo a Petrobras, e a prefeitura não tem o cálculo do quanto ele representa na receita. De qualquer forma, desde a entrada da Petrobras com seu escritório na cidade, em 2006, o orçamento do município passou de R$ 698 milhões para R$ 1,1 bilhão em 2009, uma alta de 58%. Para 2010, a expectativa é que chegue a R$ 1,3 bilhão.

A vocação da cidade de Santos é receber empresas voltadas para serviços, segundo o prefeito Papa, como o transporte de pessoas e materiais para as plataformas da Petrobras e manutenção de equipamentos. Durante a feira Santos Offshore, que ocorreu no fim de outubro, a Petrobras atendeu 320 empresas interessadas em fornecer produtos e serviços. A estatal cadastra as companhias para dar orientação sobre como elas podem se tornar fornecedoras. Desde 2007, foram cadastradas 74 empresas da Baixada Santista.

Não há espaço para a instalação de novas empresas na parte insular da cidade, onde 39 quilômetros quadrados ( km2) já estão totalmente ocupados por 99% da população santista. Uma área de 29km2 está sendo preparada para as novas empresas e para a expansão portuária do outro lado do canal, no território continental de Santos. “A nova área representa quase mais uma cidade. Temos a possibilidade de dobrar a área urbana em 20 anos”, diz o prefeito.

O momento atual é de “extrema responsabilidade”, segundo Papa. Após ter sido escolhida entre várias cidades, do litoral do Rio de Janeiro a Santa Catarina, para abrigar a sede da Unidade de Negócios da Petrobras, vem a responsabilidade de criar condições para o melhor aproveitamento deste mercado. Isso significa capacitar mão de obra e preparar a infraestrutura para atrair fornecedores.

Apenas de empregos diretos da Petrobras, são esperadas até 6 mil contratações a partir de 2012, o que equivale a um crescimento de 3% sobre a população empregada hoje. Soma-se a isso os empregos indiretos, impossíveis de calcular. Sabe-se apenas que o impacto será grande, e que entre os mil funcionários já contratados pela Petrobras até o momento, a importação de mão de obra foi preponderante. O esforço da prefeitura é para que as vagas futuras sejam ocupadas pela população local.

Para isso, as oito universidades presentes no município estão investindo em cursos na área de petróleo e gás, assim como as escolas técnicas. A prefeitura implementou dois cursos técnicos em escolas municipais. Segundo levantamento do Programa de Mobilização da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp), a demanda total da Petrobras para profissionais qualificados até 2013 é de 207.643 pessoas no país, das quais 19.756 em São Paulo e 3.148 em Santos.

A prefeitura, porém, não acredita que o processo de desenvolvimento do mercado de petróleo e gás desencadeie um crescimento populacional forte na cidade. Há duas décadas Santos tem uma população estável, de cerca de 418 mil pessoas, por conta da saturação do espaço físico disponível e por um fenômeno de ocupação das cidades vizinhas, com imóveis menos valorizados, por pessoas empregadas na cidade portuária.

Segundo a prefeitura, apesar de Santos ter pouco mais de 20% da população da região, a cidade responde por mais de 50% dos empregos formais da Baixada Santista. “A concentração dos empregos sem os novos negócios já é maior em Santos. Esse comportamento tende a se manter em novos patamares”, diz o prefeito. Dessa forma, não deve haver grande impacto nos serviços públicos. A maior preocupação da administração municipal é com a área de transportes, pois, segundo Papa, será preciso integrar melhor as cidades vizinhas para facilitar a circulação das pessoas.

De 2007 a 2009, a Baixada Santista, com 1,6 milhão de habitantes, foi a região do Estado de São Paulo com maior crescimento populacional, de acordo com pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ganhando um total de 64.655 moradores. Santos, porém, viu sua população diminuir 0,1% no mesmo período.

A expansão urbana na área continental, segundo a expectativa da prefeitura, deve ser de natureza comercial, sem grande impacto sobre o número de habitantes. “A população deve crescer, mas as maiores áreas serão voltadas para serviços e para atividades portuárias e retroportuárias”, diz Papa.

A população local ainda não sente mudanças no perfil dos habitantes. Antônio Soares da Costa, 60 anos, é sócio de um bar tradicional ao lado da prefeitura, o Café Carioca. Diz que o seu público continua o mesmo. “São políticos, funcionários públicos, bancários. O prédio da Petrobras ainda é pequeno, não se vê muita mudança”, diz ele.

Arlindo Quaresma, 86 anos, morador de Santos há 61 anos, já foi dono do Café Carioca. Aposentado, faz visitas a Soares para manter o costume de comer os pastéis famosos em Santos. Reclama que a cidade está largada, mas tem esperanças de que as coisas melhorem. “Se a Petrobras vier mesmo, o centro vai melhorar.”

O taxista Jean Carlos Medeiros trabalha em um ponto próximo a uma das principais avenidas da cidade, a Ana Rosa, e não notou fregueses diferentes. “Por enquanto a gente ouve mais falar; pode ser que só daqui uns quatro anos a gente sinta uma mudança”, diz.

 

Chegada da Petrobras afeta imóveis residenciais e comerciais

 

A chegada da Petrobras e a perspectiva de crescimento da cidade já causam impacto no mercado imobiliário de Santos. As imobiliárias têm recebido um público diferente à procura de apartamentos e há uma retomada dos investimentos em prédios comerciais, parados há cerca de 20 anos.

A procura tem valorizado as propriedades em níveis acima do usual. De 2008 para cá, o preço dos imóveis residenciais aumentou até 50%, enquanto nos anos anteriores a valorização ficava na faixa dos 20% a 30%, conta Sarah Rejane Brito, corretora da Kasa Imóveis, uma imobiliária local. “Há 20 anos trabalho com vendas de imóveis e nunca vi uma valorização assim. Hoje temos uma procura maior que a oferta”, diz ela.

Os terrenos quase dobraram de preço de dois anos para cá, segundo o proprietário da construtora Miramar, Armênio Mendes. “As áreas boas são disputadas e isso acaba refletindo no valor dos imóveis. Mas a valorização tem que ter um limite, porque senão pode acabar dificultando as vendas”, diz.

Áreas próximas ao porto também estão valorizando. Segundo Lawrence Pih presidente do Moinho Pacífico, terrenos perto do porto mais que duplicaram de valor, de R$ 600 a R$ 700 o metro quadrado (m2) para R$ 2,2 mil. “Há um processo forte de investimento na cidade por conta das perspectivas”, diz Pih. A empresa está investindo R$ 80 milhões para duplicar a sua capacidade de estocagem de trigo próxima ao porto, obra que deve ficar pronta em 12 meses.

Uma área que também deve valorizar rapidamente é o entorno do terreno adquirido pela Petrobras no bairro do Valongo, centro de Santos. O terreno de 25 mil m2 foi escolhido pela petroleira para ser a sede da unidade de negócios da Bacia de Santos e a intenção é que o investimento sirva para induzir a revitalização da região, hoje uma área degradada do centro.

Quem acompanha esse mercado diz que não é possível atribuir o aquecimento da venda de imóveis apenas à chegada da Petrobras. O setor imobiliário está sendo beneficiado por um período de maior disponibilidade de crédito a juros mais baixos, o que incentiva a venda ao público das cidades vizinhas em busca de casas de veraneio e à própria população local, que aproveita para melhorar o padrão das suas residências.

O aumento da demanda por imóveis comerciais e a presença cada vez maior do público voltado para eventos de negócios mostram, porém, que o setor de petróleo e gás já está ganhando importância na cidade.

Em dezembro de 2008, a imobiliária Lopes fez seu primeiro lançamento na área comercial, um prédio da incorporadora Elbor com 506 salas próximo ao centro novo da cidade, e vendeu 95% em dois meses. “Temos só 25 salas livres, a procura foi muito grande”, diz Davi Theodoro Uberreich, instrutor de treinamento de corretores da unidade da Lopes em Santos.

A avenida Ana Costa, uma das principais vias do centro novo, tem ganhado novos prédios, como o da armadora Mediterranean Shipping Company (MSC), um investimento de R$ 40 milhões que, além de abrigar os escritórios da companhia, também possui salas para terceiros. “A Petrobras é uma grande indutora desse movimento de novos negócios na cidade, também impulsionado pelos investimentos no porto”, diz o delegado regional do Secovi da Baixada, Domingos de Oliveira.

A valorização imobiliária não se traduz só com o aumento do preço, mas também na maior velocidade de comercialização. Há seis meses a construtora Miramar lançou um condomínio residencial com apartamentos de R$ 3,5 milhões. Já vendeu metade dos 54 imóveis, que devem ser entregues em agosto de 2010. “Vivo em Santos há 40 anos e nunca se vendeu tanto quanto neste ano”, diz Mendes, proprietário da construtora.

De olho no crescimento da Petrobras na cidade, Mendes diz que espera que as vendas melhorem ainda mais. “Já vendemos muitos apartamento para funcionários da Petrobras, mas é um volume que ainda não é tão significativo. Espera-se que venham mais”, diz ele.

Hoje, a Petrobras está presente com cerca de 1 mil trabalhadores na cidade. Com a construção da unidade de negócios, esse número deve triplicar até 2012, quando a primeira torre ficará pronta, e chegar a 6 mil pessoas com a conclusão de outros dois prédios no mesmo terreno.

Outro setor que está sentindo o maior dinamismo da economia da cidade é o hoteleiro. Com o crescimento da importância dos eventos, a capacidade hoteleira de Santos ficou defasada. Enquanto o centro de convenções da cidade, o Mendes Convention Center, pode receber até 4,6 mil convidados, o conjunto de hotéis da cidade possui 2,5 mil leitos. Assim, em grandes eventos, é preciso recorrer à rede hoteleira das cidades vizinhas.

O ritmo é de aumento do volume de eventos ligados à petróleo e gás. No ano passado eles representaram 8,6% do faturamento do Mendes Convention Center, e neste ano a estimativa é de que esse percentual chegue a 12%.

Hoje, 60% da ocupação do hotel Parque Balneário, hospedagem cinco estrelas na avenida Ana Costa, é de pessoas relacionadas aos negócios do setor, segundo o diretor de operações Renato Chammas. A expectativa é de que esse númerocresça para 70% em pouco tempo. “O ano passado foi um período muito bom. Sentimos um pouco a crise no primeiro semestre deste ano, mas no meio do ano o mercado voltou a aquecer”, diz ele.

Com a expectativa de aumento da demanda, o Grupo Mendes, dono do Parque Balneário, deve iniciar a construção de um novo hotel no ano que vem com perfil mais econômico na mesma região. O hotel deve ficar pronto em 2013, e o grupo empresarial não divulga o valor do investimento.

 

 

(aspas)

 

 

Fonte : Por Cláudio Belli, para o Jornal “Valor Econômico”, edição de 05/11/2009, página A-14

 

 

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Joel Martins da Silva

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