segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Falta de estrutura do porto para receber a carga levada pelos caminhões transforma as ruas próximas em imensos estacionamentos

 

 

 

Ao lado de trilhos vazios, cobertos de lixo e lama, centenas de caminhões começam a se enfileirar, um atrás do outro, na Avenida Engenheiro Antônio Alves Freire, principal entrada do Porto de Santos. Em questão de hora, o local se transforma num grande estacionamento aberto, que ocupa mais de cinco quilômetros da avenida. Se tiverem sorte, eles só vão sair dali dentro de seis horas. Caso contrário, poderão demorar mais de um dia.

 

É o que tem ocorrido nas últimas semanas no maior porto da América Latina, conforme relatam dezenas de motoristas ouvidos pelo Estado na quarta-feira, no período da manhã. Sem estrutura adequada, como banheiros e local para comer, os profissionais se viram como podem.

Alguns passam horas trancados dentro do caminhão, com medo de assaltos. Outros aproveitam o tempo para dar uma olhadinha na mecânica do veículo. Mas a maioria prefere bater papo e discutir a situação caótica de Santos. O resultado de tanta ociosidade, no entanto, vem na fatura do cliente - e na competitividade do produto nacional.

Para fazer qualquer viagem, os caminhoneiros autônomos cobram um determinado valor referente ao frete. Em Santos, toda vez que ultrapassa o período de seis horas, há um custo adicional de estadia que pode chegar a 50% do frete. Ou seja, se o caminhão ficar parado mais de 12 horas, como tem ocorrido frequentemente, o preço do transporte dobra. Entre São Paulo e Santos, o frete pode saltar de R$ 700 para R$ 1,4 mil, segundo as transportadoras.

Essa é uma forma de compensar o tempo que o caminhão fica parado, afirma o motorista Paulo Pelegrine, de 57 anos, 38 deles na boleia de um caminhão. "Em vez de fazer duas ou três viagens, acabo fazendo apenas uma por causa de todo esse caos de Santos. Tenho de ser remunerado por isso", explica o caminhoneiro.

O adicional, no entanto, não paga todo o transtorno e pode representar prejuízo para os motoristas que recebem comissão, como é o caso de Osvaldo Giopato. Ele faz apenas o transporte conhecido como "vira", que significa tirar a mercadoria de um armazém, em Santos, e levar para o porto, ou vice-versa. "Se não pegasse fila, conseguiria fazer umas 5 viagens por dia e ganharia muito mais do que esse adicional."

Além disso, a falta de infraestrutura do local virou um martírio para quem tem de ficar o dia inteiro cercado por caminhões. Embora o porto ofereça alguns serviços, como banheiro e lanchonete, a fila onde eles ficam está distante de tudo. A comida do almoço chega a bordo de motocicletas e peruas, e custa em torno de R$ 10, com direito a um refrigerante. "Mas é preciso ligar e encomendar", afirma o dono do restaurante ambulante Salomão Gomes, que sempre traz uma quentinha a mais para os desavisados.

Fila em alto mar. O caos em Santos tem uma série de explicações. Uma delas é a expansão das exportações de açúcar. Sem estrutura adequada para carregar os navios em períodos chuvosos, a carga congestionou Santos. Na sexta-feira, o número de navios estacionados na barra santista, à espera de um berço para atracar no cais, somava 82 embarcações - esse número já atingiu 119 no mês passado.

A fila de navios atrapalhou toda a operação do porto e causou congestionamento também nos terminais, cujas pilhas de contêineres estão cada vez mais altas. Outro problema é a escalada das importações, da ordem de 40% ao ano. Motoristas relatam que a capacidade de alguns terminais está tão comprometida que até as máquinas de movimentação de contêineres têm tido problemas com a falta de espaço para operar.

Responsável por quase 80% de tudo que passa pelo Porto de Santos, o transporte rodoviário absorve todos esses problemas. Os caminhões viraram uma extensão dos terminais. Transformaram-se em armazéns sobre rodas. "Somos reféns dos terminais. Isso aqui virou uma vergonha", disse Pedro Luiz Oliveira, de 50 anos. Na sexta-feira, ele estava quase desistindo de esperar na fila por causa da quantidade de caminhões.

Uma das alternativas dos terminais para evitar transtornos ainda maiores tem sido o agendamento para carga e descarga das mercadorias. Mas isso também não tem funcionado bem, como mostra o motorista Davi Alba, de 64 anos. Ele chegou a Santos na madrugada do dia 4 para retirar uma carga prevista para ser liberada às 10 horas da manhã do mesmo dia. Na quarta-feira, dois dias depois da data marcada, ele continuava em seu caminhão, parado, na entrada do Porto de Santos.

"Agora me disseram que vão liberar hoje, mas ninguém garante nada", afirmou o motorista, que dirige um caminhão preparado para cargas especiais. Na ocasião, ele aguardava para transportar uma peça de guindaste de 90 toneladas e 30 metros de comprimento. Apesar da demora, Alba não se alterou. Mas ele tem motivo de sobra. "Mês que vem estarei aposentado. Nunca mais quero passar perto do Porto de Santos", brincou. O motorista trabalha há 40 anos no setor.

Queixas. O presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Comercial de Carga do Litoral Paulista (Sindisan), Marcelo Marques da Rocha, conta que, apesar dos agendamentos, algumas cargas perdem o prazo dos navios, que deixam o Porto de Santos sem a encomenda. Tudo isso por causa das filas de caminhões, que não obedecem nenhum agendamento, apenas a ordem de chegada.

Depois de inúmeras reclamações dos associados, Rocha decidiu levantar o problema de cada um e encaminhar ao Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Nos relatos das empresas, há queixas de todos os tipos, desde a demora para embarque e desembarque das cargas - apesar da hora marcada - até a dificuldade para fazer o próprio agendamento, que pode demorar até 5 dias. Algumas acusam os terminais de privilegiar empresas na hora de marcar o embarque ou desembarque. As transportadoras também reclamam de ficar com o caminhão parado por mais de três dias, à disposição do terminais.

A presidente da Associação Brasileira de Terminais e Recintos Alfandegados (Abtra), Agnes Barbeito de Vasconcellos, admite que os terminais de Santos estão com a ocupação de suas áreas elevada por causa do aumento de importações e pelo problema do açúcar. Além disso, o Porto de Santos está passando por um trabalho de dragagem, que paralisa as atividade durante alguns períodos, afirma ela. "Tudo isso atrapalha a operação portuária."

A direção do terminal Rodrimar, um dos mais criticados pelos motoristas, também afirma que foi surpreendida pelo aumento do volume de carga no porto, que tem batido recordes todos os meses. A empresa diz que o tráfego intenso de caminhões na Avenida Engenheiro Antonio Alves Freire, que é passagem obrigatória de todos os caminhões que acessam o Porto de Santos, prejudica a entrada e saída de veículos no terminal. Mas, na quarta-feira, durante todo o tempo que a reportagem ficou no local, poucos caminhões que estavam na fila tiveram autorização para entrar.

A empresa destaca que está fazendo alterações no sistema de informática e que deve concluir a instalação de mais uma balança rodoviária no local. "As ações, que estarão em prática no início de novembro, vão regularizar nossas operações", informou a empresa. Essa é a prece de todo motorista que vai ao Porto de Santos.

 

 

(aspas)

 

 

Com texto de Renée Pereira, para o Jornal  "O Estado de S.Paulo", 10/10/2010

 

Nenhum comentário: