terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Importação retomou parte do peso perdido no consumo interno

Comércio exterior: Desde junho, volume importado subiu 10,5% e produção interna aumentou 7,6%

A participação das importações no consumo interno de produtos industriais voltou a ganhar fôlego no segundo semestre do ano passado, na esteira da valorização do câmbio e da retomada mais forte da atividade econômica. Na média acumulada nos três meses até novembro, a fatia dos importados ficou em 15,9%, mais de um ponto percentual acima dos 14,8% atingidos em junho, quando o indicador caiu para o nível mais baixo desde julho de 2007 nessa base de comparação, segundo cálculos da LCA Consultores. Com o dólar barato e a recuperação da demanda, o volume de importações ganhou impulso -na comparação entre junho e dezembro de 2009, cresceu 10,5%, acima da alta de 7,6% registrada pela produção industrial no período, nos dois casos nas séries com ajuste sazonal.

Há setores em que a fatia dos importados está próxima ou acima de 40%, como em material eletrônico, aparelhos e equipamentos de comunicações – 46,19% na média dos três meses até novembro – e máquinas para escritório e equipamentos de informática – 39,88%. Em equipamentos de instrumentação médico-hospitalar, ópticos e outros, o número ficou em 59,95%. Há setores, no entanto, com participação muito pequena de bens vindos de fora, como o de vestuário e acessórios (4,3%).

"A indústria nacional vai perder um pouco mais de espaço para os produtos importados no mercado interno em 2010, diz o economista Douglas Uemura, da LCA, observando que a perspectiva para este ano é de um dólar ainda barato, embora provavelmente não mais em tendência de queda, e de forte crescimento da economia – a LCA projeta uma expansão de 6,1%.

De 2004 a 2008, a fatia dos importados no consumo interno de bens industriais pulou de 11% para 16,6%, movimento explicado pela combinação de dólar em queda e crescimento mais forte do Produto Interno Bruto (PIB) – a taxa média de expansão da economia nesse período ficou em 4,8%, muito acima dos poucos mais de 2% registrados entre 1980 e 2003. Já o dólar médio caiu de R$ 3,07 em 2003 para R$ 1,83 em 2008.

Nos primeiros meses de 2009, a participação dos produtos vindos do exterior no consumo interno encolheu. O câmbio se desvalorizou e a economia tombou, refletindo o impacto da crise global sobre o Brasil. O cenário mudou a partir de meados do ano passado, quando o dólar inverteu a mão novamente e a atividade econômica ganhou força. Um dos resultados foi a alta mais firme das importações.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, diz que, além da valorização do câmbio e da retomada da atividade, a queda dos preços em dólar também contribuiu para a elevação da fatia dos importados no consumo interno. Em um cenário de economia global ainda fraca, exportadores de países como a China reduziram as cotações de seus bens para manter ou conquistar mercados, avalia ele. Combinado à apreciação da moeda brasileira, isso tornou ainda mais atraente os preços em reais de bens importados. No primeiro trimestre de 2009, a taxa de câmbio média ficou em R$ 2,3113, recuando para R$ 1,7387 no quarto trimestre. Por enquanto, a aposta é de um dólar a R$ 1,75 no fim do ano.

Uemura acredita que o coeficiente importado no consumo de bens industriais vai atingir 17,3% neste ano, uma alta de quase dois pontos percentuais em relação aos estimados 15,5% de 2009. Ele calcula essa fatia com base nos números da produção industrial do IBGE e do volume de exportação e importação da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), ponderando o peso dos setores com informações das contas nacionais. Na média móvel trimestral, o recorde foi alcançado em dezembro de 2008 – 17,16%.

Para Gonçalves, porém, é possível que a tendência de alta da parcela dos importados no consumo interno seja interrompida neste ano. Ele acha que o câmbio não vai mais se valorizar, podendo até se depreciar um pouco, e as empresas estrangeiras que concorrem com as brasileiras não vão continuar a conceder descontos tão grandes, como fizeram em 2009.

Uemura acredita que as maiores altas da participação dos importados tendem a ocorrer nos setores que produzem bens de capital e em alguns segmentos de bens de consumo duráveis, como equipamentos de informática e aparelhos de comunicações. No setor de máquinas e equipamentos – onde se concentra boa parte dos bens de capital -, a fatia dos importados no consumo nacional começou a dar mostras mais consistentes de reação apenas a partir de setembro de 2009, atingindo 26,53% na média dos três meses até novembro. Esse percentual era de 32,75% em dezembro de 2008.

Com a alta forte esperada para o investimento neste ano, a expectativa é que a participação dos produtos estrangeiros ganhe espaço nesse segmento, diz Uemura. A LCA aposta em crescimento de 20,4% da formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe na construção civil e em máquinas e equipamentos). O dólar depreciado também vai ajudar, pois reduz o preço dos bens de capital importados, acrescenta.

Há segmentos em que já houve uma significativa recuperação da parcela dos bens importados no consumo interno. No de máquinas para escritório e equipamentos de informática, por exemplo, houve um salto de 33,97% na média móvel até junho de 2009 para 39,88% nós três meses até novembro de 2009. Nesse segmento, as importações cresceram 56% entre junho e novembro do ano passado, feito o ajuste sazonal. Em veículos automotores, a parcela dos estrangeiros no consumo total também cresceu, aumentando de 13,85% nos três meses até abril de 2009 para 15,4% em novembro.

O professor Fernando Sarti, da Unicamp, considera o aumento da fatia dos produtos estrangeiros no consumo interno um fator de preocupação. Para ele, o Brasil tem na força do mercado interno um grande trunfo para entrar numa fase de crescimento virtuoso e será um grande desperdício se essa vantagem não se traduzir num ciclo de forte investimento e produção doméstica. "O que me preocupa é o padrão de crescimento dos próximos anos", diz Sarti. Para ele é totalmente indesejável que a expansão se baseie apenas no consumo, com participação cada vez maior de importados, seja componente ou bem final.

Sarti acredita que o aumento da fatia dos produtos estrangeiros no consumo doméstico na segunda metade de 2009 se deveu à estratégia das multinacionais, que desviaram parte da produção para mercados como o brasileiro, que crescem mais que a média da economia global, em especial os desenvolvidos. "O câmbio é o fator-chave, mas não é o único a explicar o movimento."

(aspas)

Por : Sergio Lamucci, de São Paulo, para o Jornal "Valor Economico", 25/01/2010

 

Nenhum comentário: