Uma medida argentina que já dura quase nove anos e tira a competitividade dos bens de capital brasileiros no mercado vizinho deverá finalmente perder a validade em agosto. A medida em questão foi adotada em março de 2001, na gestão do ex-ministro Domingo Cavallo, às vésperas do auge da crise econômica na Argentina. Por decreto, o governo reduziu para zero a alíquota de importação de máquinas e equipamentos produzidos fora do Mercosul, em exceção à Tarifa Externa Comum, que é normalmente de 14%.
Para não prejudicar os fabricantes locais, o governo também instituiu um benefício tributário para a indústria argentina: a devolução de 14% da receita das vendas na forma de um bônus usado no abatimento de impostos. Com tudo isso, os bens de capital argentinos mantiveram uma espécie de proteção contra os concorrentes estrangeiros, mas o Brasil perdeu a vantagem tarifária garantida, teoricamente, pelo Mercosul.
A novidade é que, depois de seguidas renovações anuais do benefício tributário e do “waiver” (liberação) da Tarifa Externa Comum, o governo da Argentina resolveu prorrogar a medida por apenas seis meses, em 19 de fevereiro. E acenou, a vários funcionários brasileiros, que acabará com o mecanismo em agosto, quando acabar a última renovação do decreto. “Foi a primeira vez em que falaram concretamente na extinção do benefício e do waiver”, constata um negociador brasileiro que há nove anos acompanha o assunto pelo Itamaraty.
Uma fonte do Ministério da Produção da Argentina afirmou ao Valor, na semana passada, que “em princípio” não haverá mais renovações do decreto. O secretário de Indústria, Eduardo Bianchi, foi mais evasivo, mas agregou: “O certo é que, uma vez acabando o benefício tributário, o waiver também terminaria.”
O governo brasileiro saiu de uma série de reuniões em Buenos Aires com a expectativa de que uma boa notícia ao setor de bens de capital deverá ser dada em agosto. Se o fim do regime diferenciado da Argentina for confirmado, a medida “seria importante para valorizar a produção regional no Mercosul e permitir maior integração produtiva”, segundo afirmou o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral.
Procurada, a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq) – entidade que representa o setor – não deu entrevista. Informou, no entanto, que o Brasil exportou US$ 918 milhões em máquinas e equipamentos à Argentina, em 2009. O país vizinho foi o segundo maior mercado para os fabricantes brasileiros, apenas atrás dos Estados Unidos.
Para o governo argentino, ao mesmo tempo em que o waiver à Tarifa Externa Comum barateia os investimentos em expansão da capacidade industrial, o incentivo tributário aos fabricantes do país favorece mais de 3 mil empresas, que geram 280 mil empregos.
Os sinais da Argentina de que a medida está no fim ajudam a distender o ambiente comercial após a aplicação mútua de licenças não automáticas de importação, no ano passado. Na quinta e sexta-feira da semana passada, representantes dos dois lados definiram uma agenda comum para intensificar políticas de integração produtiva na região.
Os dois governos vão tratar dois grupos de setores de formas separadas: os estratégicos (petróleo e gás, autopeças, aeronáutico e de máquinas agrícolas) e os sensíveis (madeira e móveis, linha branca, vinhos e lácteos).
Participaram técnicos da Secretaria de Comércio Exterior do Brasil, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Banco do Brasil. Pelo lado argentino, sob a liderança da Secretaria de Indústria, havia representantes do Banco de la Nación e do Banco de Investimentos e Comércio Exterior (Bice). Também participaram as chancelarias dos dois lados. Uma nova reunião foi agendada para meados de março.
Avisado previamente, o governo brasileiro não reclamou publicamente da abertura de uma investigação antidumping da Argentina – a pedido de três empresas – contra fios de polipropileno do Brasil. Os argentinos já haviam comunicado informalmente sobre a investigação durante a visita a Buenos Aires, no início do mês, dos ministros Celso Amorim (Relações Exteriores), Guido Mantega (Fazenda) e Miguel Jorge (Desenvolvimento).
Em 2009, o Brasil teve superávit comercial de US$ 738 milhões com a Argentina – o sexto resultado positivo anual consecutivo. Em janeiro, o comércio bilateral começou a reagir. Tanto as exportações quanto as importações aumentaram em torno de 50%. A expectativa do governo brasileiro é que, com o crescimento do comércio, haja um clima maior de entendimento para remover as licenças não automáticas de importação.
(aspas)
Fonte : Jornal “Valor Econômico”, 22/02/2010
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