As decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) podem tomar rumos diferentes a partir de março.
Nesta data, assumem uma vaga no órgão 102 novos conselheiros, que nunca haviam ocupado o cargo antes. No total, o órgão possui 216 representantes de contribuintes e do Fisco. Com um perfil mais técnico, a expectativa é de que os novos conselheiros causem impacto na jurisprudência do conselho, especialmente na análise de planejamentos tributários.
Para a vice-presidente do Carf, Susy Gomes Hoffmann, que ocupa o mais alto cargo de representação dos contribuintes no conselho, como se trata de um número elevado de pessoas novas, com boa formação técnica, haverá impacto na jurisprudência. Mas, pelo menos por enquanto, apenas nas câmaras comuns. Isso porque ainda não houve a mudança dos conselheiros que fazem parte da última instância do Carf, a Câmara Superior de Recursos Fiscais.
Pela primeira vez, a seleção dos conselheiros foi realizada por um comitê de notáveis formado pelo presidente do Carf, Carlos Alberto Freitas Barreto; pelo professor Paulo de Barros Carvalho, representando a sociedade civil; o advogado Eurico Marcos Diniz de Santi, escolhido pelas confederações; o auditor fiscal da Receita Federal Andre Rocha Nardelli; e o procurador Cezar Saldanha Jr. Antes, a seleção era feita por uma comissão interna da Receita Federal do Brasil. Como sempre, as confederações e órgãos públicos apresentaram listas tríplices com a sugestão de nomes para as vagas.
No total, foram encaminhados cerca de 280 currículos. Segundo Santi, escolhido como representante das Confederações Nacionais da Saúde (CNS), Indústria (CNI), Comércio (CNC), Instituições Financeiras (CNF), Agricultura (CNA), e Transporte (CNT), todos do comitê passaram semanas analisando o material recebido. Cada avaliador escolheu um de cada lista tríplice conforme sua experiência profissional, formação acadêmica, idade e especialização na suposta área de atuação no conselho. Após essa etapa, o comitê levou mais 48 horas para eleger os finalistas. "Todos do comitê opinavam sobre a indicação tanto de representantes do Fisco, como dos contribuintes", diz Santi. "Decisões mais justas, transparentes e bem fundamentadas dependem da qualidade dos conselheiros."
A maioria dos eleitos tem formação em direito, contabilidade, economia ou administração. Cerca de 40% possuem pelo menos duas formações acadêmicas e todos têm especialização na área tributária. A mudança também permitiu que jovens profissionais passassem a fazer parte dos quadros do Carf. Um dos eleitos, o advogado Maurício Pereira Faro, do escritório Barbosa Mussnich & Aragão (BMA), é formado há oito anos. A partir de março, terá que conciliar as atividades do Carf com os processos em que atua no escritório, e também com a função de conselheiro da secional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) no Rio de Janeiro. Ele acredita que será possível haver mudanças na jurisprudência do Carf pela quantidade de novos integrantes no órgão e pelo critério de seleção diferenciado. "Vemos no Supremo uma série de precedentes revistos por conta de uma nova composição. Pode acontecer também no Carf", afirma.
A nova formação do Carf faz com que especialistas que atuam no conselho tenham grande expectativa sobre como passará a ser julgada a legalidade dos planejamentos tributários. "Um dos assuntos relevantes que devem ser analisados pelo Carf em 2010, por exemplo, é a aplicação da multa qualificada em casos de simulação", lembra o advogado Gilberto de Castro Moreira Jr, do escritório Vella Buosi Advogados. Hoje tem prevalecido o entendimento de que se o planejamento tributário é uma simulação para que a companhia pague menos impostos, a multa contra a empresa deve dobrar de 75% para 150%. "Pelo gabarito do comitê de seleção, os julgamentos deverão ser mais justos."
Apesar da mudança quantitativa no Carf, isso só refletirá na qualidade dos seus julgamentos de acordo com a instrução que será dada aos novos conselheiros da Fazenda. É o que entende o advogado Hamilton Dias de Souza, sócio do Dias de Souza Advogados Associados, que no conselho defende o grupo gaúcho de comunicação RBS. Autuada por realizar um possível planejamento tributário ilícito, na semana passada a empresa amargou o revés em um julgamento de última instância no conselho, por desempate pelo representante do Fisco. O advogado argumenta que como é sempre o Fazenda que desempata, "sem a análise técnica e imparcial de seus representantes, sem viés fiscalista, as empresas vão começar a preferir a via judicial, o que seria gravíssimo", diz.
Segundo o presidente do Carf, Carlos Alberto Freitas Barreto, no dia 8 de março, os novos conselheiros receberão todo o acervo do órgão digitalizado para conhecer seus precedentes. "Daí em diante, vai da convicção de cada um", diz. Barreto afirma que agora só faltam ser preenchidos 24 cargos vagos para o conselho ficar completo. O presidente espera ainda que o maior número de conselheiros eleve também o volume de julgados. O que deve estimular isso é a implantação de uma avaliação de produtividade dos conselheiros, também em março. "Será um controle paralelo da produtividade por hora-média padrão de trabalho, levando em conta a complexidade do processo", explica. "A tecnicidade dos novos conselheiros deverá facilitar ainda a realização de julgamentos em lotes de processos de mesmo tema."
Advogados reclamam da falta de publicações
Das inúmeras mudanças implementadas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) a partir do ano passado, uma delas tem dificultado bastante a vida dos advogados que atuam no órgão. Há cerca de seis meses, a publicação das decisões do tribunal administrativo no Diário Oficial da União (DOU) foi extinta. Além disso, acessar o site do Carf, que contém a jurisprudência do órgão, tornou-se uma tarefa ingrata. Sem mais terem acesso às decisões por meio das publicações oficiais para fundamentar os recursos e sem o acesso pela internet, muitos advogados têm sido obrigados a ir pessoalmente ao Carf - o que não é algo simples para os profissionais que não residem em Brasília.
Essa queixa é frequente. De acordo com o advogado Flávio Eduardo Carvalho, do escritório Souza, Schneider e Pugliese Advogados, as publicações no DOU foram extintas num momento em que o site está caótico. A principal dificuldade, segundo Carvalho, é elaborar um recurso para a Câmara Superior, pelo qual deve ser demonstrada divergência entre decisões do Carf. "Isso está inviabilizando a possibilidade do contribuinte recorrer ao conselho", diz Carvalho.
O presidente do Carf, Carlos Alberto Barreto, afirma que a publicação em Diário Oficial foi extinta, mas que as decisões dos julgamentos estão disponíveis no site do Carf. Segundo ele, são 140 mil acórdãos da jurisprudência dos últimos dez anos. "Hoje o site já está quase normalizado, com possibilidade de pesquisa muito maior do que no DOU", diz. Segundo ele, diante das dificuldades para acessar o site, é possível que se discuta a volta das publicações no Diário Oficial.
(aspas)
Por : Laura Ignacio, de São Paulo, e Luiza de Carvalho, de Brasília, Jornal “Valor Econômico”, 12/02/2010
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