terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Na contramão da competitividade


Não era difícil prever, no final de 2010, que a agenda de política industrial e comercial brasileira seria pautada, no primeiro ano do novo governo, pelas preocupações com os impactos da apreciação cambial e da concorrência dos importados - especialmente daqueles originários da China - sobre a produção doméstica.

"Importações predatórias", "desindustrialização", "perda de densidade das cadeias produtivas" foram algumas das expressões (e dos fantasmas) que povoaram a retórica dos formuladores de política brasileiros ao longo do ano. No entanto, as políticas governamentais na área da indústria e do comércio exterior parecem tratar os problemas por elas identificados como transitórios ou meramente conjunturais, quando eles apontam, na realidade, para as questões estruturais relacionadas à competitividade da indústria no Brasil.

Após 20 anos do início de sua gradual e moderada liberalização comercial e tendo conseguido evitar qualquer compromisso adicional relevante de abertura por meio de acordos preferenciais, a China e uma taxa de câmbio mais apreciada do que conviria à indústria nos apresentam aos efeitos competitivos da globalização comercial.

Quando se compara o Brasil com outras economias de perfil semelhante, observa-se que ainda somos uma economia bastante fechada. Dados do Banco Mundial mostram que a participação das importações de bens e serviços no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro em 2010 era de 12,2%, muito abaixo das observadas na China (25,7%), Índia (24,8%), México (31,8%), África do Sul (27,1%) e Turquia (26,6%).

De fato, de acordo com cálculos da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), nos últimos dois anos houve um expressivo aumento da participação de produtos importados no consumo doméstico de bens industriais (considerando-se os dados a preços constantes), passando de 15,4% no último trimestre de 2009 para 20,4% no terceiro trimestre de 2011. Essa tendência, que já vinha em curso desde 2007, é acirrada no último biênio pela combinação câmbio-China.

Esse não será um fenômeno passageiro. Ele aponta para mudanças estruturais nas economias global e brasileira e suas implicações para o Brasil continuarão a se fazer sentir mais além do período de crise. Identificados há pelo menos duas décadas, muitos dos problemas que estão na origem da baixa competitividade da indústria brasileira foram apenas marginalmente atacados - o que só foi possível graças à baixa contestabilidade dos mercados industriais domésticos, mesmo depois da abertura dos anos 90.

A fragilidade das posições competitivas das exportações de manufaturas brasileiras foi fartamente documentada, mas a ficha somente começou a cair quando, no mercado doméstico (e não apenas nos mercados externos), os setores intensivos em trabalho começaram a perder espaço para os concorrentes asiáticos. Aos poucos, o processo se estendeu a outros setores, fazendo soar o alarme e trazendo ao centro do palco o fantasma da "desindustrialização".

Se há risco de "desindustrialização", este é um problema estrutural, mas as respostas de política na área comercial parecem desenhadas para enfrentar um problema transitório: a "enxurrada de importações predatórias" associada à crise nos países desenvolvidos, a que a presidente Dilma Rousseff se referiu em reunião recente do Mercosul para justificar a adoção de novas medidas de defesa comercial por parte do bloco.

Aliás, essa foi a tônica na política comercial: a ativação da política de proteção, por meio do uso de instrumentos tarifários e de mecanismos antidumping. A proposta brasileira no Mercosul vai nesta mesma direção: aumentar os números de produtos que compõem a lista de exceções à Tarifa Externa Comum (TEC) e estabelecer novo mecanismo que permita a elevação temporária de tarifas para proteger a produção local.

Nenhuma medida, no entanto, superou, no quesito "proteção", o pacote de apoio aos produtores domésticos de automóveis anunciado em setembro. Aqui, fora a ousadia de violar claramente regras e acordos multilaterais dos quais o Brasil, como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC), é signatário, não há nenhuma novidade no que se refere ao conteúdo da política e aos beneficiários das medidas. Depois de adotada com o objetivo declarado de proteger a indústria doméstica já estabelecida das importações asiáticas, a medida passou a ser apresentada como instrumento de atração de novos investimentos do setor.

A trilha de aumento da proteção que a política comercial brasileira vem percorrendo desde meados de 2010 não vem conseguindo estancar o aumento do coeficiente de importações na indústria, como mostram os dados desse coeficiente. Nem poderia.

O problema não é o aumento das importações, mas, sim, a perda de competitividade da indústria. Em boa medida, os instrumentos das políticas industrial e comercial recentes contribuem para aprofundar o problema, em vez de saná-lo. Maior proteção, principalmente para bens intermediários e de capital, aumenta o custo de produção e em nada contribui para melhorar o perfil de competitividade da indústria brasileira.


(aspas)

 

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