segunda-feira, 10 de maio de 2010

Concordata rural

10 de maio de 2010 | 0h 00

 

- O Estado de S.Paulo

 

Um agricultor paulista com dívidas no valor de R$ 2 milhões, acumuladas durante a crise internacional, conseguiu do Tribunal de Justiça de São Paulo autorização para um plano de recuperação judicial, equivalente à antiga concordata. Amparado por esse benefício, o produtor poderá renegociar seus compromissos com bancos e com cerca de cem outros credores, como fazem tradicionalmente as empresas. Ações semelhantes de outros agricultores tramitam em tribunais de outros Estados ou estão em fase de recurso em Brasília.

 

A maioria dos juízes tem-se negado a reconhecer o produtor rural como empresário, por falta de registro de pessoa jurídica. No entanto, a atividade exercida por esse tipo de produtor tem características empresariais, argumenta o advogado Sérgio Emerenciano, representante do agricultor Milton Garção, de Jales, favorecido pela decisão inovadora. Se o exemplo do tribunal paulista for seguido em outros processos, será mais fácil deixar ao mercado a solução de problemas ligados ao endividamento de agricultores e criadores.

 

Caminho semelhante foi seguido nos Estados Unidos, em meados dos anos 80, quando uma severa crise no mercado de produtos agrícolas levou à insolvência milhares de produtores, na maior parte pequenos e médios. Alguns anos antes, o Clube de Roma, dedicado à futurologia econômica, havia projetado um grande aumento de preços. Segundo os autores do estudo, a demanda mundial de alimentos cresceria bem mais velozmente que a produção e as cotações subiriam de forma acentuada.

 

Produtores americanos levaram a sério a previsão. Compraram ou arrendaram terras, investiram em equipamentos, endividaram-se e produziram com entusiasmo. Em 1985-86 a oferta era excessiva e as cotações despencaram. Nem as intervenções do governo foram suficientes para impedir a crise. Muitos quebraram e os suicídios ganharam espaço na imprensa regional, principalmente nos Estados do Meio-Oeste americano.

 

Os efeitos da crise foram atenuados quando se estenderam aos agricultores pessoas físicas os benefícios da lei de insolvências. Com isso eles ganharam melhores condições para renegociar dívidas com bancos e com empresas fornecedoras de máquinas e equipamentos e de insumos químicos.

 

A extensão da crise, com muitos produtores afetados pela forte redução dos preços, favoreceu a solução adotada nos Estados Unidos, naquela ocasião. Não se tratava de casos esparsos, dentro da normalidade estatística, mas de um problema econômico e social de grandes proporções.

 

A dimensão da crise parece ter pesado também na decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo. Essa é a interpretação do advogado Sérgio Emerenciano.

 

A turbulência financeira e a recessão afetaram empresas de todos os setores e de todos os tamanhos e o produtor rural foi afetado direta e indiretamente. Perdeu dinheiro com a queda de preços e foi prejudicado também quando seus clientes entraram em dificuldades. Dois frigoríficos compradores de gado do produtor Milton Garção recorreram à recuperação judicial, argumentou o advogado.

 

A referência à crise pode ter contribuído para o convencimento do tribunal nesse caso. Mas a recuperação judicial é um recurso usado normalmente por empresas com registro na Junta Comercial, tanto em caso de crise como em condições econômicas normais. Por que não estender essa possibilidade ao produtor rural?

 

A renegociação de dívidas bancárias de agricultores e criadores, com apoio do Tesouro Nacional, tornou-se rotineira e quase já se pode incluí-la no calendário de eventos, como o carnaval, a Semana Santa e a Semana da Pátria. Em muitos casos o refinanciamento é claramente um benefício injustificável, lançado na conta do contribuinte e nocivo à saúde das contas públicas.

 

Faz muito mais sentido deixar esse tipo de renegociação aos agentes de mercado ? produtores, bancos e fornecedores ?, com as bênçãos, quando for o caso, de um tribunal. Empresários quase sempre pensam mais de uma vez antes de recorrer à recuperação judicial. Mas não hesitam quando se trata de arrancar do governo mais um generoso refinanciamento das dívidas com o Banco do Brasil. Por que não mudar o jogo?

 

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