domingo, 6 de março de 2011

Operadores logísticos rejeitam taxa sobre espelhos d’água


A cobrança imposta pelo uso do que os empreendedores portuários chamam de espelho d’água está acirrando os ânimos no setor logístico. A portaria número 24 que prevê esse encargo, publicada ao final de janeiro pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU), afeta complexos como portos, marinas, estaleiros, entre outros. Para o presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP), Wilen Manteli, essa cobrança é absurda, já que o governo defende a melhoria dos portos e a atração de empreendimentos. “Não é possível entender que a SPU venha na contramão dessas políticas públicas de investimento e gere mais insegurança jurídica e custos”, argumenta o dirigente.
Manteli salienta que isso não ocorre em países como Estados Unidos e China. Ele acrescenta que, em um momento em que as exportações brasileiras sofrem com a questão cambial e com a concorrência internacional, esse ônus atrapalha ainda mais a competitividade nacional com o aumento do custo logístico. A medida está baseada em um decreto-lei de 1946 que indicava o pagamento pela utilização da água para, por exemplo, consumo em um processo industrial. “No entanto, na instalação de portos, nunca existiu uma cobrança dessas”, afirma. Manteli alerta que quem irá pagar a conta será o produtor.
Para o dirigente há pontos da portaria que não são claros para os empreendedores. Entre eles, os critérios do encargo, que podem incidir sobre patrimônio e investimento, se a taxa incide somente para terminais privados ou também para os de uso público e, principalmente, se será retroativa. “Se houver retroatividade, a determinação criaria um passivo no sistema portuário muito pesado”, teme Manteli.
Apesar da portaria prever 180 dias, a partir da sua publicação, para os investidores regularizarem suas situações, Manteli revela que algumas companhias já realizaram o pagamento do tributo. De acordo com ele, as cobranças são milionárias e anuais. Ele comenta ainda que um terminal, para iniciar as obras de ampliação, desembolsou valores próximos a R$ 35 milhões devido à taxa do uso de espelho d’água. Entre as empresas que podem ter que pagar o encargo estão Vale e CSN.
Manteli defende que não existe base legal para essa cobrança, mesmo com o decreto. “Por que só agora estão exigindo?”, indaga. Entretanto, ele adverte que se a cobrança vigorar e os terminais se negarem a pagá-la, não poderão ampliar suas atividades. Sem a taxa, não é possível obter as autorizações da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) ou financiamentos.
O tema impacta diversos empreendimentos no País. Segundo a Secretaria de Portos do governo federal, com uma costa de 8,5 mil quilômetros navegáveis, o Brasil possui um setor portuário que movimenta anualmente cerca de 700 milhões de toneladas das mais diversas mercadorias e responde, sozinho, por mais de 90% das exportações. O sistema portuário nacional é composto por 37 portos públicos, entre marítimos e fluviais. Desse total, 18 são delegados, concedidos ou tem administração feita por governos estaduais ou municipais. Existem ainda 42 terminais de uso privativo e três complexos portuários que operam sob concessão à iniciativa privada.
Para a Secretaria do Pa trimônio da União, a portaria tem objetivo de simplificar cobrança
A Portaria 24 tem o objetivo de estabelecer um fluxo e um formato mais simples de análise quanto à cobrança do espaço físico em águas, assegura o diretor nacional de destinação patrimonial da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), Luciano Roda. De acordo com ele, a maneira de agilizar esse procedimento é agregar todas as informações em um único instrumento. Roda diz que a legislação patrimonial, como o Decreto-Lei 9.760/46 e a Lei 9.636/98, possibilita essa cobrança. Para ele, o uso privado de qualquer área da União ocorre em condições especiais. “Não pode ser de forma gratuita, principalmente quando tem atividade econômica envolvida”.
Conforme Roda, a taxa já é cobrada dentro do pacote das tarifas portuárias, mas o seu formato está mudando agora, facilitando a regularização dos empreendimentos e a fiscalização dos pagamentos. O diretor diz que a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) está regrando melhor o setor e, por isso, a questão da portaria chamou tanto a atenção. “Seria muito bom morar em uma área em frente ao mar e não pagar nada, porém isso não é possível”, compara Roda. Quanto às atividades que serão submetidas ao tributo, o dirigente informa que elas terão reflexos em terminais de uso privativo, estaleiros, marinas, entre outras atividades conduzidas fora do porto organizado. Para as ações exercidas em portos públicos, há uma legislação própria.
“Tudo que há dentro do porto público tem uma regra específica, a cobrança já é feita e essa portaria não tem interferência”, relata Roda. A nova norma abrangerá todas as operações de uso privado em áreas da União.
No caso das plataformas oceânicas, elas precisam estar na faixa de 12 milhas náuticas para serem enquadradas. A maioria das operações de exploração e produção de petróleo está além desse limite, fora da área do patrimônio da União. Uma das estruturas não sujeita à taxa serão os navios fundeados. A embarcação, nessa situação, aguarda autorização para entrar no porto e a tarifa portuária corresponde a essa ação.
Roda relata que o valor da taxa prevista na Portaria 24 varia de acordo com o tamanho do empreendimento e o local em que ele se encontra. Existe no documento uma fórmula que, para os cálculos da cobrança, utiliza o valor do metro quadrado em terra e também o tipo de investimento que está sendo feito. “A ideia de montar isso, nesse formato, foi tentar garantir que a pessoa, no momento que comece o processo de regularização, tenha a dimensão do custo envolvido para ocupar esse espaço e possa se adequar”, explica o diretor da SPU.
Sobre o valor de pagamentos, Roda admite que alguns grandes em preendimentos do segmento implicarão altas cifras. Ele revela que um único complexo, que ele prefere não citar o nome, terá que desembolsar aproximadamente R$ 8 milhões, mas, em compensação, outros empreendimentos não chegam a pagar R$ 1 mil mensais. Roda também enfatiza que a portaria deixa claro que algumas áreas são isentas da taxa, como é o caso de terminais pesqueiros e de interesse público, implantados a partir das necessidades dos municípios e dos estados. Ele ressalta ainda que não há retroatividade de taxas. A retroatividade recairá somente sobre as ocupações irregulares em terra, quando serão cobradas as taxas não prescritas referentes há cinco anos. A Portaria 24 estabelece o prazo de seis meses, a partir da publicação do documento em janeiro, para as empresas regularizarem sua situação. A partir desse prazo, Roda ressalta que o uso irregular pode acarretar a remoção da estrutura que estiver sobre a água.
ABTP anuncia que vai reverter a decisão do governo

A Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP) decidiu atuar administrativamente na discussão com a Secretaria do Patrimônio da União (SPU), a Secretaria Especial de Portos e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), para tentar desfazer os efe itos da Portaria 24. Se essa estratégia não for bem-sucedida, a associação planeja tomar medidas judiciais. Outra possibilidade, adianta o presidente da ABTP, Wilen Manteli, é recorrer ao Congresso Nacional.
O secretário-geral da Câmara Interamericana de Transporte (CIT), Paulo Caleffi, acredita que há chances de reversão dessa decisão na esfera política. Ele salienta que o foco do governo deveria ser a desoneração do setor produtivo e não o contrário. Caleffi classifica o Decreto-Lei 9.760/46, uma das bases da nova portaria, como antigo. “Nós considerávamos uma lei morta, pois ela não tinha viabilidade de execução em um País que pensa mudar sua matriz de transporte, que hoje é plenamente rodoviária”, argumenta o secretário-g eral da Câmara Interamericana de Transporte.
Caleffi acrescenta que a utilização da água implica retirar o líquido do seu leito natural, mas, no caso de terminais portuários, isso não se verifica. “Então, a cobrança está prevista no uso de algo que não se tira”, ressalta o dirigente. Para ele, se o governo quer incentivar o transporte aquaviário, é necessário conceder benefícios e não taxar o uso de um modal que pode ser dos mais promissores para o transporte no País.
Conforme Caleffi, o Brasil ao adotar uma medida como essa pode influenciar outras nações a tomarem atitudes similares. O secretário diz que desconhece uma ação semelhante aplicada em outro país. Em abril, a Câmara Interamericana de Transportes (que agrega representantes de 19 nações) realizará uma reunião, em Buenos Aires, na Argentina, e essa nova situação criada no País deverá ser debatida no encontro.
Advogados sugerem às companhias adoção de medidas jurídicas para defesa de direitos
As empresas que exploram terminais portuários de uso privativo devem se proteger judicialmente para evitar qualquer autuação enquanto discutem a legalidade da taxa sobre o uso do espelho d’água, recomenda o advogado Thiago Miller, sócio da Advocacia Ruy de Mello Miller, especializada em Direito Marítimo e Portuário. “Parece-nos um equívoco estratégico onerar a infraestrutura portuária, que necessita de incentivos e segurança jurídica para investir e conseguir superar e equacionar a demanda e o crescimento do País nos próximos anos”, argumenta. Miller acredita que o conceito original da cobrança era destinado ao setor náutico (de lazer e turismo), que é uma atividade eminentemente privada, desvinculada do segmento produtivo.
Da forma como foi editada, a Portaria 24 atingirá os terminais de uso privativo, que são aquelas estruturas que pertencem às indústrias, exportadoras e dependentes de insumos importados, que verticalizaram suas operações para reduzir o custo de seu produto final. Para Miller, essa cobrança será transferida para o serviço portuário e, consequentemente, repassado para o preço do produto exportado e para os insumos e equipamentos importados pela indústria nacional.
Os critérios previstos como base de cálculo desta cobrança são tamanho da área, preço do terreno e valor do investimento. “Penso que o preço do terreno e o valor do investimento deveriam ser irrelevantes para a fixação de critério da cobrança da cessão de uso, pois estão desvinculados do uso ou benefíc io”, sustenta Miller. Ele prevê que esse ponto será objeto de contestação judicial. Ele também espera que haja uma reversão dessa decisão e, se isso não ocorrer, a cobrança será discutida judicialmente, pois o setor não assimilará este ônus.
O advogado Leandro Souza de Oliveira, da Law Offices Carl Kincaid Mendes Vianna Advogados Associados, complementa que as empresas poderão discutir a legalidade da cobrança através de tutelas individuais ou coletivas. Para ele, em princípio, haverá dois reflexos imediatos da portaria: primeiro, o burocrático, pois as companhias deverão se regularizar em 180 dias. “Neste aspecto, fica o questionamento se a Secretaria do Patrimônio da União teria condições de atender e responder a todos os interessados em um prazo tão exíguo”, pergunta Oliveira. O segundo impacto é o aumento do custo do setor logístico, que, possivelmente, poderá gerar retração de investimentos no segmento.
“Apesar de a SPU agora invocar legislação bastante antiga para a cobrança de tal taxa, de fato não era a prática da secretaria de efetuar tal cobrança por cessão de uso a utilização das águas”, diz Oliveira. “Ou seja, significa um retrocesso legal com caráter arrecadador”. Ele ainda destaca a previsão de revisão dos valores a cada cinco anos do contrato de cessão ou sempre que a SPU entender que houve alteração das condições utilizadas para o cálculo inicial, o que também gera preocupação aos interessados, devido a sua subj etividade.
Em nota explicativa, a Secretaria do Patrimônio da União informa que “a Portaria 24 não pretende esgotar o tema, apenas lança as bases para regulamentação dos procedimentos afins, abrindo os canais de diálogo para contribuições e críticas que, quando pertinentes, a seu tempo, poderão ser incorporadas em revisões”.
(aspas)
Por : Jefferson Klein, para o Jornal do Comércio (RS), 03/03/2011


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