quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Paraguai usa custo baixo para atrair indústria

 

Pela Ponte da Amizade, que liga o Brasil ao Paraguai, passam mais do que sacoleiros e turistas carregados com mercadorias trazidas da Ásia e compradas no comércio de Ciudad Del Este. Por ela trafegam produtos feitos no país vizinho e importados por empresas brasileiras, como bermudas e camisetas que levam a marca Adidas e a etiqueta "hecho en Paraguay". Passam também cortinas, que são vendidas em lojas de decoração e em varejistas, como as Pernambucanas, além de outros artigos fabricados por empresários, que encontraram parceiros e vantagens fiscais para produzir do outro lado da fronteira.

Pela mesma via vão circula r, em 2012, caminhões carregados com frangos da Globoaves, maior produtora de pintinhos e ovos da América Latina, que tem projeto de construção de fábrica de ração e frigorífico para abate de 160 mil aves por dia no município paraguaio de Santa Rita, distante 70 quilômetros da ponte.

"O Paraguai é o país mais competitivo para investimentos na América", diz Marcos Bertoli, gerente de negócios internacionais da Globoaves. Segundo ele, um quilo de frango produzido no Paraguai e exportado para o Oriente Médio pelo porto de Paranaguá custa de 20% a 28% menos que um quilo de frango produzido em Cascavel (PR), onde fica a sede da empresa.

Menos impostos, menor custo de energia e mão de obra jovem são algumas das vantagens apresentadas por representantes do governo paraguaio para conquistar investimentos. Entre os atrativos oferecidos está a Ley de Maquila, modelo baseado em experiência mexicana, que permite importação de matéria-prima com isenção de impostos, desde que os produtos sejam destinados à exportação.

De acordo com Raquel Ramirez, secretária-executiva do Conselho Nacional da Indústria Maquiladora de Exportação (Cnime), há 49 maquiladoras no Paraguai, sendo 10 com participação de investidores brasileiros. "Mais do que descobrindo o Paraguai, as empresas estão confiando no país", diz ela, que usa uma pulseira co m as cores da bandeira e tem como meta atrair ao menos dez indústrias por ano, de vários países. O objetivo foi atingido nos últimos três anos, e hoje há cinco negociações avançadas. Raquel conta que a decisão de investimento dos empresários estrangeiros costuma levar 18 meses.

A proximidade torna o Brasil o grande alvo do processo de industrialização paraguaia, segundo Oscar Stark, diretor da Rede de Investimentos e Exportações (Rediex), do Ministério de Indústria e Comércio do Paraguai. Ele visitou o Brasil quatro vezes em 2010 e planeja voltar em 2011, ano em que espera finalizar projetos em andamento.

"O Brasil é o país que temos que focar?", conta ele, que fala do interesse de pequenos e médios empresários pelo Paraguai, e também de gigantes mundiais, como a Rio Tinto Alcan, que negocia com o governo a instalação de uma unidade naquele país, no que tende a ser o maior investimento privado de sua história, orçado em US$ 2,9 bilhões.

Pelas ruas de municípios paraguaios, é comum encontrar postos da Petrobras e agências do Banco Itaú, empresas brasileiras que, segundo relatos de moradores, levaram qualidade de instalação e atendimento e forçaram mudanças nos concorrentes locais.

As indústrias ficam mais escondidas. Há três anos, as bermudas e camisetas da Vantex Paraguay, que tem 142 empregados e sócios e importadores brasileiros, saem de barracões que abrigaram o refeitório e o teatro de operários que ajudaram a construir a usina de Itaipu, nos anos 80. Do lado de fora não há placas de identificação. Do lado de dentro, homens e mulheres cortam e costuram peças com a marca Adidas, usando tecidos trazidos do exterior.

Os barracões ficam em Hernandárias, cidade vizinha a Ciudad Del Este. Lá, a capacidade é para confeccionar 35 mil peças por mês. Como não há espaço para ampliação no local, um novo investimento está programado para aumentar a produção. A Vantex espera que a demanda cresç a com a Olimpíada e a Copa do Mundo. Além disso, a empresa quer estar pronta para a possibilidade de receber encomendas de outras marcas.

Lilian Almeida, coordenadora de importação e exportação, mostra a etiqueta em três idiomas - "made in Paraguay", "produzido no Paraguai" e "hecho en Paraguay" - e fala com empolgação das mudanças que tem visto no seu país. "Estamos vivendo uma fase de transição na área industrial", afirma ela, que tem 36 anos e, aos 19, trabalhava como caixa em uma loja de tecidos em Ciudad Del Este.

Para o e mpresário brasileiro Alexandre Bazzan, que vive no Paraguai há dois anos, a industrialização do país ainda vai demorar algum tempo. Ele está satisfeito com os resultados que tem obtido na Cortinerias del Paraguay, onde emprega 200 pessoas e faz 100 mil cortinas por mês - eram 60 mil no ano passado. Sua maior compradora é a Bella Janela, de Blumenau (SC), que tem três fábricas e 5 mil clientes no Brasil.

"O custo é menor e vale a pena", afirma Bazzan, que ocupa quatro galpões do Parque Mercosur, em Ciudad Del Este. O próprio local é um sinal de mudanças: ele foi criado inicialmente para servir de depósito para mercadorias importadas pelo comércio local, que atende os sacoleiros brasileiros. O empresário está com projeto de ampliação em outro terreno e planeja do brar o tamanho da equipe ainda em 2011. "Mais de 80% deles estavam desempregados", conta, sobre o pessoal que agora veste seu uniforme.

Além da Maquila, há a lei 60/90, de importação de bens de capital livres de impostos, que vai beneficiar a Globoaves. A empresa é aguardada com ansiedade pelos moradores de Santa Rita - uma localidade com sotaque brasileiro, pois 65% da população de 16 mil habitantes veio do país. Uma área de 180 mil metros quadrados já está reservada para as instalações em um parque industrial em implantação, onde antes havia plantação de soja.

O prefeito, Concepción Rodriguez, já pensa em dar mais espaço para as indústrias. "Temos confiança na atração de empresas", explica ele, que oferece terreno subsidiado e busca autorização federal para oferecer incentivos locais para exportadores. "Tenho muita esperança de ver esse país crescer. Ele merece", diz Humberto Arges, brasileiro que vive há 30 anos no Paraguai, é apaixonado pelo país e presta consultoria para empresas que querem produzir nele. Ele atuou no processo de instalação da Globoaves, que aguarda financiamento do BNDES para começar a obra.

 

 

Imagem do país ainda afeta investimento externo

 

 

 

 

Nem todos os brasileiros que investiram no Paraguai estão felizes. "Maldito é quem pisa aqui. Estou arrependido", disse um deles, que não quer ser identificado. Ele reclama da demora para receber matéria-prima importada e avisa que está de saída. "É melhor pagar mais impostos e produzir no Brasil. Aqui, estrangeiro se dá bem é com comércio."

Há muitas diferenças no modo de fazer negócios dos dois lados da fronteira. Algo que chama a atenção de quem vai ao Paraguai, por exemplo, é a quantidade de seguranças armados. Seja em portarias de fábricas ou na entrada de lojas, eles carregam um revólver ou pistola na cintura e uma arma longa na mão. "Assusta no começo, mas dá mais segurança, nunca vi as armas serem usadas", comenta o empresário Alexandre Bazzan, da Cortinerias del Paraguay.

Na cabeça de muitos brasileiros, a imagem do país inteiro é semelhante ao que se vê nas três primeiras quadras de Ciudad Del Este, logo depois da Ponte da Amizade - um emaranhado de lojinhas e barracas de camelôs, que vivem entupidos de brasileiros em busca de mercadorias falsificadas. Nos quatro dias que passou no país, o Valor ouviu de empresários que o "hecho en Paraguay" já não assusta os consumidores e a etiqueta é encontrada até em produtos vendidos na varejista espanhola Zara.

"Ainda é preciso trabalhar mais na mudança da imagem de que temos má qualidade e somos um país de contrabando", explica Raquel Ramirez, do Conselho Nacional da Indústria Maquiladora de Exportação. Ela diz que o Paraguai está mais aberto e o empresário estrangeiro está protegido pela lei.

Tanto Raquel como outros representantes do governo demonstram cuidado ao falar dos incentivos que oferecem. "Vendemos a "maquila" como regime de complementação. Processos que exigem menos tecnologia podem ser feitos aqui", explica ela. "A intenção do governo não é tirar empresas do Brasil."

Embora a Ley de Maquila tenha sido regulamentada em 2000, sua divulgação foi reforçada nos últimos quatro anos. Nelson Amarilla Andino, secretário de Indústria e Comércio do Departamento de Alto Paraná, ao qual pertence Ciudad Del Este, é outro que aposta que a imagem do país vai mudar e que o Brasil também será beneficiado com isso. "Não há pior vizinho que vizinho pobre", diz ele, que recebe os interessados e apresenta as vantagens da região, além de ajudar no estudo de viabilidade técnica.

O Paraguai já possui exemplos de brasileiros que cruzaram a fronteira para atuar em indústria e deram certo. Uma empresa de fiação e outra de fabricação de seringas estão em processo de implantação. Andino fala de outras que chegarão, das áreas de eletrônica, autopeças e móveis. "O brasileiro vem procurar custo menor. Mercado ele já tem", diz.

 

Salário mínimo é parecido, mas encargos são menores

 

 

 

 

Paraguaios trabalhando em fábrica de cortinas: em comparação ao Brasil, operários têm férias mais curtas, mas não recolhem Imposto de Renda

Todas as empresas do Paraguai apresentam o valor do salário mínimo logo na entrada, em folhas coladas em paredes e vidros: 1.507.484 guaranis, valor mais ou menos equivalente aos R$ 545 do novo salário mínimo brasileiro. Os encargos sociais, no entanto, são menores -16,5% para o empresário e 9% para o empregado.

Não há FGTS nem contribuição sindical e as férias são mais curtas, de 12 dias para empregados com até cinco anos de registro, 18 dias para até dez anos e 30 dias para períodos superiores. Além disso, não há imposto de renda para pessoa física e, para as empresas, é de 10%. Para indústrias maquiladoras, o imposto de exportação é de 1%.

Em apresentação de 54 páginas, o adido comercial do Paraguai para o Brasil, Sebastian Bogado, mostra a empresários brasileiros as vantagens de investir do outro lado da fronteira. "Fugir da carga tributária brasileira" e "fugir dos encargos trabalhistas brasileiros" estão entre as razões citadas no documento "Paraguai, Oportunidades de Negócios".

Bogado conta que os cargos de adido foram criados em julho, em quatro cidades. A base dele é Curitiba, para trabalhar em todo o Brasil. Os outros ficam em Miami, Bruxelas e Buenos Aires "Os consulados já estavam divulgando as vantagens do Paraguai", diz Lourdes de Insfran, cônsul-geral do Paraguai na capital paranaense.

Ao trabalho dos dois soma-se a Câmara de Comércio Brasil-Paraguai. Todos estão empenhados na conquista de investidores da área metal-mecânica de Curitiba. Visitas foram feitas e terrenos próximos da fronteira selecionados. A decisão depende de garantias de fornecimen to de energia, mas há expectativa que alguma decisão seja tomada em fevereiro.

Nelson Hubner, um dos diretores do Sindimetal do Paraná, diz que, "para serem mais competitivos", muitos empresários devem começar a buscar parcerias e abrir filiais em outros países. "Chegamos no limite de custos com impostos e logística", reclama.

Bogado argumenta que o Paraguai, que tem população de 6,3 milhões de habitantes, cresceu 14,5% em 2010, tem economia estável, localização estratégica, água, energia e a população mais jovem do continente - 74% com menos de 3 4 anos de idade. Comércio e serviços respondem por 56% do Produto Interno Bruto (PIB), seguido por agricultura (28%) - o Paraguai é o quarto maior exportador mundial de soja, cultura associada à presença de brasileiros. É a fatia de 13% da indústria que o país quer aumentar.

Representantes do governo não revelam a meta a ser atingida, mas esperam ajuda do Brasil para diversificar ainda mais o público que usa a Ponte da Amizade. A presidente Dilma Rousseff vai visitar o país em breve, e dela será cobrado apoio para o desenvolvimento regional. Uma linha de transmissão que ligará Itaipu à capital do país está em processo de licitação e vai ajudar a diminuir problemas na infraestrutura, uma das principais reclamações de empresários. Segundo eles, faltam vias de acesso e parq ues industriais e há falhas no fornecimento de energia.

(aspas)

Por :  Marli Lima e Silvia Costanti, de Assunção e Ciudad Del Este, para o Jornal “Valor Econômico”, 31/01/2011

 

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