terça-feira, 2 de outubro de 2007

HIDROVIA – ESTAMOS ESPERANDO DEMAIS

Abordar um modo de transporte excepcional como o ferroviário, pelo menos em sua potencialidade de trazer benefícios extraordinários à economia brasileira, que esperamos se concretize, nos leva a também tratarmos outro modo minoritário, no caso a hidrovia.

Estranhamente, num país com cerca de 42.000 quilômetros de rios, a sua utilização é irrisória, podendo ser considerada marginal. E vide que, segundo todas as análises, é o modal de transporte mais barato que temos. Bem como em todo o mundo. Portanto, é incompreensível seu quase abandono e falta de utilização intensiva, em que o mínimo de carga é transportado nesse modo.

Dos 42.000 quilômetros existentes, temos apenas cerca de 20.000 aptos à navegação fluvial sendo que, de acordo com o sempre divulgado, apenas 8.000 quilômetros são utilizados. Isso é no mínimo um non-sense, considerando que temos rios que cortam todo o país, em que poderíamos ter uma extraordinária rede de navegação interior de distribuição de mercadorias.

Apenas o sistema Tiête, Paraná e Paraguai apresenta um vasta rede de cerca de 7.000 quilômetros de vias fluviais navegáveis, quase equivalente à nossa costa marítima. E vide que situada na melhor região econômica do país e da América do Sul. Na década de 90 do século XX o governo do Estado de São Paulo investiu na construção de eclusas (sistema de nivelamento dos rios, ligando as partes baixa e alta de um rio, permitindo a sua navegação). Com isso, todo o Tiête passou a ser navegável, criando-se, juntamente com os rios Paraná e Paraguai, a hidrovia do Mercosul, em que vários países do cone sul de nosso continente são favorecidos. O único ponto problemático ficou em Itaipú, em que há um desnível de 120 metros, sem eclusa, e que obriga a transferência temporária da carga, por 37 quilômetros, para a rodovia.

O sistema amazônico também é uma via fluvial de pouca utilização, do mesmo modo que ocorre com a hidrovia do Mercosul. Uma pena.

Apenas “algum transporte” tem sido realizado pelas nossas hidrovias, carentes de uma consideração maior dos donos da carga. Sem esquecer o governo, que poderia fazer muito mais pela logística brasileira, direcionando pesados investimentos nas hidrovias.

O mesmo argumento que utilizamos nas ferrovias podem ser transferidos às hidrovias. O de ser um canal de desenvolvimento de um país que necessita muito recuperar o tempo perdido de quase três décadas de desenvolvimento bem abaixo da média mundial, e de sua própria média histórica do século XX. Transportar parte de nossas mercadorias por essa via é permitir que elas cheguem às prateleiras de nossos varejistas a preços menores, idealizando o círculo menor preço, mais consumo, mais produção, mais emprego, etc.

Como muitos especialistas acreditam, e ousamos nos incluir nesse meio como aprendizes de feiticeiro, a logística é um dos nossos calcanhares de Aquiles. Isso torna ainda mais incompreensível a falta de um olhar mais generoso a esse modo de transporte, com todos os privilégios com que fomos agraciados pela mãe-natureza. Nossa distribuição física de mercadorias, por sermos um país continental, em que o transporte rodoviário é o menos adequado para isso, precisa do transporte fluvial.

É só vermos o que ocorre no exterior, em que os rios europeus são de vital importância para portos como Rotterdam e Antuérpia, e vide que não estamos falando em portos secundários, mas dos maiores da Europa e do mundo. Sem contarmos a França, onde o modo fluvial é de muita importância, em que nos arredores de Paris temos um porto fluvial com as dimensões do porto de Santos, de cerca de 13 quilômetros.

Nos EUA eles são a causa de terem um custo logístico da soja extremamente baixo, de modo que conseguem inverter uma situação desfavorável em relação à sua produção quando comparado ao Brasil. Segundo se sabe, nós produzimos a soja mais barato, mas a colocamos no navio mais caro. E a explicação é singela. Enquanto 70% da nossa soja é levada aos nossos portos pelo modo rodoviário, 61% da soja do Tio Sam segue para o porto pelo modo fluvial, em que o rios Mississipi e Missouri tem papéis fundamentais na sua economia.

E essa situação pode ser comprovada aqui mesmo entre nós, em uma tabela de custos divulgada pelo jornal Folha de São Paulo em 1997, e que voltou a ser publicada ao final de 2005. Em que o transporte da soja de São Simão, em Goiás, para o porto de Santos, via rodoviária, custa US$ 35.00 a tonelada. E quando levada via fluvial até o interior de São Paulo, sendo posteriormente colocada na ferrovia para ser transportada até o porto de Santos, tem um custo de frete de US$ 12.00. Considerando o custo por tonelada da soja, de cerca de US$ 200.00, vemos o quanto isso significa.

Assim, é necessário “começarmos a descobrir”, obviamente o que todo mundo já sabe, que um processo logístico mal desenvolvido, ou mal utilizado, pode ser mortal para a competitividade, em especial para um país como o Brasil, em que o desenvolvimento é mister. Também por que, se analisarmos o mapa-mundi, veremos que, sem nenhuma culpa nossa, que é geográfico, nós nos escondemos. Com exceção de alguns poucos países, e num continente pobre como o nosso, todos os nossos grandes compradores e fornecedores estão muito distantes. E, pior, estão perto dos mais desenvolvidos ou em desenvolvimento efetivo, como é o caso dos continentes europeu e asiático, e o subcontinente norte-americano.

Insistimos em que precisamos entender o mais breve possível a importância da logística, em que hoje, praticamente qualquer mercadoria, com algumas exceções, pode ser obtido em várias partes do planeta. E que uma mesma mercadoria, produzida por dois concorrentes ao mesmo preço, pode ser colocada em alguma outra parte com preços diferenciados, e tudo graças a forma de se fazer isso.

Dessa forma, mudanças na nossa matriz de transporte são bem-vindas, em que o modo hidroviário, juntamente com o ferroviário, tenham maior participação, e que sejam, a exemplo de algumas outros países, majoritários. Como ocorre, por exemplo, nos EUA, Austrália, Canadá, China, Rússia.

O problema logístico brasileiro precisa ser atacado de frente, - bem como por trás, pelos lados, etc.”- se queremos voltar a acompanhar o desenvolvimento do resto do mundo, de forma a não nos distanciarmos ainda mais, como já vem ocorrendo há muito.

Samir Keedi
Professor universitário e técnico e autor, entre outros, dos livros “Transportes, unitização e seguros internacionais de carga” e “Logística de transporte internacional” e tradutor do “Incoterms 2000” para o Brasil

e-mail: samir@aduaneiras.com.br

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