Proteção de dados
por Lilian Matsuura
Os advogados estão prestes a conseguir a inviolabilidade total de seus escritórios e instrumentos de trabalho, como computadores e arquivos. A Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou, nesta quarta-feira (9/4), o projeto de lei que altera o artigo 7º do Estatuto dos Advogados (Lei 8.906/94) para proibir juízes de determinar busca e apreensão em escritórios para colher provas contra seus clientes.
A inviolabilidade do local de trabalho da classe já estava prevista no Estatuto, mas abre exceção nos casos em que houver decisão judicial de busca e apreensão. O que não agrada a classe. Por isso, o deputado Michel Temer (PMDB-SP), em 2005, colocou a proposta em pauta na Câmara.
Se aprovado pelo Plenário do Senado e sancionado, o PLC 36/06 só permitirá a entrada de autoridades no escritório quando o próprio advogado for alvo de processo judicial.
“É importante dar um basta em operações policiais midiáticas, que desprotegem a advocacia e o direito de defesa”, alerta Marcus Vinícius Furtado Coelho, presidente da Comissão de Acompanhamento Legislativo da OAB Federal.
Ele explica que para o advogado preparar uma defesa de qualidade ele tem de ter muitas informações de seu cliente. Se o seu escritório e computador não estiverem protegidos, o cliente não vai repassar os dados e a defesa ficará prejudicada. “Nesse caso, o Direito de Defesa não passa de uma peça de decoração da Constituição Federal”, critica.
Quando o próprio advogado for alvo de investigação, Coelho entende que pode haver a busca e apreensão dos documentos, mas apenas daqueles relacionados ao processo. “Dados de ações de clientes não podem ser usados na investigação.”
Para Walter Nunes, presidente da Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), não são necessárias alterações na legislação brasileira para garantir a tranqüilidade no trabalho dos advogados. “Se existem excessos, é por conta da má-aplicação dos instrumentos normativos em vigor”, declarou.
Ele também se diz contra a imunidade total dos escritórios. “Se uma pessoa enterra um corpo dentro de um escritório, a Polícia não vai poder entrar?”, questiona. “E se o advogado esconde um documento falsificado?”, acrescenta.
Segundo Walter Nunes, há uma discussão internacional sobre a imunidade dos escritórios de advocacia. É importante, diz, saber se o advogado está no exercício da advocacia pura ou se presta orientação empresarial para aplicação de recursos, o que pode se confundir com lavagem de dinheiro.
Ao propor o projeto, o deputado Michel Temer justificou as necessidades de alteração das normas. “A atual ordem legal não realiza plenamente a proteção da inviolabilidade do local de trabalho do advogado, bem como de seus instrumentos de trabalho e de suas comunicações no exercício profissional e, consequentemente, as informações sigilosas dos próprios jurisdicionados.”
No entanto, segundo ele, também há a necessidade de evitar que advogados invoquem o sigilo profissional e a inviolabilidade como escudo para a prática de crimes. Por isso, a previsão de busca e apreensão para advogados investigados. “Este projeto, compatível com a Constituição, visa a impedir a conduta delituosa do profissional do direito, mas, ao mesmo tempo, a preservação da inviolabilidade do local de trabalho com o que se preserva o sigilo que preside as relações entre o cliente e o seu advogado”, conclui.
O advogado Marcus Vinícius Furtado Coelho diz que está negociando com o presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), para dar caráter de urgência à tramitação da proposta. A aprovação pela CCJ do Senado foi unânime. Por isso, o advogado entende que o projeto passará pelo Plenário sem grandes discussões. Depois do Plenário, o projeto tem de passar pela sanção do presidente da República.
Leia o parecer sobre o projeto
PARECER Nº , DE 2008
Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, sobre o Projeto de Lei da Câmara nº 36, de 2006, que dá nova redação ao art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB.
RELATOR: Senador VALTER PEREIRA
I — RELATÓRIO
A Comissão examina o Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 36, de 2006, que, se aprovado, dá nova redação ao art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, que dispõe sobre o estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil — OAB.
Originalmente, o projeto foi apresentado pelo Deputado Michel Temer na Câmara dos Deputados, onde foi registrado como Projeto de Lei (PL) nº 5.245, de 2005. Da justificação, depreende-se que o proponente tem por objetivo “impedir a conduta delituosa do profissional do direito mas, ao mesmo tempo, a preservação da inviolabilidade do local de trabalho com o que se preserva o sigilo que preside as relações entre o cliente e o seu advogado”.
Para tanto, busca alterar o inciso II do art. 7º da Lei nº 8.906, de 1994 (Estatuto da Advocacia), bem como acrescentar-lhe parágrafos, de modo a assegurar garantias individuais contempladas em sede constitucional, como o direito ao sigilo de comunicações telefônicas, e, concomitantemente, “evitar que profissionais da advocacia invoquem o sigilo profissional, assim como a inviolabilidade dele decorrente, como escudo protetor para impedir a investigação sobre condutas criminosas por si praticadas”.
Na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara, o PL nº 5.245, de 2004, recebeu parecer por sua aprovação, emitido pelo Deputado Darci Coelho, que, contudo, apresentou emenda, posteriormente aprovada, o que importou em alteração da redação da ementa do projeto.
Em 27 de março de 2006, a proposição veio ao Senado Federal, onde passou a ser identificada como PLC nº 36, de 2006, havendo sido distribuída a esta Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
II — ANÁLISE
Quanto aos requisitos formais e materiais de constitucionalidade, nada há a opor ao PLC nº 36, de 2006, tendo em vista que i) compete privativamente à União legislar sobre direito processual, bem assim sobre condições para o exercício de profissões, a teor do disposto no art. 22, incisos I e XVI, da Constituição Federal (CF); ii) cabe ao Congresso Nacional dispor sobre todas as matérias de competência da União (CF, art. 48, caput); e iii) os termos da proposição não importam em violação de cláusula pétrea. Ademais, não há vício de iniciativa, nos termos do art. 61 da Carta Magna.
No que concerne à juridicidade, o projeto se afigura correto, porquanto i) o meio eleito para o alcance dos objetivos pretendidos (normatização via edição de lei) é o adequado; ii) a matéria nele vertida inova o ordenamento jurídico; iii) possui o atributo da generalidade; iv) é consentâneo com os princípios gerais do Direito; e v) se afigura dotado de potencial coercitividade.
No mérito, mostra-se bastante propícia a iniciativa consubstanciada no PLC nº 36, de 2006, pois encontra conformidade, por um lado, com discussões muito atuais, no País, acerca dos limites e sanções que se devem impor aos causídicos que se aproveitam de prerrogativas legalmente estabelecidas para acobertar ou, mesmo, perpetrar atos ilícitos; e, por outro, com as constantes queixas da classe advocatícia contra supostas violações, pelo Poder Judiciário ou pelas polícias civis e federal, daquelas mesmas prerrogativas.
Todavia, para o alcance mais eficiente desse louvável escopo, dois singelos incrementos ao projeto, de natureza meramente redacional, fazem-se oportunos: a substituição do termo “resguardados” pela expressão “vedada a utilização”, no § 6º alvitrado para o art. 7º do Estatuto da Advocacia, torna mais clara a finalidade daquela regra; e pequenas modificações no texto do § 9º, sugerido para aquele mesmo dispositivo da lei, hão de torná-lo menos redundante e, por outro lado, mais consentâneo com o espírito original do Estatuto.
Por fim, deve-se observar que a ementa do PLC nº 36, de 2006, não está em total consonância com a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, a qual, em seu art. 5º, estipula que “[a] ementa (...) explicitará, de modo conciso e sob a forma de título, o objeto da lei” (grifo nosso). O texto sugerido pelo Deputado Darci Coelho para a ementa do projeto não cumpriu tal desiderato e, ademais, nela transcreve a ementa da Lei nº 8.906, de 1994, a qual se pretende alterar, o que é despiciendo. Por tal motivo, alvitramos nova redação também para esse trecho da proposição.
III — VOTO
Pelos motivos expendidos, opinamos pela APROVAÇÃO do Projeto de Lei da Câmara nº 36, de 2006, com as seguintes emendas de redação:
EMENDA Nº 1 — CCJ
Dê-se à ementa do PLC nº 36, de 2006, a seguinte redação:
Altera o art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, para dispor sobre o direito à inviolabilidade do local e instrumentos de trabalho do advogado, bem como de sua correspondência.
EMENDA Nº 2 — CCJ
Dê-se ao art. 1º do PLC nº 36, de 2006, a seguinte redação:
Art. 1º O art. 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 7º .........................................................................................
.......................................................................................................
II – a inviolabilidade de seu escritório ou local de trabalho, bem como de seus instrumentos de trabalho, de sua correspondência escrita, eletrônica, telefônica e telemática, desde que relativas ao exercício da advocacia;
.......................................................................................................
§ 5º São instrumentos de trabalho do advogado todo e qualquer bem móvel ou intelectual utilizado no exercício da advocacia, especialmente seus computadores, telefones, arquivos impressos ou digitais, bancos de dados, livros e anotações de qualquer espécie, bem como documentos, objetos e mídias de som ou imagem, recebidos de clientes ou de terceiros.
§ 6º Presentes indícios de autoria e materialidade da prática de crime por parte de advogado, a autoridade judiciária competente poderá decretar a quebra da inviolabilidade de que trata o inciso II do caput deste artigo, em decisão motivada, expedindo mandado de busca e apreensão, específico e pormenorizado, a ser cumprido na presença de representante da OAB, sendo, em qualquer hipótese, vedada a utilização dos documentos, das mídias e dos objetos pertencentes a clientes do advogado averiguado, bem como dos demais instrumentos de trabalho que contenham informações sobre clientes.
§ 7º A ressalva constante do § 6º deste artigo não se estende a clientes do advogado averiguado que estejam sendo formalmente investigados como seus partícipes ou co-autores pela prática do mesmo crime que deu causa à quebra da inviolabilidade.
§ 8° A quebra da inviolabilidade referida no § 6º deste artigo, quando decretada contra advogado empregado ou membro de sociedade de advogados, será restrita ao local e aos instrumentos de trabalho privativos do advogado averiguado, não se estendendo aos locais e instrumentos de trabalho compartilhados com os demais advogados.
§ 9º No caso de ofensa a inscrito na OAB, no exercício da profissão ou de cargo ou função de órgão dessa entidade, o conselho competente promoverá o desagravo público do ofendido, sem prejuízo da responsabilidade criminal em que incorrer o infrator. (NR)”
Revista Consultor Jurídico, 9 de abril de 2008
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