segunda-feira, 5 de março de 2012

Cumbica barra cada vez mais 'bagagem extra' dos turistas

Apreensão de produtos em excesso ou não declarados cresce 200% em três anos

Para Receita, aumento se deve ao fato de brasileiro viajar mais para comprar roupas e enxovais de bebês

Nos últimos três anos, aumentou em 200% o número de turistas brasileiros que tiveram a bagagem retida no aeroporto internacional de Cumbica por trazer produtos comprados no exterior, acima da cota permitida, sem a devida declaração à Receita Federal.

Segundo a Receita, a quem cabe a fiscalização da alfândega, 1.897 passageiros foram retidos em janeiro de 2012, contra 633 no mesmo período de 2009 em Cumbica, que fica em Guarulhos, na Grande São Paulo, e é o mais movimentado aeroporto do país.

Todos foram flagrados com mercadorias acima do limite na fila do "nada a declarar".

A apreensão de roupas foi a que mais cresceu. Em média, são duas toneladas retidas por mês, reflexo do boom de brasileiros que viajam, em especial rumo aos EUA, para trazer de camisas de marca a enxovais para bebê, por conta do real valorizado.

A alta de 200% nos flagrantes supera em muito a de passageiros que desembarcaram de voos internacionais em Cumbica no período, 26%.

SURPRESA

Esses passageiros se enquadram em duas circunstâncias. A primeira, mais conhecida, é tentar entrar no país com produtos acima da cota de US$ 500 sem declarar, o que rende multa mais pagamento impostos.

A segunda é superar a quantidade máxima de itens permitidos. Um turista pode trazer na bagagem 20 itens comprados fora com valor unitário abaixo de US$ 10 e 20 itens acima de US$ 10.

Só que muitos turistas desconhecem essa regra, segundo a Receita. E a pena é alta: se o passageiro superar o teto e não declarar, o excedente é apreendido definitivamente e vai a leilão.

Eis uma das explicações para o aumento das apreensões, diz André Martins, chefe do setor de bagagem da Receita Federal em Cumbica.

Se uma gestante traz 25 peças de enxoval de bebê de Miami que custem acima de US$ 10 cada uma, por exemplo, e não declara, cinco peças serão apreendidas.

Há outra razão, afirma o chefe do setor de bagagens: além do maior número de viagens e da procura por roupas e enxovais por causa do real forte, a Receita incrementou o efetivo de Cumbica em 30% em janeiro deste ano em relação a janeiro de 2011.

Uma boa notícia, segundo o órgão, é que também disparou o número de passageiros que pagaram imposto porque decidiram declarar bagagem: 454%. Eram 181 em janeiro de 2009; em janeiro deste ano, o número subiu para 1.003.

É comum ver gente chorando após flagra, afirma inspetor

14% dos turistas passaram por fiscalização da Receita Federal em janeiro

Entre os vistoriados, 1 a cada 25 passageiros perde o que traz ou tem de pagar imposto por ausência de declaração

Ser flagrada pela alfândega ao não declarar roupas infantis compradas em Miami custou à engenheira química Helena (nome fictício), 45, o fechamento de uma loja que mantinha em São Paulo.

Ano passado, ela perdeu US$ 10 mil (R$ 16,9 mil) em enxovais tamanhos P, M e G que comprou para a loja. Chorou, bateu o pé, insistiu, mas a Receita apreendeu a mercadoria, levada depois a leilão.

Há quem compre para revender, como no caso de Helena, e quem o faça para si mesmo. "É comum ver gente chorando, gestantes, gente que vai comprar enxoval fora", diz André Martins, chefe do setor de bagagem da Receita no aeroporto de Cumbica.

O risco de ser fiscalizado é de 14%. De cada sete passageiros de voos internacionais que desembarcaram em Cumbica em janeiro último, um foi levado para fiscalização.

Entre os vistoriados, 1 a cada 25 passageiros perdeu o que trouxe ou teve de pagar imposto por não ter declarado a bagagem na alfândega.

PERSISTÊNCIA

Helena não desistiu. Com o fim da loja de artigos infantis, achou outro filão: o bazar de produtos comprados nos Estados Unidos, bastante comum na internet.

Em uma página do Facebook, ela anuncia camisetas Hollister, roupas de bebê e cosméticos Victoria Secrets por metade do preço. Há outros similares na rede.

À Folha Helena disse ter acabado de voltar com o marido dos Estados Unidos. Na bagagem, US$ 4.000 mil em produtos, segundo ela dentro da cota da Receita. Dessa vez, ninguém vistoriou a bagagem dela, afirma.

"Agora eu não trago mais o de antes... é pouca coisa. Eletrônicos, por exemplo, eu não compro, tipo um iPhone 4S, que aqui no Brasil dá para comprar e parcelar em dez vezes. Eu não consigo vender parcelado no bazar", afirma.

A engenheira química não revela quanto ganha, mas diz que com os bazares, feitos a cada viagem, incrementa em 30% a renda de seu trabalho oficial. "Não faço nada ilícito... é muito mais barato comprar lá fora", afirma.

O fenômeno do qual Helena faz parte foi percebido pela Receita, que diz tentar flagrar a chegada de mercadorias sem declaração quando a finalidade é comercial.

Alguém que tente entrar no Brasil, sem declarar, com produtos destinados a um bazar corre risco de perder a mercadoria, afirma o órgão.

De acordo com a alfândega, 267 mil bagagens foram submetidas a inspeção de raio-X em janeiro de 2012 no aeroporto de Cumbica, 110% a mais que as 127 mil do mesmo período de 2009.

(aspas)

Por : Ricardo Gallo, de São Paulo, Jornal "Folha de S. Paulo" 29/02/2012

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