quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Retrocesso no comércio exterior


Samir Keedi

A volta da Licença de Importação tem os contornos de 'bode na sala': o governo radicaliza, negocia, cede e posa de mocinhoHá muitos anos vimos, contra a corrente geral, em especial a incompetência do governo federal, afirmando que o Brasil não tem bons fundamentos na economia, e que tudo que se diz não passa de histórias da carochinha.
Sempre com o intuito de escamotear a verdade e praticar a manutenção do poder em bases falsas. A atual crise mundial mostrou isso claramente, embora ainda haja gente não querendo ver.
A marolinha já é um tsunami e a economia está caminhando para o desastre, podendo ficar em frangalhos. O desemprego de dezembro, portanto apenas um mês, devorou um terço do que o País precisa criar de empregos por ano, apenas para recepcionar a juventude que chega ao mercado de trabalho. Que "São Janeiro" perdoe nossos pecados e seja mais complacente, o que não é provável.Deixando esta economia de lado, em que teríamos muitos coisas a falar, mas que seriam apenas repetições, pretendemos nos fixar em outra economia, que é o comércio exterior.
O governo, sem mais nem menos, e numa área que vem funcionando a contento nos últimos anos, resolveu jogar anos de trabalho, evolução e sucesso na lata de lixo. Com isso, está destruindo uma das poucas coisas que temos visto de bom.
E tudo no sentido de igualar toda a economia tupiniquim. Por baixo. Sem falar na perda da confiança.Surpreendentemente, sem aviso prévio ou qualquer portaria ou algo similar, mas num simples tratamento administrativo no Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior), o governo resolveu voltar a exigir LI (Licença de Importação) para quase todos os produtos da nossa pauta de importação.
Levamos anos para fazer com que a esmagadora maioria da pauta fosse livremente negociável e entrasse no País apenas com a DI (Declaração de Importação) e pagamentos dos impostos determinados. E agora, com um simples passe de mágica - sim temos que considerar mágica -, determinamos o retorno aos anos 70 e 80, em que as importações eram fortemente controladas.E isso apenas porque, após superávits de acima de US$ 20 bilhões em cada um dos últimos seis anos, e acima de US$ 40 bilhões em dois deles, tivemos um mísero déficit de US$ 600 milhões nas primeiras três semanas deste ano. Isto é radicalismo e politicazinha de comércio exterior de fundo de quintal, e não de um país que deseja ser um dos melhores e maiores do mundo.
Engraçado como isto não ocorre com as mais altas taxas de juros e carga tributária do planeta, que limitam o consumo e o investimento. Não seria o caso de agir nelas para ficarmos mais competitivos?Com todo mundo pego de surpresa, o comércio exterior com chances de ser paralisado, começou uma negociação do Ministério da Fazenda com o do Desenvolvimento, já que o primeiro não concorda com as ações do segundo.
O que mostra que no governo ninguém se fala, e todos dormem em quartos separados, embora casados. Afinal, governo é uno. Ou não?E, pior de tudo, uma medida tão radical que, em nossa opinião, leva todos os contornos de 'bode na sala', ou seja, o governo radicaliza, negocia, e cede, e posa de mocinho, com toda a nação de comércio exterior agradecida. Filme já conhecido, e que nem indicação ao Oscar terá.E o pior é que o presidente passa o tempo todo dizendo ao povo para consumir, para não guardar dinheiro, que a economia tem de girar.Não há diferença com o comércio exterior, e uma barreira não-alfandegária tem o condão de paralisar um importante setor.
E também com os malefícios de retirar mercadorias mais baratas do mercado, as importadas, para que se consuma as mais caras, fabricadas aqui mesmo, com todo nossa incompetência na área de juros e tributos, para dizer o mínimo.Uma medida dessas teria que ser revogada rapidamente, e não perdurar mais do que algumas horas, com o MDIC voltando a prestar relevantes serviços à nação. Porém, mesmo com sua revogação, o desserviço ao comércio exterior já foi concretizado, retirando a confiança de todos os agentes econômicos envolvidos na área.
Mesmo com a revogação, como reagirão nossos parceiros comerciais diante de tão insólita atitude quando tantas outras poderiam ter sido tomadas? Qual a confiança deles em nós? Será que ninguém no governo pensa que o comércio exterior é uma via de duas mãos, e que importar é o que exporta? Deixando de comprar dos outros, eles não deixarão de comprar de nós? Parece que continuamos na mesma, e só temos espasmos de boas políticas, que na maioria são políticas ruins.
Com isto começamos a temer mais ainda pelo futuro, e já nos lembramos dos velhos programas de importação dos anos 70 e 80, que se baseavam no ano anterior. Será que vamos começar a reviver os mortos?Brasil, sempre o mesmo, com seu complexo de pequenez. Acorda Brasil, já dormiu muito, mais de meio milênio.A Licença de Importação lembra o 'bode na sala': o governo radicaliza, negocia, cede e posa de mocinho.
Samir Keedi - economista, professor da Aduaneiras e de várias universidades, e autor de vários livros em comércio exterior.

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