Antonio Carlos Valim de Camargo *
Empresa importadora paulista negociou com exportador estabelecido na China a aquisição de 200 kgs de “escovas de toucador”, que recebeu a classificação fiscal 9603.29.00. Há alguns dias, ao proceder ao seu desembaraço para consumo, seu despachante foi surpreendido pela aplicação, por parte das autoridades aduaneiras, de direito antidumping específico, à razão de US$ 14,49/kg, com base na Resolução Camex 26/07.
Com a finalidade de proceder cálculos relativos ao ICMS incidente na operação o despachante, diligentemente, buscou na Internet o site da Secretaria da Fazenda www.fazenda.sp.gov.br e encontrou o Manual de Orientação ao Importador nos Termos da Portaria CAT 59/07 e ali colheu a seguinte informação sobre a composição da base de cálculo do ICMS:
“Vale ressaltar que o valor ‘Outros Tributos’, envolve a taxa Siscomex considerando uma média ponderada pelo valor CIF. E o valor ‘Demais Despesas’ envolve a multa e juros (considerando uma média ponderada pelo valor CIF) e o valor anti-dumping ou salvaguarda a recolher para cada adição. “
Por medida de cautela, houve por bem o despachante encaminhar-nos o caso para estudo. Trata-se, como veremos, de mais um ponto polêmico que se soma aos existentes que resultam do entrechoque entre os institutos da legislação do ICMS e os da Legislação Aduaneira.
Com efeito, ao proceder a um profundo estudo desse assunto, constatamos, inicialmente, que a Emenda Constitucional 33/01, que alterou a redação do art. 155 da Lei Magna, no inciso XII do § 2º, introduziu a alínea ''i'' dispondo que cabe à Lei Complementar (L.C.) fixar a base de cálculo do ICMS também na importação.
Para tanto a L.C. 114/02, alterou o artigo 13, V alínea ”e” da L.C.87/96 e, neste Estado, o legislador paulista alterou o art. 24, IV da Lei nº 6.374/89 e na esteira dessa L.C. relacionou, além do valor CIF e dos impostos I.I., IPI e I.O.F., também “quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras”.
O RICMS/SP conceituou despesas aduaneiras como sendo os valores pagos à repartição alfandegária, e apontou, à guisa de exemplo, alguns poucos casos, tais como : diferenças de peso, classificação fiscal e multas por infrações (art. 37-IV, § 6º do RICMS).
Em vários Estados, entretanto, tal não ocorre. Ao contrário, não é pequeno o volume de itens listados pelas diferentes legislações como despesas aduaneiras que integram a base de cálculo do ICMS na importação.
Buscando interpretar e direcionar o assunto o CONFAZ aprovou o Convênio.ICMS 07/05 baixando listagem, cujo teor, altamente discutível, não cabe discutir no momento. Vou-me ater somente aos direitos anti-dumping, não sem antes informar que o referido convênio não foi assimilado por 5 Estados, inclusive o de São Paulo e que a celeuma por ele causada foi tamanha que o CONFAZ houve por bem revogá-lo por meio do Convênio ICMS 83/05.
Apesar de incluídos na base de cálculo do ICMS pelos dispositivos revogados do supracitado Convênio ICMS 07/05, entendemos que direitos anti-dumping não poderiam ali figurar face ao que dispõe o parágrafo único do art. 1º da Lei federal 9.019/95, que trata da aplicação dos Direitos Previstos no Acordo Antidumping e no Acordo de Subsídios e Direitos Compensatórios.
Diz o parágrafo :
“Parágrafo único - Os direitos antidumping e os direitos compensatórios serão cobrados independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à importação dos produtos afetados” (gn).
Esse dispositivo foi regulamentado pelo artigo 48 Decreto federal nº 1.602, de 23.08.95, que estabelece, “verbis”:
“Art. 48. Quando um direito antidumping for aplicado sobre um produto, este será cobrado, independentemente de quaisquer obrigações de natureza tributária relativas à sua importação, nos valores a cada ano, sem discriminação, sobre todas as importações do produto que tenham sido consideradas como efetuadas a preços de dumping e danosas à indústria doméstica, qualquer que seja sua procedência.”
Essas disposições apontam, a nosso ver, para a característica não tributária do direito antidumping
Vejamos o que dizem os estudiosos :
Vivian Carvalho Pimentel (Antidumping no direito brasileiro - Lei n. 9.019/95- www.franca.unesp.br/revista/graduacao) escreveu que o dumping manifesta-se quando “produtos de um país são introduzidos no comércio de outro país a preço inferior ao seu valor normal. Tal situação ocorre quando o preço de exportação é inferior ao preço de consumo, no mercado exportador, de produto similar, nas condições normais de comércio”.
E, mais adiante, complementa aquela autora: “A natureza jurídica dos direitos anti-dumping é de modalidade não tributária de intervenção do domínio econômico. Não se mostra compatível e correto dizer que a natureza jurídica dos direitos anti-dumping como tributária, uma vez que a própria Constituição não concilia qualquer uma das espécies tributárias previstas com a ampliação das medidas anti-dumping.”
Concordamos com essa conclusão e lembramos que, de fato, é da característica do antidumping a possibilidade de sua aplicação retroativa de modo a alcançar situações pregressas.
.Por essa razão Josefina Maria M.M. Guedes e Sílvia M. Pinheiros concluem:
” No que tange à retroatividade dos Direitos Anti-Dumping e das Medidas Compensatórias é hoje admitida ... pois em sendo considerado tributo, ao Direito Anti-Dumping seria vedada a possibilidade de retroagir” (in “Antidumping, Subsídios e Medidas Compensatórias”. 3.ed. São Paulo: Aduaneiras, 2002.) (destacamos)
Com efeito, face à sua natureza não-tributária a aplicação do anti-dumping não se submete aos princípios constitucionais da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade (Constituição Federal art. 150, incisos I; III, alíneas “a” e “b” respectivamente).
Essa orientação encontramos na seguinte decisão unânime da 2ª Câmara do 3º Conselho de Contribuintes Proc: 11128.001025/95-54 - Recurso: nº 119324 - DRJ-SAO PAULO/SP - Relator: LUIS ANTONIO FLORA - Acórdão 302-34922 . Data da Sessão: 19/09/2001.
Ementa: Constatada a existência de DUMPING em regular investigação, o que se cobra é um "direito" e não um "tributo". E se esse direito é exigido para sanar dano ou ameaça de dano, ele tem caráter indenizatório, o que contraria aquela disposição constante do art. 3º do CTN que diz que "Tributo é toda prestação pecuniária que não constitua sanção de ato ilícito".
Daí a nossa conclusão de que o direito antidumping, em função das características a ele atribuídas pela Lei federal 9.019/95 atrás reproduzida:
i) não tem natureza tributária; ii) é cobrado (e pago) de forma autônoma e independente das demais obrigações tributárias, iii) pode ter caráter retroativo; iv) seu pagamento não repercute no cumprimento das demais obrigações tributárias; e, v) não integra a base de cálculo dos tributos incidentes na importação, inclusive o ICMS.
Como conseqüência, concluímos que está incorreta a informação contida no referido “site” da Secretaria da Fazenda, que manda inclui o antidumping na base de cálculo do ICMS incidente na importação e recomendamos ao importador a impetração de Mandado de Segurança.
A propósito da referência à salvaguarda contida naquele “site”, ressalte-se que essa cobrança tem natureza diferente do antidumping. Enquanto este é uma punição que resulta da prática de “dumping” por certa nação exportadora, a salvaguarda é uma reação a valores exorbitantes praticados por determinado exportador em operação contratada por importador brasileiro.
Trata-se, na realidade, de um adicional ao Imposto de Importação, e, em razão de sua natureza tributária, quando aplicada, integra a base de cálculo do ICMS incidente na importação.
* Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da USP. Especialização em Direito Tributário pela PUC . Fiscal de Rendas aposentado da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Integrou a Consultoria Tributária e a equipe de Instrutores da Escola Fazendária. Sócio-diretor de Valim de Camargo Advocacia. Ex Consultor e Instrutor da Aduaneiras. Lecionou "Legislação Aduaneira" na Faculdade de Comércio Exterior do Inst. Metodista de Ensino Superior. Autor dos livros: "Guia do ICMS no Comércio Exterior" e "Guia do ICMS nos Serviços de Transporte". “ICMS na Importação e Exportação - Coletânea de artigos” (no prelo).
2 comentários:
Com certeza isto não funcionou com a indústria têxtil nacional.
Pois foi aniquilada em decorrência dos preços dos produtos concorrentes importados chineses principalmente.
Por que nada fizeram ?
Seria diferenciado o interesse político nas diferentes indústrias nacionais ?
Pois então, quando e em quais casos que funciona então este "mecanismo" anti-dumping ?
Alguma luz ?
Recomendo ver Decreto 1.602/95. Existe regulamentação específica da Organização Mundial do Comércio (OMC) que só permite a imposição de direito antidumping nos casos em que investigação (com direito à ampla defesa e ao contraditório) conclua pela existência de dumping (preço de exportação inferior ao valor normal, i.e., o valor de venda no mercado nacional do país exportador) e dano à indústria doméstica dele decorrente.
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